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sábado, 4 de fevereiro de 2012

das leituras dos tempos que correm, sobre o amor



- Não! É inútil evitares-me.
- Eu não te evito, Carlo!
- Evitas-me! E, no entanto, temos de falar , como antes quiseste falar tanto, em vez de me amares como eu te amava.
- E como devia eu amar-te, Carlo? Em silêncio, deixando-me adorar como uma estátua?
- Mas o amor é mistério, silêncio. Em silêncio eu venerava-te. Bastava-me olhar para ti para ser feliz dias a fio. Não precisava de falar. O amor é um milagre e, como tal…
- O amor não é um milagre, Carlo, é uma arte, um ofício, um exercício da mente e dos sentidos como outro qualquer. Como tocar um instrumento, dançar, fabricar uma mesa.
- Tu queres dizer o sexo.
- E não é amor, o sexo? O amor e o sexo são filhos um do outro. O que é o amor sem sexo? Uma veneração de estátuas, de Virgens. O que é o sexo sem o amor? Apenas uma batalha de orgãos genitais.
- Mas então tu negas a substância imaterial do amor? Negas a sua espontaneidade e o facto de ser mais autêntico, puro, milagroso, quanto mais nascer espontâneo.

(Goliarda Sapienza, A Arte da Alegria)



“a arte da alegria” arrancou-me às leituras moribundas do último mês e deixou-me completamente viciada. é terrível. estou a ler e penso “não acredito que isto vai acontecer” e não é que acontece mesmo?
no centro da trama temos Modesta que consegue escapar a uma vida de miséria e tornar-se uma “princesa”. pelo caminho mata e casa-se com um príncipe autista que viveu metade da sua vida encerrado num quarto. e isto é só o princípio… o romance é atravessado por uma sensualidade extrema – Modesta vive a sua sexualidade sem qualquer tipo de constrangimentos. assistimos à vida de Modesta desde o seu nascimento e com ela acompanhamos as revoluções políticas que têm lugar na primeira metade do século XX, numa Sicília atravessada pela emergência do socialismo e do anarquismo, pela ascensão do fascismo e pelos movimentos feministas e de libertação sexual.
Goliarda Sapienza demorou 10 anos a escrever este romance que só acabaria por ser publicado 6 meses após a sua morte, em 1966. Tem um lugar cativo na literatura italiana do século XX.

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