Chegou a hora da Comissão. Já a da Verdade...
Seis meses após a sanção da Lei 12.528/11, a Presidência da República finalmente anunciou os membros da Comissão Nacional da Verdade. São eles: os juristas José Carlos Dias, Gilson Dipp, José Paulo Cavalcanti Filho, Rosa Maria Cardoso da Cunha e Cláudio Fonteles; o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro e a psicanalista Maria Rita Kehl.
Ao menos dois destes nomes são declaradamente contra a revisão da Lei de Anistia: Dias e Dipp. Dipp, inclusive, foi testemunha do Estado Brasileiro no julgamento do Caso Araguaia, que terminou com a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Há de se ressaltar também as recorrentes declarações de alguns membros da Comissão (notadamente, Dipp e Dias), de que um dos principais objetivos da mesma será investigar os crimes "de ambos os lados".
Ora, a argumentação que sustenta a ideia da necessidade de que "ambos os lados" sejam investigados esquece-se de um fato de suma importância: como observa o jornalista Paulo Moreira Leite, "os atos – violentos ou não, legítimos ou não — cometidos pelos adversários do regime militar foram apurados, avaliados e punidos em seu devido tempo, como demonstram as 7.367 denuncias apresentadas à Justiça Militar entre 1964 e 1979." Em compensação, quantos militares que, com dinheiro público e em nome do Estado, sequestraram, assassinaram, torturaram e estupraram militantes contrários à ditadura-civil militar foram punidos ou ao menos responsabilizados por tais atos? O que vemos é justamente o contrário: processos judiciais tanto na esfera criminal como na cível sendo arquivados e extintos por juízes que se valem da lei 6683/79 (Lei de Anistia) e do entendimento acordado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2010. Mesmo após a sentença da CIDH, o quadro geral permanece inalterado.
Ainda que a Comissão não tenha, por lei, poderes persecutórios (ou sequer poderes de enviar ao Ministério Público os resultados de suas investigações, pois a legislação fala na necessidade da "reconciliação nacional", e o entendimento do STF sobre a Lei de Anistia assim determina), uma composição mais progressista garantiria resultados mais eficazes no âmbito do direito à Memória e à Verdade. Entretanto, é preciso ter em mente que, mesmo que a composição fosse a mais progressista possível, dificilmente veríamos avanços significativos decorrentes da instauração da Comissão da Verdade.
Primeiramente, há a questão da Lei de Anistia. Como reconhecem os movimentos de direitos humanos e de parentes de mortos e desaparecidos da ditadura, não há que se falar em Memória e Verdade sem Justiça. São elementos indissociáveis. Para que não se repita o passado, devemos conhecê-lo. E, mais do que isso, é imprescindível que se proceda com a responsabilização dos agentes do Estado que perpetraram violações de direitos humanos: estudos comprovam que os países que o fizeram têm hoje taxas de violência institucional menores que aqueles que optaram pelo caminho da "reconciliação nacional". Para além da imperante lógica do esquecimento, devemos abandonar a nefasta lógica da impunidade.
Concomitantemente, há elementos da própria Comissão da Verdade que a tornam, desde já, insuscetível de sucesso. Por exemplo, os (poucos) membros da comissão terão um exíguo espaço de tempo para investigar um período histórico demasiadamente longo: são sete indivíduos com um prazo de dois anos para investigar quarenta e dois anos da história brasileira. Nesse sentido, é importante lembrar a estratégia adotada pelos setores conservadores (do governo e da sociedade) para tirar o foco da comissão do período ditatorial, ao colocar como ano inicial de investigação 1946 e, como ano final, 1988. A isso se deve acrescentar o fato de que a Comissão da Verdade, por lei, não possuirá autonomia plena, o que em muito limita e dificulta os trabalhos dos comissionados.
Tendo em vista o que acima foi abordado, pode-se concluir, com imensas chances de acerto, que está Comissão da Verdade instaurada pela presidenta Dilma Rousseff não logrará êxito em atingir aquele que é (ou deveria ser), ao menos no papel, o seu objetivo central, qual seja, a garantia do direito à Memória e à Verdade não só de vítimas e parentes de vítimas do regime de 1964, mas de toda a sociedade brasileira. Não é necessário que se diga que, em relação ao também elementar direito à Justiça, a Comissão Nacional da Verdade brasileira servirá para manter um danoso status quo que até hoje traz trágicas consequências para o país, em especial para os estratos mais pobres da população.
Trata-se de uma Comissão que foi pensada para não funcionar e, nesse sentido, já nasceu castrada. E não funcionará. O que não significa que a sociedade não deva se mobilizar e pressionar. É de extrema importância que haja forte pressão sobre os membros da Comissão para que façam um trabalho minimamente aceitável, dentro das circunstâncias desfavoráveis. Ademais, os recentes esforços do Ministério Público para levar ao banco dos réus agentes ditatoriais violadores de direitos humanos devem ser apoiados de maneira enfática, bem como devem ser pressionados tanto o STF quanto o Governo Federal para que procedam – ou ao menos não coloquem entraves – com a necessária revisão da Lei de Anistia.
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/27175-chegou-a-hora-da-comissão-já-a-da-verdade.html
Ora, a argumentação que sustenta a ideia da necessidade de que "ambos os lados" sejam investigados esquece-se de um fato de suma importância: como observa o jornalista Paulo Moreira Leite, "os atos – violentos ou não, legítimos ou não — cometidos pelos adversários do regime militar foram apurados, avaliados e punidos em seu devido tempo, como demonstram as 7.367 denuncias apresentadas à Justiça Militar entre 1964 e 1979." Em compensação, quantos militares que, com dinheiro público e em nome do Estado, sequestraram, assassinaram, torturaram e estupraram militantes contrários à ditadura-civil militar foram punidos ou ao menos responsabilizados por tais atos? O que vemos é justamente o contrário: processos judiciais tanto na esfera criminal como na cível sendo arquivados e extintos por juízes que se valem da lei 6683/79 (Lei de Anistia) e do entendimento acordado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2010. Mesmo após a sentença da CIDH, o quadro geral permanece inalterado.
Ainda que a Comissão não tenha, por lei, poderes persecutórios (ou sequer poderes de enviar ao Ministério Público os resultados de suas investigações, pois a legislação fala na necessidade da "reconciliação nacional", e o entendimento do STF sobre a Lei de Anistia assim determina), uma composição mais progressista garantiria resultados mais eficazes no âmbito do direito à Memória e à Verdade. Entretanto, é preciso ter em mente que, mesmo que a composição fosse a mais progressista possível, dificilmente veríamos avanços significativos decorrentes da instauração da Comissão da Verdade.
Primeiramente, há a questão da Lei de Anistia. Como reconhecem os movimentos de direitos humanos e de parentes de mortos e desaparecidos da ditadura, não há que se falar em Memória e Verdade sem Justiça. São elementos indissociáveis. Para que não se repita o passado, devemos conhecê-lo. E, mais do que isso, é imprescindível que se proceda com a responsabilização dos agentes do Estado que perpetraram violações de direitos humanos: estudos comprovam que os países que o fizeram têm hoje taxas de violência institucional menores que aqueles que optaram pelo caminho da "reconciliação nacional". Para além da imperante lógica do esquecimento, devemos abandonar a nefasta lógica da impunidade.
Concomitantemente, há elementos da própria Comissão da Verdade que a tornam, desde já, insuscetível de sucesso. Por exemplo, os (poucos) membros da comissão terão um exíguo espaço de tempo para investigar um período histórico demasiadamente longo: são sete indivíduos com um prazo de dois anos para investigar quarenta e dois anos da história brasileira. Nesse sentido, é importante lembrar a estratégia adotada pelos setores conservadores (do governo e da sociedade) para tirar o foco da comissão do período ditatorial, ao colocar como ano inicial de investigação 1946 e, como ano final, 1988. A isso se deve acrescentar o fato de que a Comissão da Verdade, por lei, não possuirá autonomia plena, o que em muito limita e dificulta os trabalhos dos comissionados.
Tendo em vista o que acima foi abordado, pode-se concluir, com imensas chances de acerto, que está Comissão da Verdade instaurada pela presidenta Dilma Rousseff não logrará êxito em atingir aquele que é (ou deveria ser), ao menos no papel, o seu objetivo central, qual seja, a garantia do direito à Memória e à Verdade não só de vítimas e parentes de vítimas do regime de 1964, mas de toda a sociedade brasileira. Não é necessário que se diga que, em relação ao também elementar direito à Justiça, a Comissão Nacional da Verdade brasileira servirá para manter um danoso status quo que até hoje traz trágicas consequências para o país, em especial para os estratos mais pobres da população.
Trata-se de uma Comissão que foi pensada para não funcionar e, nesse sentido, já nasceu castrada. E não funcionará. O que não significa que a sociedade não deva se mobilizar e pressionar. É de extrema importância que haja forte pressão sobre os membros da Comissão para que façam um trabalho minimamente aceitável, dentro das circunstâncias desfavoráveis. Ademais, os recentes esforços do Ministério Público para levar ao banco dos réus agentes ditatoriais violadores de direitos humanos devem ser apoiados de maneira enfática, bem como devem ser pressionados tanto o STF quanto o Governo Federal para que procedam – ou ao menos não coloquem entraves – com a necessária revisão da Lei de Anistia.
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/27175-chegou-a-hora-da-comissão-já-a-da-verdade.html
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