Há 50 meses a bolha imobiliária rebentou. Os grandes bancos centrais primeiro pensaram que era como os rebentamentos de outras bolhas e que podia resolver-se injectando liquidez nos mercados financeiros. Após as generosas injecções foi ficando claro que desta vez tratava-se de um problema maior, associado ao funcionamento do sector financeiro. Na realidade, o que rebentou foi a forma de funcionamento dos bancos, tanto comerciais como de investimento, juntamente com um novo sistema financeiro, a banca na sombra, que surgiu para operar à margem de uma regulação já por si lassa. Em poucos meses a recessão generalizou-se nas grandes economias, com impacto nas emergentes.
Praticamente, todos os governos do mundo entenderam que era indispensável tomar medidas para deter a recessão. Além disso, entenderam que as intervenções fiscais tinham que ser coordenadas mundialmente. O G-20 concordou com substanciais planos fiscais destinados a reverter o momento recessivo da crise. Houve programas de resgate das empresas bancárias, nos quais se utilizaram recursos públicos para salvar interesses privados. A imperante onda privatizadora neoliberal, vigente apesar da crise, impediu que os governos exigissem que os bancos resgatados passassem para o controlo governamental. Assim, os grandes bancos conseguiram subsistir como negócios privados.
Dois anos depois do Agosto negro de 2007, as economias desenvolvidas superaram a recessão graças aos programas fiscais e monetários aplicados. Pouco a pouco, o resto das economias do mundo foram tendo resultados positivos na produção, sem que se apresentassem problemas significativos nos preços. O FMI advertiu que era preciso manter os estímulos fiscais, enquanto não se consolidasse a recuperação. Apesar destes apelos, os bancos europeus exigiram que os países sobre-endividados garantissem o cumprimento das suas obrigações de crédito. A Grécia, primeiro, e depois a Irlanda e Portugal, tiveram que ser resgatados pela União Europeia para assegurar que garantiam os seus pagamentos aos bancos credores. Em troca, tiveram que reduzir drasticamente as despesas sociais.
Ao longo de 2010 na Europa, foi impondo-se como prioridade reduzir o défice fiscal e a dívida pública. Os mercados, isto é, os grandes investidores globais, ajudados pelas agências de rating, impuseram-se aos governos. Esta decisão política afectou o crescimento económico e a população, que tinha sido protegida dos impactos da crise com a cobertura estatal. A austeridade fiscal e as privatizações procuravam abrir espaço orçamental para cumprir com as exigências dos bancos credores. O projecto social europeu, inclusivo e solidário, foi perdendo a sua definição, convertendo-se em desigual e concentrador.
Protegeram-se os bancos e os seus donos com os recursos que antes se destinavam à população mais atingida. Os bancos europeus, no entanto, fortemente comprometidos com as dívidas soberanas exigiram maiores juros, dificultando o cumprimento dos programas de contenção fiscal. Em Janeiro de 2011, os problemas tinham-se agravado. A recuperação económica não se consolidou, de modo que a nova prioridade reduziu substancialmente o crescimento, complicando o cumprimento das metas fiscais.
Os problemas da zona euro ampliaram-se, abarcando a Espanha e a Itália, o que questionou a viabilidade da moeda única. O eixo franco-alemão foi respondendo com lentidão à crise da dívida soberana, contribuindo com isso para o incremento das dificuldades. A segunda volta do resgate grego, aprovada há meses pelos governos e ainda pendente da aprovação parlamentar em alguns países, demonstrou que as dificuldades não foram resolvidas e que é indispensável reestruturar essa dívida, reconhecendo perdas bancárias. Ainda que seja possível que o projecto social europeu subsista, isso não ocorrerá com estes governantes.
Artigo de Orlando Delgado Selley, professor de economia da Universidade Autónoma da Cidade do México, publicado no jornal mexicano La Jornada, traduzido para português por Carlos Santos para esquerda.net
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