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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Uma do Bôscoli

Por Túlio Villaça

A capa do Segundo Caderno do Globo, semana passada, foi sobre o lançamento do livro A Bossa do Lobo – Ronaldo Bôscoli, de Denilson Monteiro. O livro trata, naturalmente, muito da personalidade provocadora e maledicente dele, mas também – e não podia deixar de ser – das enormes contribuições dele como compositor – com Carlos Lyra, entre outros – e produtor – ao lado de Luiz Carlos Miele, aliás um personagem à altura dele. Mas o que quero destacar aqui é uma pequena historia em particular que a reportagem do Luiz Fernando Vianna conta, que me espantou por ser tão decisiva no desenvolvimento da música brasileira. Transcrevo o trecho da matéria:
O outro aspecto é o do produtor com grande conhecimento do que fazia. Miele conta que estava presente no dia em que Bôscoli disse a Elis Regina que ela estava ensinando o Brasil a cantar errado, pois músicas como “Upa, neguinho”, “Menino das laranjas” e “Reza” eram tristes, não podiam ser interpretadas com a alegria que Elis esbanjava.
— Elis jogou uns vasos em cima dele, como de costume, disse que ele era um imbecil, mas no dia seguinte me ligou e falou: “Você sabe que o desgraçado está certo?”. Naquele dia, ela começou a se transformar na maior intérprete da música brasileira. Ronaldo precisa ter esse papel também reconhecido — diz Miele.
E basta isso para se ter noção da importância desta consciência que a Elis tomou em relação à interpretação, uma mudança de postura que influenciou decisivamente quase todo intérprete que surgiu nas décadas seguintes. Há cantores que cantam o prazer de cantar ou a beleza da canção, seja qual for ela, e outros que cantam a própria canção. Alguns parecem ter sempre o mesmo subtexto para tudo que escolhem cantar: veja como é bonita esta canção! Outros partem do princípio de que conseguirão chamar a atenção do ouvinte para esta beleza assumindo o texto (não apenas da letra, mas também musical) da canção para si, e desta forma, o realce da beleza da canção continua se dando, só que um nível abaixo na compreensão. A frase veja como é bonita esta canção! continua a soar, mas não de maneira imediata, e sim subliminar, digamos assim.
Esta discussão semiótica pode parecer um tanto irrelevante aos desavisados? Então vejamos na prática – lembrando que são duas canções de feição bem diferente entre si. Como Elis faria uma interpretação triste de Upa, Neguinho? Tenho certeza de que nos surpreenderia. Obrigado ao Bôscoli por lhe ter aberto os olhos.
Upa, neguinho – de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri

Caça à raposa – de João Bosco e Aldir Blanc

E, para que se tenha uma idéia de como Upa, Neguinho pode ficar, a gravação de Caetano Veloso para o álbum Edu Lobo SongBook.

 

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