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segunda-feira, 9 de abril de 2012

LIBERDADE NA FOLIA [UM LOUVOR AO PODER FEMININO]

quinta-feira, 8 de março de 2012




As brasileiras dançam no Baião. Negras senhoras, donas do segredo da ancestralidade, zeladoras do tempo e da tradição de Massinoukou Alapong, sacerdotisa da Costa do Ouro que chegou ao Brasil, no porão de algum tumbeiro, em meados do século XIX. Massinokou Alapong, que adotou entre nós o nome de Basília Sofia, ajudou a civilizar esse chão ao fincar em São Luís do Maranhão os batuques, cantos, danças e mandingas do seu povo.

As negras dançam. Negras senhoras que continuam fazendo, na Casa Fanti Ashanti, a festa que Alapong ensinou: o Baião de Princesas. Saias coloridas, leques, colares de contas, sandálias, adornos de cambraia e cheiros de alfazemas vestem de dignidade e realeza as sacerdotisas que, com a leveza do mistério, entregam seus corpos-totens para que as encantadas venham, uma vez por ano, dançar entre os viventes. E como dançam as encantadas, e como rodopiam e revigoram a vida - pois que a morte não há - em cada rodopiar.

E que toquem as violas, violinos, sanfonas e pandeiros no batuque do Baião. Foi esse o jeito que Alapong encontrou para despistar a polícia, que não queria festas com cantos acompanhados pelos tambores das Áfricas. Foi esse o jeito que Alapong, a negra velha Basília, inventou para chamar as passeadoras - encantadas em pedra de rio, areia de praia, flor de manacá-cheiroso, tronco de jeretataca, croa, olho de serpente, jetirana e primavera-de-caiena.

Homem não dança no Baião de Princesas. É a festa do poder feminino - o maior que há - , é a celebração em canto e sonho do domínio matriarcal da ancestralidade, perpetuada em sensações dadivosas que nós, os homens, somos incapazes de conceber. É por isso que só as mulheres dançam quando o forrobodó começa.

Mas o Baião é mais do que isso. É a celebração da dignidade fundamental de empregadas domésticas, cortadoras de cana, donas de casa, feirantes, cozinheiras, vendedoras de cheiros da terra, merendeiras, faxineiras e guerrilheiras de um Brasil que, às vezes, insiste em ignorar o Brasil. São elas, essas brasileiras fundamentais, que rodopiam no salão embandeirado de brasilidades.

E eu ouço o Baião e fico pensando nos pais de famílias de classe média e alta que sonham em mandar as filhas e filhos adolescentes para estudar na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e nos infernos. A explicação é simples: as garotas vão conhecer outras culturas, com o objetivo de aprender novas línguas. Sem problemas, mas... e a nossa língua, quando é que os filhos dos bacanas vão aprender? E a nossa cultura? E o nosso canto, o cheiro da aldeia, a memória dos nossos mortos, a bandeira das nossas guerras e a dignidade das mães ancestrais? Quem ensinará?

Um dos cantos mais bonitos do ritual do Baião diz, com singeleza comovente e falar brasileiro, o seguinte:

O meu pai me deu um livro
Que eu estudava noite e dia
Pra mim fazer o dever
Pra ser livre na folia

É esse, meus camaradas, o mantra das delicadezas do Brasil, canto do povo miudinho, povo valente de mulheres e homens comuns. O Brasil que me comove, arrebata e serpenteia feito as saias das negras velhas do Baião de Princesas.

Saias e alfaias de negras velhas onde dançam, encantadas, Dandara, Luísa Mahim, Maria Quitéria, Menininha, Mãe Senhora, Aninha de Xangô, Iara, Elenira, Zuzu, Ana Maria e as marias todas desse povo inteiro.

Esse é o livro que precisa ser lido, o presente dos ancestrais, tradição dos avós, lição dos tumbeiros, aldeias e portas de fábricas - porque nós estamos aqui para dançar, cantar, reverenciar e lutar feito as malungas que cruzaram a calunga grande.

Nós nascemos, e nossas mulheres nos ensinam, para a liberdade na folia e para os encantamentos em raiz da terra no calor da luta.

Abraços!
LUIZ ANTONIO SIMAS

(Os interessados nas canções do baião podem encontrar várias delas reunidas, com arranjos primorosos, nos trabalhos do grupo A Barca. Indico, sobretudo, o cd Baião de Princesas, lançado pela gravadora CPC-UMES)

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