“Envelhecer” é um tema especialmente difícil, em qualquer arte. Philip Roth domina-o. Julien Freud dominava-o. Johnny Cash, certamente. No cinema, Bergman é um caso especial: todo o derradeiro arco da obra do demiurgo sueco passa pelas alegrias e frustrações da “terceira idade”. Envelhecer a dois é um tema ainda mais complexo. “Make Way for Tomorrow”, de Leo McCarey (um mestre das comédias) é um grande filme sobre o assunto, mas quem quer hoje ver um melodrama pungente de 1937 sobre um velho casal que é forçado a separar-se porque não tem dinheiro, e nenhum dos filhos está para o aturar? No cinema de aventuras, “Robin & Marian”, de Richard Lester, é um degrau notável – Robin Hood (Sean Connery), aos 60 anos, está exausto, mas isso não o impede de perseguir Lady Marian (Audrey Hepburn) até ao fim, apesar de esta só querer sopas e descanso no convento mais próximo. Em tempos recentes, “Another Year”, do britânico Mike Leigh, é um exemplo brilhante do equilíbrio entre comédia, drama, construção e naturalismo, pela história de um casal no ocaso da vida mas radiante de fúria, sensibilidade, alegria, caos. Mas Leigh tem um segredo – é a receita do olhar sábio e obsessivo sobre a realidade, do trabalho de meses na preparação com os actores, dos diálogos falsamente improvisados – e Julie Gravras não o conhece. Sendo filha de Costa-Gavras, o mestre grego dos thrillers de conspiração política (“Z”, “Estado de Sítio”, “Missing”, “O Enigma da Caixa de Música”), e apesar do ensaio grave, e ideológico, do filme de estreia (“La Faute à Fidel”), Julie parece inclinada a fazer carreira no melodrama. “Três Vezes 20 Anos” é isso mesmo, o retrato de um casal burguês chegado aos sessenta anos (William Hurt e Isabella Rossellini, ambos em forma), com três filhos, um círculo de amigos e uma vida de conforto, mas confrontado com o inevitável: “Que fazer agora?”. O filme sugere que a melhor fórmula para o envelhecimento é, simplesmente, prosseguir, e viver – ou seja, não existem fórmulas definitivas. Há um charme inegável, e um equilíbrio correcto entre sobriedade e humor. Mas falta uma chama que ilumine as personagens e os espectadores numa direcção diferente. E depois dos sessenta, imagino que essa chama é mais necessária do que nunca: digam o que disserem, envelhecer é lixado.
Publicado na revista “Sábado”
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