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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ando meio desligado (Bossa and roll) - Rita Lee

Calmaria

"Já tem algum tempo... ando fechando os olhos e imaginando uma cena tipicamente tropical: uma rede balançando, uma brisa suave e, só pra completar, aquele cheirinho de chuva de verão no fim da tarde que tanto acalmava quando criança... Ando precisando de uma certa paz, tranqüilidade, calma. Férias mentais? É, talvez. Ando meio avoada, meio nada, meio tudo, ando do jeito que detesto: no meio-termo, nem lá nem cá. Tentando separar o bom do ruim, o amor do ódio, a confiança da falsidade. Já fui ovo, larva, hoje ando meio borboleta: leve, livre e inconstante."


A Voz e o Tempo






Em novo disco, Gal Costa interpreta apenas composições inéditas de Caetano Veloso e trava um inesperado diálogo com softwares que alteram o som. Enquanto tenta se modernizar, também expõe as dores do envelhecimento
por Pedro Alexandre Sanches

Até 2011, o mais célebre duelo com a tecnologia protagonizado por Gal Costa se chamava Meu Nome É Gal. A canção, de Roberto e Erasmo Carlos, está gravada na última faixa de seu disco de 1979, Gal Tropical. Então com 34 anos, ela usava a composição para esgrimir a própria voz com os acordes da guitarra de Robertinho de Recife, a garganta humana desafiando e superando os sons agudos produzidos pelo instrumento. Hoje com 66 anos, a cantora baiana atualiza a batalha de Meu Nome É Gal em seu novo trabalho, Recanto, um álbum todo tomado pelo confronto entre mulher e computador. Onde a guitarra elétrica esteve um dia, agora se encontram softwares como o Auto-Tune (um programa afinador de vozes e instrumentos), sintetizadores e baterias eletrônicas. Das 11 faixas que integram o CD, apenas uma não se utiliza desses recursos.
Mas a mais poderosa das máquinas com que Gal digladia é um homem: Caetano Veloso. Principal porta-voz do compositor conterrâneo desde as primeiras gravações, em 1965, ela havia registrado até aqui mais de oito dezenas de canções do amigo. Recanto expande a parceria: é o primeiro álbum de Gal formado exclusivamente por criações inéditas de Caetano. Aos 69 anos, o músico também atua como diretor artístico e produtor do projeto, dividindo a segunda função com seu filho mais velho, Moreno Veloso. Só havia ocupado tais posições num disco anterior de Gal, em 1974, o hippie e idílico Cantar.
De sonoridade bastante contemporânea, Recanto conduz a intérprete a um ambiente parecido com o que Caetano construiu em seus dois discos solo de estúdio mais recentes, (2006) e Zii e Zie – Transambas (2009), invadidos por músicos da geração de seus filhos. Entre os jovens alquimistas que acompanham e modernizam a voz da “Vaca Profana” (como Caetano a nomeou em 1984), estão Moreno e Zeca Veloso (outro filho do baiano), Kassin, Pedro Sá, Davi Moraes (filho do cantor Moraes Moreira) e Donatinho (filho do pianista João Donato). Na seção “velha guarda”, bem mais discreta do que a outra, figuram instrumentistas de gerações anteriores, como Jaques Morelenbaum, ao violoncelo.
Quatro décadas e meia atrás, a guerra entre as violas enluaradas e as guitarras envenenadas marcou a geração heroica da MPB universitária. Ao se centrar no embate voz-computador, Recanto alude àquele período. Mas os tempos de 1967 estão mortos, e o novo confronto evoca mais uma proposta de pacto do que uma declaração de guerra. Por isso, talvez seja mais preciso falarmos em diálogo, e não em duelo, batalha, embate ou confronto.
A faixa Autotune Autoerótico é a que melhor traduz o espírito do disco. Gal a inicia forçando a voz, de modo a lembrar uma matrona do Recôncavo Baiano. A garganta experimenta andar na corda bamba entre a afinação e a desafinação e termina reprocessada pelo Auto-Tune, num efeito robótico que a veterana cantora norte-americana Cher inaugurou em 1998, no álbum bem mais deslavadamente pop Believe. “Não, o Autotune não basta pra fazer o canto andar/ pelos caminhos que levam à grande beleza”, avisa Gal, de maneira espertamente contraditória. Por um lado, desanca o afinador de voz. Por outro, faz uso dele para obter efeitos que não alcançaria naturalmente.
Há, no entanto, muitos outros núcleos de tensão criativa em Recanto, e dois dos maiores são Miami Maculelê e Neguinho. O primeiro obriga Gal a brincar com os sons eletrônicos e extremamente pop do funk carioca e dos fliperamas, enquanto a voz faz malabarismos com as sílabas de “são Dimas, Robin Hood e o anjo 45/ todos dançando comigo”. As citações conectam o Jorge Ben de 1969 (“Charles, anjo 45/ protetor dos fracos e dos oprimidos/ Robin Hood dos morros, rei da malandragem”) com os Racionais MC’s de 2002 (“aos 45 do segundo, arrependido/ é Dimas, o bandido/ primeiro vida loka da história”). O compositor baiano segue Mano Brown e equipara são Dimas, “o bom ladrão” do imaginário cristão, aos meninos das favelas brasileiras, enquanto prega a reconciliação entre o hip-hop paulistano e o funk carioca.
Neguinho é provavelmente o maior pulo do gato de Caetano no novo disco. A princípio, os versos parecem se referir a alguém que não é nem o compositor, nem a cantora, nem o público supostamente refinado que costuma acompanhá-los – uma referência muitas vezes crítica: “Neguinho compra três TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz/ (...) neguinho vai pra Europa, States, Disney e volta cheio de si/ neguinho cata lixo no Jardim Gramacho”. Ao final, esclarece-se o enigma (“neguinho que eu falo é nós”) e a crítica vira autocrítica.
Outro ponto que aguça a reflexão em Recanto diz respeito tanto ao autor quanto a Gal (ou a qualquer um que os ouve). No disco , Caetano despistava as dores de envelhecer com afirmações de potência sexual. Desta vez, porém, tais dores aparecem explícitas. “Tudo dói”, frase repetida inúmeras vezes pela cantora na faixa de mesmo nome, é exemplo que soaria quase engraçado, não fosse o tom soturno da gravação e os versos amaros: “Viver é um desastre que sucede a alguns”.
Tristeza Profunda
Se em 2005 a intérprete gravara uma composição de Caetano denominada Luto, hoje a canção Madre Deus vai mais longe. Mira a morte de frente, sem meios-tons, sob melodia monótona revestida de ruídos ríspidos, desagradáveis: “Meu corpo todo desmede-se/ despede-se de si”, “frente ao infindo/ costas contra o planeta/ já sou a seta sem direção/ instintos e sentidos extintos/ mas sei-me indo”.
Os temas de morte e envelhecimento são os mais nítidos, mas não os únicos a afirmar que a tristeza é um dos (muitos) legados tropicalistas – não estamos mais nos anos 1990, quando músicas como A Luz de Tieta (1996) diluíam a melancolia em profissão de fé na alegria feroz da axé music. Nessa linha, Recanto Escuro constitui outro dos núcleos nervosos do CD. A voz potente de Gal e a linda e grave melodia são perturbadas o tempo todo por interferências de rádio, ou agulhas raspando no vinil, ou coisa que o valha. “Eu venho de um recanto escuro”, “o álcool me faz chorar”, “só Deus sabe o duro que eu dei”, assume a voz sofrida da cantora.
“Tristeza profunda” é um termo que surge explícito em Segunda, a faixa de encerramento. É o único recanto totalmente orgânico, analógico de Recanto, com Moreno Veloso solando no violão, no violoncelo, no prato e na faca, num arranjo sertanejo-urbano, profundamente nordestino. A letra adota perspectiva proletária, de um(a) protagonista egresso(a) do processo de ascensão das classes C e D no Brasil. “Não vejo o nascer do dia/ mas pela Virgem Maria/ tenho dinheiro e patrão”, “eu mesmo sou mei galego/ o meu chefe no emprego/ é que é mulato pra negro:/ só ecos da escravidão”, “mas agora a minha sala/ tem geladeira de gala/ à dele quase se iguala/ muda o mundo em barafunda”.
Neguinho pode padecer de tristeza profunda, mas também luta bravamente para compreender a sociedade em que vive e para se transformar, como já fazia antes mesmo de se inventar tropicalista. Neguinho é Gal, é Caetano, é nós.

Pedro Alexandre Sanches é jornalista, autor do livro Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba (Boitempo).
O DISCO
Recanto (Universal), de Gal Costa. Produção: ­Caetano e Moreno Veloso.

Maria Bethânia - "A Voz Não é Minha. É das Sereias"

Maria Bethânia canta o amor e o misticismo em dois novos álbuns. Em entrevista a BRAVO!, critica os que a atacam por usar a Lei Rouanet e elogia a senadora Marina Silva, possível candidata à Presidência da República
por Armando Antenore



Gabriel Rinaldi

Nesta e nas páginas seguintes, a cantora durante ensaio fotográfico na Villa Riso, a parte remanescente de uma fazenda carioca do século 18. “Nasci para o que faço”

Passa um pouco do meio-dia e, sob orientação do fotógrafo de BRAVO!, Maria Bethânia caminha pelos jardins da Villa Riso, a parte remanescente de uma fazenda do século 18 que se transformou em espaço para festas. É lá, na estrada da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, que a cantora costuma receber jornalistas. O lugar fica próximo à casa onde mora desde 1972. "Por favor", pede-lhe o fotógrafo, "sente-se debaixo daquele pinheiro." Bethânia abana a cabeça negativamente: "Ali não". Com gentileza, mas irredutível, esclarece que pinheiros a incomodam. "Em minha terra, são árvores de cemitério."
Oriunda de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, a irmã de Caetano Veloso - adepto de "uma irreligiosidade feroz", como já se definiu - nunca separou rigidamente o místico daquilo que os cartesianos chamam de real. Para a intérprete, o sagrado e o corriqueiro se entrelaçam. Um explica e alicerça o outro. Tal convicção, que a artista manifesta com uma naturalidade às vezes desconcertante, estimula um divertido folclore em torno dela, uma profusão de lendas que a tomam por feiticeira ou algo assim. "Quando Bethânia inicia uma turnê, chove. Evite usar negro ao lado de Bethânia. Sempre que Bethânia entra no estúdio, os monitores de ouvido acusam interferências." Das inúmeras histórias, a cantora - famosa por resguardar avidamente a própria intimidade - só confirma que não veste roupas pretas. Dispensa a cor em respeito às recomendações do candomblé, crença que abraçou junto com a devoção pelo catolicismo. "Mas podem usar negro perto de mim", avisa, às gargalhadas.
A faceta mística de Bethânia desponta claramente no CD Encanteria, um dos dois que acaba de lançar. O álbum do selo Quitanda agrega 11 composições inéditas - sambas e toadas sobre orixás, santos e as celebrações que os homenageiam. Caetano e Gilberto Gil cantam na faixa Saudade Dela. O outro disco, Tua, sai pela Biscoito Fino. Também reúne 11 músicas inéditas e conta com a participação do pernambucano Lenine. De sonoridade mais urbana, tem como mote o amor.
Em conjunto, os delicados trabalhos reafirmam que Bethânia já não cabe apenas nos rótulos de "romântica", "brejeira" ou "artista de massa". Ela é hoje, aos 63 anos e 46 de carreira, um clássico à altura de Edith Piaf, Nina Simone ou Ella Fitzgerald, ainda que de abrangência menor.
Durante a entrevista de quase duas horas, a cantora trajava uma pantalona azul e uma pashmina cor-de-rosa, espécie de xale que lhe recobria os ombros. Pelas mãos, braços e pescoço, espalhava algumas joias, a maioria dourada. Um dos anéis e o relógio de pulso despertavam especialmente a atenção.
BRAVO!: Que anel curioso…
Maria Bethânia: Você gostou? Traz a imagem do meu caboclo.
Um índio?
Exato, o caboclo que me protege, graças a Deus. Veja só que história inusitada: uma vez, desembarcando em Miami, topei na imigração com um policial branco, alto e muito forte. "Virgem Santíssima!", pensei. "Olhe o tamanho do sujeito!" No entanto, para minha surpresa, o homem sorriu. Quando pegou meu passaporte, notei que ostentava um anel de prata enorme. Uma peça luminosa, com o rosto de um índio. "Que anel incrível!", comentei em português. O homem continuou rindo como se me compreendesse. De repente, tirou o anel e me deu. Um gesto absolutamente improvável: a polícia dos Estados Unidos distribuindo presentes no aeroporto?! Tão logo retornei para casa, providenciei uma cópia do anel, menorzinha, em ouro. É a que estou usando.
Qual o nome do caboclo? Pode revelar?
Quer saber demais sobre o meu caboclo! (risos) Há décadas, pertenço à Nação Ketu do candomblé. Mas, ainda garota, em Santo Amaro, costumava visitar um terreiro de outra nação, a Angola. Ali os fiéis não cultuavam somente os orixás. Também recebiam o espírito dos índios que habitaram o Brasil, os caboclos. É uma tradição maravilhosa, que me comove. Por isso, conservo o anel. Sem contar que tenho uma bisavó indígena, da etnia pataxó.
E o relógio?
Comprei para marcar um acontecimento...
Que acontecimento?
Não vou entrar em detalhes. Foi algo bonito que me ocorreu e que se relacionava com o tempo. Precisava de uma coisa que simbolizasse aquilo.
Como uma tatuagem?
Tatuagem, não — o candomblé proíbe. Engraçado que, bem jovenzinha, sonhava em fazer uma. Cresci num lugarejo repleto de rios, mas passava as férias na praia. Sempre amei perdidamente o mar. Meu pai dizia que a terra e o oceano se espelham. "Tudo o que existe aqui em cima existe no fundo do mar." Eu o escutava, e minha imaginação corria solta: "Tudo, pai? Coqueiro, abelhas, montanha?". Ele jurava que sim. Não à toa, os marinheiros me encantavam. Admirava as tatuagens que carregavam nos braços. "Quando mandar em mim, arranjarei uma igual", planejava. Àquela época, poucas mulheres ousavam exibir tatuagem. Eu, atrevida, desejava uma nas costas, do lado direito, perto da bunda. Cogitei, primeiro, desenhar uma sereia. Sou fascinada por sereias. Depois mudei de opinião: "Vou botar uma estrela, ou um sol, ou uma lua". Acabei não desenhando nada.
Sereias a fascinam?
Imensamente. Criança, ganhava umas de minha mãe, pequeninas, de barro. Agora ganho dos amigos e dos fãs. Em casa, há um punhado: de metal, gesso, madeira. Sereias são as donas da voz... Senhoras da emissão, que cantam por minha boca. Só sei cantar graças às sereias. Elas me ensinaram. Minha voz apenas mora em mim. Não é minha. É das sereias. É de Deus.
Uma metáfora, não? Ou você realmente acredita que sereias existam?
Acredito. Certas pessoas conseguem ouvi-las, enxergá-las. Eu nunca as enxerguei. Mas as sinto, talvez porque queira senti-las. Creio que hoje esteja no mesmo lugar em que as sereias se encontram. Uma bênção!
Julga-se predestinada?
Sem dúvida. Nasci para o que faço. Já na infância, me comportava de maneira incomum. Andava maquiada por Santo Amaro como uma vedete, confeccionava minhas próprias roupas e imitava os personagens das peças que o grupo local de teatro montava. O povo da cidade morria de vergonha. Evitavam a minha companhia. Somente o Caetano me apoiava. Eu avisava: "Não adianta reclamar, pessoal! Sou do palco, vou viver do palco". Não suspeitava ainda que iria cantar. Pretendia virar trapezista. Circo me atraía muitíssimo. Uma ocasião, caí de amores por um palhaço, o Poli, mal o avistei no picadeiro. Paixão doida, de cinema! Fiquei tão envolvida que arrumei um jeito de conhecê-lo sem máscara. Era um homenzinho calvo, quase sexagenário. "Vou fugir com o senhor!", repetia. O coitado, lógico, apenas gargalhava. Quando o circo partiu de Santo Amaro, me desmanchei de tanto chorar.
Em que momento você resolveu se tornar cantora?
Com uns 15 anos. Ou melhor: Caetano resolveu por mim! (risos) Ele compunha a trilha de um curta [Moleques de Rua, do diretor Álvaro Guimarães, o Alvinho] e me pediu para gravá-la. Topei na hora. Quatro anos mais velho, Caetano me influenciava bastante. Nós o considerávamos o gênio da família. Desde cedo, o danado pintava como ninguém, tocava, escrevia canções. Lembro-me de vê-lo redigir uma peça inteira com 8 ou 9 anos. "Você vai fazer o papel da estrela", me prometia. Eu, um toquinho de gente, concordava. (risos) O negócio é que acabei gravando a trilha em Salvador, no ateliê de Mário Cravo Jr. [escultor]. Que período bom, rapaz! Pouco depois, em 1963, Alvinho encenou Boca de Ouro, a tragédia do Nelson Rodrigues, e me chamou para cantar um samba de Ataulfo Alves no prólogo. Iria interpretá-lo da coxia, sem aparecer. Mesmo assim, não deixei de caprichar nos trajes. Pus luvas, brincos, colar...
Foi em Salvador, na década de 1960, que você se aproximou de Gal Costa. Continuam amigas?
Continuamos, só que não como antigamente. Perdemos o convívio. Éramos grudadas, irmãs. Agora... Gal se distanciou muito de mim e de Caetano. Não brigamos nem nada. Ela apenas se isolou. Diminuiu o ritmo, se afastou da música, adotou um filho [Gabriel, em 2007]. Mora lá na Bahia e cuida do menino, linda. Um dia lhe perguntei: "Do que você mais gosta hoje, do canto ou da maternidade? Me responda, mulher!". Não respondeu. (risos) Tenho a impressão de que Gal, uma cantora inigualável, não se entusiasma tanto pelos novos autores. Deve avaliar que suas composições não estão à altura da voz dela, daquele cristal perfeito. É compreensível. A emissão de Gal exige de fato canções tão sofisticadas quanto as de Caetano, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Ary Barroso. Eu, em contrapartida, não enfrento o mesmo problema. Sou uma intérprete antes de tudo. Uma intérprete de textos, de ideias, que também pode cantar. Não sou uma purista.
Você nunca pensou em gerar ou adotar um filho?
Pensei em dar à luz com meus 18, 19 anos. Desisti mais tarde e não me arrependo. Filho são meus discos, é minha carreira. Não disponho da sabedoria de meus pais para educar uma criança. E o mundo em que vivemos... A correria, a violência, a competição, o ar irrespirável... Colocar um bebê nesse inferno? Em um planeta sufocado? Fico apavorada quando constato algumas inversões de valores. O dinheiro, por exemplo. Virou o centro do universo. Uma loucura! Às vezes, acho que a atual crise financeira é um alerta do próprio dinheiro: "Prestem atenção! Entendam a minha natureza. Posso dormir um hoje e acordar outro amanhã". Enfim... Sou cruel com os amigos e sobrinhos que têm filhos. Cobro que zelem pelas crias e não admito que se queixem. Decidiram ter? Então se redobrem para ampará-los.
Os dilemas ecológicos parecem preocupá-la. Você apoiará a possível candidatura à presidência da senadora Marina Silva, que acabou de ingressar no Partido Verde?
Marina me arrebata. É nobre, firme, sóbria. E domina a área dela, a do meio ambiente. Como Gilberto Gil [ex-ministro da Cultura], passou pelo governo federal sem se manchar, sem cometer erros crassos. Jurei que não votaria mais em candidato nenhum, nem do Executivo nem do Legislativo. Mas a Marina talvez me anime a voltar atrás. Fechei com Lula nas eleições de 2002 e, depois, parei de votar. Os políticos me irritam. Imaginam que somos idiotas.
Recentemente, você sofreu críticas da imprensa por recorrer à Lei Rouanet para bancar alguns de seus espetáculos...
(Interrompendo) Sofri... Uma palhaçada! Uma tristeza! "Governo de esquerda só pode ajudar quem não faz sucesso." Que raciocínio torto! A lei deve acolher gregos e troianos: o ministério avaliza os projetos e cada artista sai à caça de patrocinador, como manda o figurino. Qual o drama? Por que tanta chateação?
Porque se trata de verba pública.
Verba pública? Nunca trabalhei com verba pública!
A lei prevê que os patrocinadores descontem os gastos do Imposto de Renda - um dinheiro que, em tese, iria para o setor público.
Renúncia fiscal, menino! É um mecanismo ótimo! O mínimo que a cultura merece.
E quanto à alegação de que shows como os seus ou os de Caetano, Ivete Sangalo e outros cantores famosos se pagariam apenas com a bilheteria, sem a necessidade de patrocínio?
O quê? Apenas com a bilheteria? Qualquer espetáculo de certo porte no Brasil consome uma fortuna. Nossos custos são de ópera! A plateia pede um cenário elegante, uma iluminação de primeira, um som magnífico. Não condeno, não. Estão corretíssimos! Mas qualidade tem preço. Para subir num palco, preciso ensaiar 40 dias ou mais. Você sabe o que significa arcar com 40 dias de estúdio, técnicos, equipamento, músicos? Um absurdo! "Ah, a cantora também leva uma bolada." Leva? Quem menos ganha é a cantora. Com despesas tão elevadas, você julga
viável depender só da bilheteria? Não há Canecão lotado que cubra um espetáculo. Não há teatro
no país que cubra - e olhe que os ingressos não são baratos, infelizmente. Sem patrocínio, amargaríamos prejuízo caso quiséssemos manter o alto nível dos shows. E, sem a lei, não conseguiríamos patrocínio nenhum. Zero! Portanto...

http://bravonline.abril.com.br/materia/maria-bethania-voz-nao-minha-sereias

Uma noite em... “La Isla Desierta”

São dez atores na sala de espetáculo, mas a plateia não os enxerga. A peça, que faz sucesso há uma década em Buenos Aires, se passa inteiramente no escuro
por Cecilia Arbolave

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Parte do elenco de La Isla Desierta. A maioria dos atores é cega ou tem alguma deficiência visual
Em vão, abro e fecho os olhos. Mexo a cabeça buscando alguma fonte de luz. Mas só vejo preto. Conforme as pessoas adentram a sala, escuto risadas de quem, como eu, está se adaptando à cegueira. No entanto, ninguém reclama da escuridão, pois a falta de luz é condição essencial para a peça La Isla Desierta (A Ilha Deserta), montada num dos espaços mais badalados de Buenos Aires, a Ciudad Cultural Konex. Os murmúrios do público finalmente se acalmam e os atores entram em cena, um a um, martelando máquinas de escrever. Os sons vêm de todas as partes – sinto um ator perto, na minha frente, enquanto outro parece estar uns metros atrás. Em cada nova intervenção, tento descobrir a posição das cadeiras e os limites da sala, mas é tarefa difícil, já que o grupo Ojcuro tira proveito do breu e ocupa todos os cantos do ambiente, fugindo do palco convencional.
La Isla Desierta, do argentino Roberto Arlt, chegou aos palcos em 1937. Décadas mais tarde, em 2001, foi adaptada pelo diretor José Menchaca, que a levou para o chamado “teatro cego” – termo usado não só porque a peça acontece na escuridão, mas porque a maioria dos dez atores é cega ou tem algum tipo de deficiência visual. A montagem de Menchaca alcançou tamanho sucesso que já completou 10 anos em cartaz.
Os personagens trabalham num escritório de Buenos Aires. Cansados da rotina, eles reclamam do confinamento a que julgam estar submetidos. Por isso, quando o zelador do prédio começa a lembrar suas viagens, os inconformados funcionários – e o público – se deixam levar pela sensação de liberdade que os relatos provocam. O espetáculo se vale de inúmeros efeitos sonoros, táteis e olfativos, muito bem executados, que invadem a sala e enriquecem as aventuras contadas pelo zelador. Num momento, sinto o vento e a chuva de uma tormenta ameaçadora no meio do mar. Em outro, já estou dentro de um mercado popular no Oriente. Com luz, essas rápidas mudanças de cena seriam impossíveis e perderiam todo o impacto. É nisto que reside a grandeza de La Isla Desierta: mergulhada em incontáveis sensações e seduzida pela narrativa, a plateia usa a imaginação para preencher o escuro e acaba esquecendo que está temporariamente cega.

Esperanza - Body & Soul

Viver

“Su nombre era el de todas las mujeres”


Loquillo y los poemas de Luis Alberto de Cuenca.

Hay artistas, grupos o cantantes que se tiran 30 años haciendo lo mismo para el mismo tipo de público y hay otros, que son los que realmente merecen la pena, que evolucionan y adaptan su obra a sus nuevas inquietudes, acordes estas últimas con el paso del tiempo y con los años que van cayendo en el calendario particular del creador en cuestión.

Loquillo es uno de estos, en los 80 le tocó ser un rockabilly rebelde que dio mucha guerra y mucho que hablar y junto a los Trogloditas formó una de las bandas de mayor repercusión en el panorama español, ahí está su trabajo para re-escucharse cuando se tengan ganas de quemar rueda, pero esa época ya pasó y aquél chico duro ha dado paso a este elegante cantante, lleno de madurez y saber estar, Loquillo se ha convertido en un auténtico sibarita de la canción, sus trabajos desprenden mucho savoir faire, un exquisito gusto por las cosas bien hechas, un refinamiento en el sonido y en las letras que no son muy comunes hoy en día.

“Su nombre era el de todas las mujeres” es el tercer trabajo de Loquillo musicando poemas de otros. Si en “La vida por delante” (1994) y en “Con elegancia” (1998) cantó por Benedetti, Gil de Biedma, Octavio Paz o Borges entre otros, en este nuevo trabajo se centra por completo en el académico Luis Alberto de Cuenca.

Cuando uno escucha el disco respira perfección por los cuatro costados, o mejor dicho por los cuatro pilares sobre los que descansa el trabajo: los irónicos y bellos poemas de Luis Alberto de Cuenca, la maestra y pausada música de Gabriel Sopeña, la limpia y elegante producción de Jaime Stinus y la inconfundible, cálida una veces y desgarradora otras veces interpretación de Loquillo.

El disco comienza con “Political incorrectness” y “Nuestra vecina” donde el dúo de Cuenca-Loquillo se muestra más desenfadado y humorístico, el disco avanza y te encuentras con joyas de una sutileza extrema, “La noche blanca”, “Cuando vivías en la Castellana” o “Farai un vers de dreyt nien” contienen versos de un nivel insuperable donde podemos encontrar al de Cuenca más romántico y apasionado. “La malcasada” o “Su nombre era el de todas las mujeres” son excelentes temas que completan este trabajo de diez cortes donde la mujer es el eje central y la auténtica protagonista.

Esperemos que Loquillo siga en el futuro teniendo tan buen gusto eligiendo poetas e interpretándoles y es que para realizar este tipo de discos aún le queda toda una vida por delante, sólo necesita poemas, teatros, trajes negros y su inconfundible voz.





“Farai un vers de dreyt nien”

Sobre ti, sobre mí
sobre el infierno y sobre el paraíso
de nuestro amor,
sobre el milagro inútil
de haberte conocido y el abismo
de haber viajado al alba y al crepúsculo
con un monstruo tan dulce y tan dañino,
sobre la huella que dejó tu cuerpo
en mi cama y en todos mis sentidos,
sobre el vestido negro ribeteado
de encaje con que andabas por el filo
de la traición, sobre tu piel tan blanca
y sobre el tiempo que yo perdí contigo…
Sobre todas las cosas que anteceden
y sobre nada
(¿acaso no es lo mismo?)
escribiré un poema, recordando
la canción de Guillermo,
con el frío de la distancia
y con la sensación
de no haberlas vivido.
 


 

Vamos ler...

Romances extraordinários

Dos livros que editei este ano, Os verbos auxiliares do coração talvez tenha sido o mais surpreendente. Não seria errado dizer que é a história de um filho diante da doença terminal e da morte da mãe. Mas falar em “história” aqui, sobretudo se pensarmos no SENTIDO CONSAGRADO PELO ROMANCE REALISTA (e pelo mercado que ele representa), parece meio estranho – fica a sensação de que falta alguma coisa.
Ao justapor uma narrativa, que se desenrola na parte superior das páginas, a textos aparentemente desconexos, que correm pelo rodapé
do livro, Péter Esterházy efetivamente conta uma história
(a da doença e da morte da mãe do narrador). Mas trabalha
também em outro nível, numa lógica própria, que intuímos e não conseguimos apreender totalmente.
Como quase tudo o que se desvia de certo modelo de transparência realista, o livro poderia ser chamado (pejorativamente) de “experimental”. O efeito que Esterházy alcança, no entanto, é de uma beleza e impacto únicos. E só é assim porque o livro é o que é.
Sou fã de romances realistas bem realizados (Flaubert, claro – e James, Bellow, Coetzee etc.), mas também me interessam os romances que, digamos, não se parecem com romances. Ou pelo menos não com a ideia que normalmente temos deles. Se essa fosse uma retrospectiva dos livros que editei no ano, daria para dizer que a tônica foi mais ou menos essa. Os verbos auxiliares do coração compõe com, por exemplo, o Museu do Romance da Eterna e História abreviada da literatura portátil (todos lançados em 2011) um conjunto de romances que não se parecem com romances, mas que são, ao mesmo tempo, romances extraordinários.
Em História abreviada da literatura portátil, Enrique Vila-Matas narra, em tom de crônica e ensaio histórico (com direito a rigorosa e diligente bibliografia no fim do volume), a saga de uma sociedade secreta da qual, nos anos 1920, fizeram parte Duchamp, Morand, Tzara entre outros. Não há personagens complexos, verossímeis, “profundos”. Não há conflitos de consciência. Mas a história se desenvolve e queremos, afinal, saber o que acontecerá com a fechada e obscura seita dos portáteis.
Macedonio Fernández, no Museu do Romance da Eterna, planeja um romance que avança a partir de uma série de prólogos que precedem uma história que parece nunca chegar. O romance já são os prólogos.
Péter Esterházy é húngaro; Macedonio, argentino; Vila-Matas, catalão. Isso não explica nada, claro – húngaros, argentinos e catalães também escrevem romances realistas à moda anglo-saxã (genéricos ou não), histórias policiais, manuais sobre a importância do agrião para uma vida mais verde e feliz. Mas é inegável que cada um destes três autores encontrou um modo muito particular de enxergar e apresentar o mundo.
Em tempo: durante sua visita ao Brasil, em julho, conversei com Péter Esterházy. Nesta entrevista, ele conta porque o que escreve 1) não é simples; 2) não é uma história; 3) não tem cem páginas.

*Emilio Fraia é jornalista, escritor e editor da Cosac Naify. PublicouO verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Vanessa Barbara).

Chuck Berry e a negação do futuro

“É difícil pra mim apresentar Chuck Berry, porque eu copiei todos os acordes que ele já tocou!”
Keith Richard

Dizia o filosofo romeno Emil Cioran: "eu prefiro me agarrar ao inacreditável presente e ao inacreditável passado". Cioran brilhou em citações em meados da década de 80 e 90. O tempo era sombrio. Cioran adorava fazer apologia à morte, até que morreu. Vive desfigurado na boca dos niilistas, mas por ora, segue esquecido. Cioran um dia volta.
A morte rondou o final de semana, foram muitos: Joãosinho Trinta, Vaclav Havel (ex-presidente da Tchecoslováquia, hoje também morta), o ator Sérgio Brito, a cantora Cesária Evora, o mandatário da Coréia do Norte, Kim Jong-Il, morte presente. Fiquei sabendo que Etta James (at laaaaast) está terminal com leucemia. Não param de chegar coisas assim… a inquestionável morte.
Domingo pela manhã ao navegar livremente (como gosto) topei com um vídeo bem conhecido, onde Chuck Berry toca um dos seus hits “Oh, Carol” ladeado por Keith Richards. Chuck, velho de guerra, insiste que Keith não acerta um efeito no meio do riff inicial da música. É um momento engraçado do rock’n roll. Para constranger e trollar um corsário velho como Richards, só mesmo outro corsário de mil águas a frente.
Aquela imagem e a versão pulsante de “Oh, Carol” me instigou o pensamento de que Chuck Berry nunca deveria morrer. Não vai morrer e pronto. Não vou aceitar que num dia qualquer, uma rede social, um portal ou um amigo me ligue e diga que Chuck Berry morreu. Não vai haver este dia. Passará em brancas nuvens. Não haverá futuro sem Chuck Berry. Neste momento me alinho com Cioran que paradoxalmente só falava de morte. Sofismar o romeno servirá como despiste.
Os bordões mais sacados do rock e o passo de pato não vão deixar esta terra. E não adianta dizer que Chuck é um ranzinza que vende 60 minutos de apresentação e sai no exato sexagésimo minuto, mesmo que esteja no meio de uma música. Nada de sovinice, Chuck cumpre contratos. Não adianta querer levá-lo antes ou depois, ele insiste em cumprir tudo no ponto. Chuck Berry não vai morrer antes de tocar o último riff. Que atrasem os riffs. Chuck Berry é um jovem rocker de 85 anos.
Os Beatles, os Stones, tantas bandas, os punks, os retrôs todos emularam, revisitaram, atrasaram o tempo para voltar a Chuck Berry. Para quê e para quem ele vai morrer? Até completar o set todo: Maybelline, Roll Over Beethoven, Johnny Be Good, Bound To Lose, Rock And Roll Music, Sweet Little Sixteen … levará muito tempo. E que o tempo se atrase, como o riff que Keith teimava em não tocar direito. Que seja atrasado por longo tempo o último hit de Chuck Berry. O que será do rock’n roll sem ele? E que o futuro seja como o tal Cioran pressentiu, uma negação, uma falsa espera.
Chuck Berry Fields Forever.
Definitivamente e dane-se a realidade: Chuck Berry jamais morrerá.