Romances extraordinários
Dos livros que editei este ano, Os verbos auxiliares do coração talvez tenha sido o mais surpreendente. Não seria errado dizer que é a história de um filho diante da doença terminal e da morte da mãe. Mas falar em “história” aqui, sobretudo se pensarmos no SENTIDO CONSAGRADO PELO ROMANCE REALISTA (e pelo mercado que ele representa), parece meio estranho – fica a sensação de que falta alguma coisa.
Ao justapor uma narrativa, que se desenrola na parte superior das páginas, a textos aparentemente desconexos, que correm pelo rodapé
do livro, Péter Esterházy efetivamente conta uma história
(a da doença e da morte da mãe do narrador). Mas trabalha
também em outro nível, numa lógica própria, que intuímos e não conseguimos apreender totalmente.
Como quase tudo o que se desvia de certo modelo de transparência realista, o livro poderia ser chamado (pejorativamente) de “experimental”. O efeito que Esterházy alcança, no entanto, é de uma beleza e impacto únicos. E só é assim porque o livro é o que é.
Sou fã de romances realistas bem realizados (Flaubert, claro – e James, Bellow, Coetzee etc.), mas também me interessam os romances que, digamos, não se parecem com romances. Ou pelo menos não com a ideia que normalmente temos deles. Se essa fosse uma retrospectiva dos livros que editei no ano, daria para dizer que a tônica foi mais ou menos essa. Os verbos auxiliares do coração compõe com, por exemplo, o Museu do Romance da Eterna e História abreviada da literatura portátil (todos lançados em 2011) um conjunto de romances que não se parecem com romances, mas que são, ao mesmo tempo, romances extraordinários.
Em História abreviada da literatura portátil, Enrique Vila-Matas narra, em tom de crônica e ensaio histórico (com direito a rigorosa e diligente bibliografia no fim do volume), a saga de uma sociedade secreta da qual, nos anos 1920, fizeram parte Duchamp, Morand, Tzara entre outros. Não há personagens complexos, verossímeis, “profundos”. Não há conflitos de consciência. Mas a história se desenvolve e queremos, afinal, saber o que acontecerá com a fechada e obscura seita dos portáteis.
Macedonio Fernández, no Museu do Romance da Eterna, planeja um romance que avança a partir de uma série de prólogos que precedem uma história que parece nunca chegar. O romance já são os prólogos.
Péter Esterházy é húngaro; Macedonio, argentino; Vila-Matas, catalão. Isso não explica nada, claro – húngaros, argentinos e catalães também escrevem romances realistas à moda anglo-saxã (genéricos ou não), histórias policiais, manuais sobre a importância do agrião para uma vida mais verde e feliz. Mas é inegável que cada um destes três autores encontrou um modo muito particular de enxergar e apresentar o mundo.
Em tempo: durante sua visita ao Brasil, em julho, conversei com Péter Esterházy. Nesta entrevista, ele conta porque o que escreve 1) não é simples; 2) não é uma história; 3) não tem cem páginas.
Ao justapor uma narrativa, que se desenrola na parte superior das páginas, a textos aparentemente desconexos, que correm pelo rodapé
do livro, Péter Esterházy efetivamente conta uma história
(a da doença e da morte da mãe do narrador). Mas trabalha
também em outro nível, numa lógica própria, que intuímos e não conseguimos apreender totalmente.
Como quase tudo o que se desvia de certo modelo de transparência realista, o livro poderia ser chamado (pejorativamente) de “experimental”. O efeito que Esterházy alcança, no entanto, é de uma beleza e impacto únicos. E só é assim porque o livro é o que é.
Sou fã de romances realistas bem realizados (Flaubert, claro – e James, Bellow, Coetzee etc.), mas também me interessam os romances que, digamos, não se parecem com romances. Ou pelo menos não com a ideia que normalmente temos deles. Se essa fosse uma retrospectiva dos livros que editei no ano, daria para dizer que a tônica foi mais ou menos essa. Os verbos auxiliares do coração compõe com, por exemplo, o Museu do Romance da Eterna e História abreviada da literatura portátil (todos lançados em 2011) um conjunto de romances que não se parecem com romances, mas que são, ao mesmo tempo, romances extraordinários.
Em História abreviada da literatura portátil, Enrique Vila-Matas narra, em tom de crônica e ensaio histórico (com direito a rigorosa e diligente bibliografia no fim do volume), a saga de uma sociedade secreta da qual, nos anos 1920, fizeram parte Duchamp, Morand, Tzara entre outros. Não há personagens complexos, verossímeis, “profundos”. Não há conflitos de consciência. Mas a história se desenvolve e queremos, afinal, saber o que acontecerá com a fechada e obscura seita dos portáteis.
Macedonio Fernández, no Museu do Romance da Eterna, planeja um romance que avança a partir de uma série de prólogos que precedem uma história que parece nunca chegar. O romance já são os prólogos.
Péter Esterházy é húngaro; Macedonio, argentino; Vila-Matas, catalão. Isso não explica nada, claro – húngaros, argentinos e catalães também escrevem romances realistas à moda anglo-saxã (genéricos ou não), histórias policiais, manuais sobre a importância do agrião para uma vida mais verde e feliz. Mas é inegável que cada um destes três autores encontrou um modo muito particular de enxergar e apresentar o mundo.
Em tempo: durante sua visita ao Brasil, em julho, conversei com Péter Esterházy. Nesta entrevista, ele conta porque o que escreve 1) não é simples; 2) não é uma história; 3) não tem cem páginas.
*Emilio Fraia é jornalista, escritor e editor da Cosac Naify. PublicouO verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Vanessa Barbara).
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