Esta terça-feira (31) fez exatamente uma semana que o cartunista Laerte Coutinho, 60 anos, foi repreendido por usar o banheiro feminino na Real Pizzaria e Lanchonete, em São Paulo. Bissexual assumido, Laerte se veste de mulher há três anos e já tinha usado o banheiro feminino da lanchonete antes. Mas, diante da queixa de uma cliente que não gostou de vê-lo saindo do mesmo toalete onde estava sua filha pré-adolescente, acabou ouvindo do gerente da casa que seria melhor se “ele usasse o outro banheiro”.
Conheço o cartunista desde menina. Fomos vizinhos durante anos, numa vila em Pinheiros, e eu costumava andar de skate e bicicleta com dois de seus filhos. Sei que ele não tem medo de polêmica. Aliás, assim como eu, acho que até gosta de uma. Mas – mesmo acreditando que cada um deveria ter o direito de fazer o que quiser no banheiro que quiser – estranhei quando li nos jornais que Laerte ia processar o estabelecimento e organizar um banheiraço (versão toalete do beijaço que militantes GLTB fizeram há alguns anos no Shopping Frei Caneca).
Será que o de fato de um homem se vestir de mulher o outorga o direito de usar o toalete feminino? E eu? Se me vestir de homem posso frequentar o banheiro masculino? Fiquei com isso na cabeça o fim de semana todo. Discuti com o lado mais moralista (e com o mais libertário também) da minha família e não cheguei a nenhuma conclusão. Então, resolvi ligar para o Laerte e fazer a pergunta para ele. A resposta foi:
“Se você, Marina, colocar um terno, não vai cruzar a linha do transgênero. Vai continuar sendo uma mulher, só que vestida de homem. Eu não. Sou transgênero, cruzei a linha da identidade de gênero, e gênero não é só genitália. É mais amplo, fala de toda uma identidade sexual. Por isso tenho de usar o banheiro do outro sexo”.
Entendi o argumento. Mas ainda me parecia absurdo que ele processasse a Real, que frequenta há anos , só por causa disso. É mais lógico que as pessoas achem estranho Laerte usar o banheiro feminino, do que ele, que é um cara moderno, de cabeça aberta, se espantar com a reação das pessoas.
“Não vou processar, mas vou parar de freqüentar”, disse o cartunista. “Levei o caso à Secretaria da Justiça do Estado porque a lanchonete feriu a lei estadual 10.948/2001, sobre discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Os proprietários vão ser chamados para uma conversa ou medida sócio-educativa, nada além disso”, afirmou.
Para mim, continuava sendo exagero. Mas Laerte me mostrou um outro ângulo da polêmica: “Você já pensou que esta senhora que ficou incomodada comigo na verdade estava usando a filha como laranja do próprio preconceito? No mundo normal, homem vai em banheiro de homem e mulher em banheiro de mulher. Ela que não aguentou que eu quebrasse essa lógica e transferiu isso para a filha. A menina nem sabia que eu era homem. Deve ter pensado que eu era uma senhora qualquer. Ou, no máximo, a Iriny (Lopes, ministra da Secretaria Especial de Direitos para Mulheres, com quem o cartunista foi comparado por sites de humor)”, disse ele, rindo.
A parte menos engraçada da piada, e que me fez sentar para escrever esse post, é que o cartunista chegou a ser ameaçado por internautas em seu site, o Muriel Total, e em seu perfil no Twitter. “Teve gente dizendo que ia me cobrir de porrada”, afirmou Laerte. “Alguns ataques chegam a dar medo de verdade”. Será que não é hora de pensarmos sobre a real utilidade das plaquinhas que separam homens e mulheres no banheiros de bares, teatros, restaurantes e cinemas?
Que riscos reais um crossdresser oferece ao frequentar o banheiro do sexo oposto? Saber que na cabine ao lado da sua tem uma lésbica, um trans ou um bissexual faz alguma diferença? De verdade, gostaria muito da opinião de vocês sobre isso.
Por Marina Caruso
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