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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

RECOMEÇAR



Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII



terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Tem um galo cantando lá longe

Canção das coisas que dormem lá fora e acordam aqui dentro

Tem um galo cantando lá longe. Ele canta baixinho, tranquilo, seu canto de quem agradece a Deus pelo céu azul imenso de nuvens brancas varridas que vem aí, sob o sol alaranjado da alegria, esquentando o vento que varre das casas as angústias de ontem, que seca as roupas e renova a vida.
Tem um galo cantando. Ele canta lindo, profundo, comovido, para a mulher que em algum lugar dança sozinha de olhos fechados, pés descalços, mãos abertas e coração transbordando música e lembranças. Canta para as crianças que pulam da cama e enchem a casa de vida. Para quem faz bem o seu trabalho honesto, seja ele qual for. Canta para as pessoas esforçadas, as moças que tomam sorvete enquanto caminham com pressa na volta à lida depois do almoço.
Lá longe, um galo canta para o perfume da chuva esfriando o solo que arde de tristezas concretas e sentimentos ralos como a poeira de terra seca e pele morta. E ele canta para aquela espécie rara de gente que devolve o troco quando vem a mais.
Enquanto ele canta, um cachorro deita aos pés de seu dono triste e um gato errante, arruaceiro e andarilho retorna de seu longo e costumeiro passeio noturno para a companhia de seu amigo gente que o espera amoroso e solitário.
Tem um galo cantando lá longe seu canto perfeito e brutal. Ele canta para aqueles que, mesmo no fim do amor, continuam se amando tanto e tão sinceramente a ponto de rezar pela felicidade do outro em qualquer tempo, em quaisquer braços. O galo canta forte como a lembrança do cheiro simples de uma mangueira jorrando água e saudade no corredor de cimento do quintal pequeno, numa quarta-feira à tarde, quando até o sol cochila de amor na sesta e esquece de ir embora.
Canta para o campo enorme de futebol que o menino imagina em seu coração gigante no terreno de terra e pedra, as traves de chinelo, a bola puída passando entre as pernas de adversários invisíveis, sob os gritos da torcida que não existe. O galo canta para os homens e as mulheres de meia idade que voltam à escola depois de anos caminhando longe dos livros, os olhos cheios de medo e curiosidade, a alma aberta, repleta, ansiosa. E ele canta para a potência grandiosa da vida que nasce irrefreável em todos os cantos, a toda hora.
Tem um galo cantando lá fora. Ele canta para as mães e suas mães que também tiveram mães, nascidas de outras mães, com quem aprenderam a arrumar a casa como quem dá jeito no mundo, corrigindo todo erro com um amor irrefreável que se perpetua e continua e nos salva e nos censura e nos redime de nossas faltas. Canta para os pais que caminham ao lado de suas crianças, as mãos dadas com o cuidado de quem acompanha a última chance de salvar um mundo padecido e ameaçado pela falta de graça, a burrice, a maldade e o mal gosto.
Para quem acredita no poder das surpresas afetuosas o galo também canta. Ele canta alto para as pessoas que olham as outras com ternura, que adotam crianças, cachorros e novas posturas. Canta para os amigos que emprestam seus livros por gosto. E para aqueles que devolvem os livros emprestados, seja por cuidado, respeito ou pela mais simples vergonha na cara.
Incansável e destemido, o galo canta para os amigos que se reencontram muitos anos depois e ainda se reconhecem meninos, apesar do tempo e das rugas, no olhar de quem já tanto caminhou e ainda há de caminhar. Canta para a saudade doída que brota nas músicas de ontem, nos filmes revistos, em fotografias resgatadas. Canta para acordar a cidade deitada sob o céu que agora amanhece da noite salpicada de estrelas, como asteriscos apontando no quadro negro lembranças, recados, significados ocultos e escancaradas palavras de amor para Deus sabe quem.
E acima de tudo, ele canta para uma alma solitária no silêncio de sua alcova sonhando com a compreensão. Ela que tantos esperam receber e tão poucos se dispõem a dar. Ela que alguém diz ainda existir por aí, bela e inverossímil como a moça nativa de uma ilha distante que faz doces para melhorar a vida. Tão boa e tão linda. Tão linda.
Tem um galo cantando bem perto. Ouviu? Tem um galo cantando. Ele está cantando para mim e para você. Está cantando para nós e para os nossos. Ele está cantando aqui dentro. Ele está cantando para sempre.



http://www.revistabula.com/1718-cancao-das-coisas-que-dormem-la-fora-e-acordam-aqui-dentro/

sábado, 21 de dezembro de 2013

Happy Holidays!!! Felizes Festas!!!







Desejo à todos paz, amor, saúde, felicidade, hoje e sempre!!!


Wishing to all peace, love, health, happiness, today and always!!!


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Mais Simples - Zizi Possi -






Mais Simples

Zizi Possi

É sobre-humano amar
'cê sabe muito bem
É sobre-humano amar, sentir,
Doer, gozar
Ser feliz
Vê que sou eu quem te diz
Não fique triste assim
É soberano e está em ti querer até
Muito mais
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples?
Mas deixa tudo e me chama
Eu gosto de te ter
Como se já não fosse a coisa mais humana
Esquecer
É sobre-humano viver
E como não seria
Sinto que fiz esta canção em parceria
Com você
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples?

Curtindo adoidado





A vida e as tentações de Keith Richards

por David Remnick


Em 1973, os editores do New Musical Express puseram Keith Richards, principal guitarrista e alma musical dos Rolling Stones, no topo de sua lista anual de “estrelas do rock com maior probabilidade de morrer” naquele ano. Mesmo para um roqueiro, Richards consumia quantidades hercúleas de heroína, cocaína, mescalina, LSD, peiote, Mandrax, Tuinal, maconha, bourbon e demais refrescos, e todos os observadores achavam que ele estava com os dias contados. Àquela altura, a lista de baixas do rock era longa e agourenta: Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin eram apenas os nomes mais célebres a encabeçar o obituário. Em 1969, Richards e seus colegas dos Stones haviam perdido Brian Jones, que se afogara numa piscina poucas semanas depois de ser demitido da banda. Em vez de preservar sua mortalidade, Richards preferia exibi-la de forma acintosa. Registrou para a posteridade seu quase constante torpor dando livre acesso a Robert Frank, Annie Leibovitz e outros fotógrafos, que o captaram nos camarins ou em quartos de hotel, seminu e completamente doidão. Ao ver aquelas imagens de Richards, largado, chapado e leso, imaginava-se que era uma questão de dias para que a imprensa anunciasse que ele havia morrido sufocado em seu próprio vômito.

Na realidade, Richards foi em frente, tropeçando pelos concertos numa névoa narcótica, dormindo durante os ensaios, sempre à beira do olvido e, mesmo assim, produzindo junto com Mick Jagger parte da música pop mais memorável da época. Entre 1968 e 1972, os Stones gravaram Beggars Banquet, Let it Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main St., a essência do repertório deles. Continuaram a tocar essas músicas por tanto tempo quanto Sinatra cantou Love and Marriage. A peculiaridade dos Stones se devia menos aos vocais de Jagger do que à capacidade de Richards de absorver o estilo blues das guitarras de Chuck Berry e Jimmy Reed, criando algo novo. Havia músicos muito mais técnicos, solistas muito melhores, mas a noção de ritmo e de riff dele, o seu bom gosto, seus acordes sustentados e espaços abertos marcaram o som dos Stones. E, ao longo de tudo isso, a Indesejada não conseguiu entrar no camarim. Depois de deixar Keith Richards no topo da lista de seu observatório da morte por dez anos, o New Musical Express finalmente jogou a toalha e admitiu que ele era imortal.

Faz trinta anos que os Stones não compõem uma canção importante, mas eles sobreviveram quatro décadas além dos seus grandes contemporâneos, os Beatles. E mesmo que a originalidade deles tenha se esvaído, suas máquinas empresarial e de produção de espetáculos foram afinadas à perfeição. Desde 1989, os Stones arrecadaram mais de 2 bilhões de dólares em receita bruta, ajudados por acordos de patrocínio com Microsoft, Anheuser-Busch e E*Trade. As firmas Promotour, Promopub, Promotone e Musidor – todas com sede na Holanda por motivos fiscais – cuidam dos vários ramos das atividades empresariais dos Stones. Tudo é supervisionado por equipes de contadores, advogados de imigração, especialistas em segurança e, até muito recentemente, um aristocrático consultor de negócios chamado príncipe Rupert zu Loewenstein-Wertheim-Freudenberg. Mesmo nos anos sem excursões ou discos, os Stones dão um jeito de ganhar algum. Licenciaram Start Me Up para a Microsoft, quando a companhia lançou o Windows 95, e She’s a Rainbow para a Apple, quando uma linha de iMacs precisou de promoção. De acordo com a Fortune, os Stones estão por trás da comercialização de cerca de cinquenta produtos, inclusive roupas de baixo vendidas pela cadeia de lingerie Agent Provocateur. A logomarca deles – uma linguona lasciva para fora de uma boca que sorri – é tão reconhecível na paisagem dos negócios quanto os arcos dourados do McDonald’s.

“Essa coisa de negócios depende muito das leis fiscais”, Keith Richards contou à Fortune. “É por isso que ensaiamos no Canadá e não nos Estados Unidos. Muitas das nossas manobras espertas têm a ver fundamentalmente com a natureza das leis fiscais: aonde ir, onde não pôr nosso dinheiro. Botar debaixo do colchão ou não. Saímos da Inglaterra porque pagaríamos 98 centavos por cada dólar ganho. Fomos embora e eles é que perderam. Não vão receber um tostão de impostos. Não quero ferrar ninguém, muito menos os governos com quem trabalho. Deixamos 30% numa conta parada até resolver tudo.” Keith pode imaginar que é um símbolo de 68, mas emprega a política fiscal do mais radical dos conservadores.

No último tour que fizeram, entre 2005 e 2007, os Stones faturaram mais de meio bilhão de dólares – foi a mais lucrativa excursão da história. Na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, tocaram para mais de 1 milhão de pessoas. Poucos espetáculos da vida moderna são tão sublimemente ridículos quanto os integrantes geriátricos dos Stones tocando os acordes iniciais de Street Fighting Man. A plateia costuma ficar lotada de fãs de meia-idade que, ao sair do escritório, vestiram um jeans largão, deixaram as crianças com a babá e desembolsaram 200 ou 300 dólares para rebolar junto com Mick Jagger. Este, por sua vez, tendo treinado para as excursões como se fosse uma final de campeonato, saracoteia sem parar durante as duas horas de show; nos melhores momentos, lembra um epígono de James Brown; nos piores, a tia bêbada decidida a estragar o casamento da irmã mais bonita com uma performance patética na pista de dança. Desde 1975, “a excursão do pau inflável gigante”, como gosta de dizer Richards, os Stones tentam se superar com lances espetaculares. Às vezes, vão longe demais. “Teve aquela coisa de pôr elefantes no palco em Memphis”, diz Richards, “mas eles destruíram as rampas e cagaram o palco todo nos ensaios. A ideia não foi pra frente.” Noves fora os micos, o que acabamos por admirar é a improvável persistência dos Stones, uma entidade de quase meio século, que, aos trancos e barrancos, segue cômica e persistentemente adiante. Os rapazes estão chegando perto dos 70 anos. Enrugados, tingidos e esqueléticos, eles trovejam um repertório que a esta altura é tão augusto e imutável quanto as Variações Diabelli, de Beethoven. “De vez em quando, você olha para os próprios pés e pensa ‘é a mesma merda de sempre todas as noites’”, disse Richards. No entanto, ele continua a tocar e as multidões continuam pagando, relutantes em abandonar o último elo com seus anos dourados.

O mais novo artefato da longevidade da banda é a animada autobiografia de Keith Richards, cujo título desafiador é simplesmente Vida, lançada no Brasil pela editora Globo. Parte livro, parte extensão da marca, trata-se de um monólogo divertido e divagante, uma viagem leve pela vida de um homem que conheceu todos os prazeres, se permitiu tudo e nunca pagou o preço. “Você talvez não consiga sempre o que quer”, canta Jagger em You Can’t Always Get What You Want. Mas essa regra não se aplica a Keith.

Uma advertência óbvia: as memórias de um homem cuja memória está enevoada por incontáveis anos de obliteração narcótica são memórias de um gênero bem particular. Em 1978, quando lhe perguntaram por que os Stones haviam chamado seu último disco de Some Girls, Richards respondeu: “Porque a gente não se lembrava do nome de nenhuma delas.” Não obstante, a editora americana Little, Brown pagou 7 milhões de dólares a Richards para produzir o livro. Ele, por sua vez, escolheu um ghost-writer de talento – James Fox, o autor de White Mischief, uma história bem contada do assassinato de Josslyn Hay, o 22º conde de Erroll, um dos muitos expatriados dissolutos que viveram em Happy Valley, nos arredores de Nairóbi, no Quênia. Para Fox, escrever sobre as drogas, as aventuras sexuais e o tédio requintado de Happy Valley foi uma boa preparação paraVida.

Richards e Fox sabem por que o leitor desembolsou o dinheiro do livro: pelo mesmo motivo que, ainda hoje, trinta anos depois de largar a heroína, Keith cambaleia pelo palco com um sorriso maníaco e diz para a multidão em delírio: “É um prazer estar aqui! Aliás, é um prazer simplesmente estar!” É o excitamento de ouvir alguém que jamais passou um dia entre as quatro paredes de uma fábrica ou de um escritório, consumiu o que havia para ser consumido e sobreviveu para contar a história. Esse é o homem que inventou o refrão de (I Can’t Get No) Satisfaction enquanto dormia e, no entanto, teve mais satisfações do que jamais imaginou Giacomo Casanova. Assim, Vida tem urgência em realçar o Mito de Keef e nos oferecer o que desejamos. O livro começa com uma longa cena da excursão dos Stones pelo Sul dos Estados Unidos em 1975, os carros lotados de narcóticos de primeira classe – “cocaína pura da Merck, o pó farmacêutico fino”. Mas na cidadezinha de Fordyce, Arkansas, população de 4 237 habitantes, Richards arranja confusão com a polícia. Segue-se uma narrativa grotesca de mau comportamento dos Stones diante da Justiça sulista. Richards, que acabou de se vangloriar para o leitor da posse e ingestão de vastas quantidades de droga, se faz de desentendido quando lhe dizem que enfrentará uma possível condenação à prisão. Da qual, como de costume, ele se esquiva.

Richards se gaba do seu metabolismo. Não somente narra sua “viagem movida a ácido com John Lennon”, como faz questão de nos dizer que Lennon “não conseguia acompanhar”. E relembra: “Ele tentava tomar tudo o que eu tomava, mas eu treinava duro. Um pouco disso, um pouco daquilo, uns tranquilizantes, umas bolinhas, coca e pó, e depois eu ia trabalhar. Eu era alucinado. E John acabava invariavelmente no meu banheiro, abraçado ao vaso.”

Às vezes, o livro parece uma versão sem consequências de Junky, de William Burroughs. Num trecho longo, Richards descreve sua dieta diária:

Eu tomava um barbitúrico para acordar, de efeito recreativo em comparação com a heroína, mas nem por isso menos perigoso. Isso era o café da manhã. Um Tuinal, fazia um furinho com uma agulha, para fazer efeito mais rápido. Depois tomava uma xícara de chá, e então matutava sobre levantar ou não da cama. E mais tarde, quem sabe um Mandrax ou Quaalude. Senão eu ficava com energia demais para queimar. Desse jeito, você acorda devagar, já que tem tempo. E quando o efeito passa, depois de umas duas horas, você se sente relaxado, come alguma coisa de café da manhã e está pronto para o trabalho.

Richards se orgulha de muitas coisas, inclusive de sua capacidade de ficar acordado durante dias. Seu recorde de todos os tempos foi uma sequência de nove dias sem dormir à base de cocaína, ao final da qual ele simplesmente desabou e bateu com a cabeça num alto-falante: “Saiu uma cortina de sangue.”

Esse aspecto do livro, a narrativa do viciado, é o capítulo mais recente de uma tradição que data do romantismo e de Thomas de Quincey, com suas visões causadas pelo ópio, povoadas de crocodilos e outros “monstros indizíveis”, de Crabbe, Coleridge, Byron, Baudelaire – uma lista infindável. Mais especificamente, Vida pertence à subcategoria das memórias de músicos viciados: Straight Life, de Art Pepper, High Times Hard Times, de Anita O’Day, Raise Up Off Me, de Hampton Hawes, e a colaboração fantasticamente obscena de Miles Davis com Quincy Troupe.

Quando terminei o livro de Richards, li várias dessas memórias do jazz, bem como biografias de outros gênios viciados, como Billie Holiday e Charlie Parker. Depois de revisitar o desespero, as drogas vagabundas, as condenações à prisão, as vidas encurtadas, achei que havia algo quase repugnante no ego e no espírito jovial do sortudo Keith. Ele tem muitos conselhos disparatados para o candidato a junkie e voyeur: nada de drogas injetáveis, tome apenas as drogas mais puras e de melhor qualidade e, por favor, nunca exagere. (“Olha, eu não devia dizer nunca; eu às vezes ficava totalmente cataplético.”)

Richards admira a música de seus predecessores e superiores, mas não sente a dor deles. Está protegido dos dramas normais dos drogados por camadas e camadas de advogados, dinheiro, e privilégios. Charlie Parker compôs Relaxin’ at Camarillo depois de sair de um manicômio na cidade homônima da Califórnia. Richards fez Exile on Main St. quando era um exilado do fisco morando numa propriedade rural em Villefranche-sur-Mer. Nos intervalos entre picos e ensaios, ele cruzava o Mediterrâneo numa lancha de corrida atrás de socialites europeus: “Dávamos uma parada em Monte Carlo para almoçar. Batíamos papo com a turma do Onassis ou do Niarchos, que atracavam iates imensos por lá.”

Outro aspecto inevitável das memórias ou biografias do rock é o catálogo de conquistas sexuais e, sobre esse assunto, Richards é quase tímido. Ele nos conta que seus colegas Jagger e Bill Wyman tabulavam friamente suas conquistas. Keith é do tipo passivo. São as mulheres que o procuram. “Nunca dei uma cantada numa mulher em toda a minha vida”, diz. E, no entanto, descreve com prazer como roubou a modelo e artista teutônica Anita Pallenberg de Brian Jones enquanto desciam para o Marrocos num Bentley:

Anita e eu nos olhamos e a tensão no banco de trás ficou tão alta que, quando vejo, ela está me pagando um boquete. Aí a tensão se rompeu. Ufa. E de repente, estávamos juntos. [...] Durante mais ou menos uma semana é fuque-fuque-fuque lá na Kasbah, nós dois com um tesão de coelho, se perguntando como tudo isso ia acabar.

No fim das contas, Richards e Pallenberg resolveram morar juntos. Formam um casal e tanto, jovens junkies apaixonados, constantemente driblando a prisão. Mas não conseguem driblar a tragédia. Em 1976, enquanto Keith estava em excursão, o terceiro filho dele com Pallenberg, um bebê chamado Tara, morreu no berço. Eis a maneira ponderada como Richards exprime o seu pesar: “Nunca conheci o filho da puta, ou mal o conheci. Troquei as fraldas dele duas vezes, acho. [...] Até hoje, Anita e eu não falamos a respeito.” Isso vai muito além dos limites normais da reserva.

O vício e o mau comportamento de Pallenberg são demais até para Richards. O problema não é tanto ele estar convencido de que ela teve um caso com Jagger – seu terceiro Stone! – mas o fato de ela superar os limites de Keith no departamento “decadência”. “Ela era incontrolavelmente autodestrutiva”, escreve ele. “Era como Hitler; queria que todos afundassem com ela.” Por fim, Richards encontra a felicidade e uma existência muito mais estável com uma modelo americana chamada Patti Hansen.

Richards é grosseiro com muita gente nesse livro, assim como foi em numerosas entrevistas dadas ao longo do tempo. Ele acha que isso faz parte do seu charme de malandro. Diz que os punks não têm talento. Elogia o U2 uma ou duas vezes, mas desconsidera todo mundo, de Prince (“um anão supervalorizado”) a Elton John (“uma puta velha”) e Bruce Springsteen (“Se houvesse coisa melhor por aí, ele ainda estaria tocando nos bares de Nova Jersey”). Os que não acompanham essas coisas de perto podem se surpreender ao ver como Richards pode ser duro com Mick Jagger, ao qual se refere às vezes como “Brenda” ou “Sua Majestade”. Ele não suporta as pretensões de Jagger, seus “cálculos”, seu excesso de atenção aos negócios, sua ânsia pela aprovação do establishment e sua tendência ocasional de tratar Richards e os outros membros da banda como empregados. Ele o retrata como cheio de frescuras, triste, alguém que só pensa em si mesmo: “É quase como se Mick Jagger aspirasse a ser Mick Jagger, correndo atrás de seu próprio fantasma. Com a ajuda de consultores de estilo. [...] Eu adorava andar com Mick, mas não entro em seu camarim acho que faz uns vinte anos. Às vezes, sinto saudades do meu amigo.” Richards, que vive como um fidalgo em propriedades rurais muradas na Inglaterra e em Connecticut, concede que Jagger é seu “irmão” e terá sempre seu apoio, mas claramente se considera mais original como homem e como músico.

Há leitores que se deliciarão com a autoimagem de Richards como o espertalhão que sempre se dá bem, mas, para mim, as seções mais fascinantes do livro são as histórias de sua evolução, o modo como sua amizade de adolescência com Jagger e o amor que os dois tinham por seus heróis do blues levaram rapidamente à formação da Maior Banda de Rock do Mundo. É uma história já narrada muitas vezes, mas Richards e Fox a contam muito bem.

Keith Richards e Mick Jagger eram crianças na Londres do pós-guerra e colegas de escola na Wentworth Primary School, em Dartford. Keith era filho único de pais de classe operária. Seu pai, Bert, era chefe de seção numa fábrica da General Electric. Criado ouvindo jazz, blues e os sons emergentes da música pop americana, ele cantava no coro da escola. Depois que sua voz mudou, perdeu interesse pela escola e começou a frequentar a sorveteria Dimashio, onde ficava ouvindo ojukebox. “Era o único pedacinho de América em Dartford”, escreve ele. “A vida era em branco e preto; o tecnicolor estava para chegar, mas em 1959 ainda não.” À noite, ele ouvia Buddy Holly, Eddie Cochran, Little Richard e seu ídolo, Elvis Presley, na Rádio Luxemburgo. Esses foram os anos do “Despertar”, a recepção entusiástica da música americana na Grã-Bretanha. Músico iniciante, Richards interessou-se pelos acompanhantes: o guitarrista de Elvis, Scotty Moore; o arranjador e trompetista de Fats Domino, Dave Bartholomew. No Sidcup Art College, escola que preparava gente atrás de um emprego na agência de publicidade J. Walter Thompson, Richards passava o tempo vadiando e escutando discos de blues. Então, em 1961, na estação ferroviária de Dartford, ele topou com Jagger, que, como ele descobriu, era fanático por blues e colecionador de discos. Jagger tinha todos os discos da Chess Records: Muddy Waters, Chuck Berry, Howlin’ Wolf, Willie Dixon. Os dois garotos ouviam os discos sem parar.

Jagger e Richards criaram uma banda chamada, no começo, Little Boy Blue and the Blue Boys. Na primavera de 1962, eles já tinham incorporado outro guitarrista maluco por blues, Brian Jones. No mês de janeiro seguinte, ganharam a companhia de um baterista com gosto por jazz, Charlie Watts, e um baixista, Bill Wyman, cuja principal qualificação era ser dono de um amplificador Vox. Esses eram os Rolling Stones.

Enquanto a banda tomava forma, Richards aprendia a copiar a simplicidade de uma nota só de B. B. King e os solos de corda dupla de T-Bone Walker – técnica que economizou dinheiro para a banda, porque podia “eliminar a necessidade de uma seção de sopros”. Richards e Jagger tinham uma ambição simples: só queriam ser “a melhor banda de blues de Londres e mostrar àquela gente o que era tocar de verdade”. Com devoção de monge, moravam em apartamentos baratos e ensaiavam a noite inteira. “Quem saía do ninho para transar, ou tentar transar, era um traidor”, relembra Richards.

A banda tocou em clubes nos arredores de Londres com nomes como Flamingo, Ealing, Crawdaddy, Marquee e Red Lion; e, nos fluidos dias de 1963 – enquanto os Beatles, uma banda relativamente veterana, estava em ascendência – os Stones lançaram seu primeiro single, um cover de Come On,de Chuck Berry. O disco disparou nas paradas e em uma semana os Stones eram estrelas. Foi o que bastou. “De repente, estavam botando a gente nuns puta ternos xadrez pied-de-poule e fomos levados pela maré”, diz Richards. Mas os garotos logo se livraram do look pseudo-Beatles. Se deram bem do seu jeito. No início, se apresentaram na abertura de shows de Little Richard e Bo Diddley (com quem aprenderam incontáveis lições de ritmo e teatralidade), e depois como atração principal, causavam tumultos onde quer que fossem.

“Na Inglaterra, acho que durante dezoito meses, nunca conseguimos terminar um show”, lembra Richards. O repertório curto deles tinha covers de Not Fade Away, I’m a King Bee e Around and Around, mas a gritaria era tão intensa que em algumas noites a banda tocava O Marinheiro Popeyesó para ver se alguém notava. Os garotos jogavam tampinhas de garrafa e moedas; as garotas queriam despedaçar os Stones, tão profundo era o frenesi erótico. Ainda hoje, Richards parece assustado:

Jamais me esqueci do poder das adolescentes de 13, 14, 15 anos, quando estão em bando. Elas quase me mataram. Nunca temi mais por minha vida do que diante daquelas adolescentes – as que me asfixiaram me deixaram em frangalhos. Se você era apanhado por uma multidão frenética de adolescentes, é difícil expressar o medo que elas provocam. Seria preferível estar numa trincheira lutando contra o inimigo do que encarar aquela onda assassina e irrefreável de luxúria e desejo, ou seja lá o que for aquilo – uma força desconhecida até por elas.

Depois de um show no norte da Inglaterra, a banda ficou no teatro, esperando que a multidão fosse embora. Um velho zelador que havia ajudado na limpeza disse a Richards: “Show muito bom. Nenhum assento seco na casa.”

Quando os Stones foram pela primeira vez aos Estados Unidos, no verão de 1964, tocaram em shows depois de Bobby Goldsboro e dos Chiffons, e sofreram os insultos de Dean Martin, que os chamou de cabeludos primitivos. Chegaram até a dividir o programa com um contorcionista chamado “Incrível Homem-Borracha”, o qual, pensando bem, talvez tenha exercido uma influência decisiva nas momices de Jagger no palco. Foi somente quando, naquele mesmo ano, Jagger e Richards passaram a compor que os Stones começaram de fato a competir com os Beatles. Em 1965 lançaram Satisfaction. Num padrão que seria típico da colaboração entre os dois nas décadas seguintes, Richards criou o riff e Jagger entrou com a letra.

Na imaginação adolescente, a vantagem de ser membro de uma banda é que você acaba o dia na cama com a parceira, ou parceiras, que quiser. Não é bem assim, diz Richards: “Você pode estar nadando, ou comendo sua mulher, mas lá no fundo você está pensando sobre uma sequência de acordes ou algo relacionado a uma canção. Independente do que estiver acontecendo.”

Richards demonstra mais prazer quando descreve a sensação de tocar seu instrumento, em particular a guitarra elétrica que, diz ele, é “como se agarrar numa enguia-elétrica”. O momento de revelação em Vida é puramente musical e ocorre “no final de 1968 ou início de 1969”, depois que Richards descobre um dos segredos do blues. As seis cordas da guitarra são normalmente afinadas em mi-lá-ré-sol-si-mi. Depois de colaborar com o grande instrumentista e arranjador Ry Cooder, Richards pegou a afinação “em sol aberto”, em que a guitarra é afinada num acorde em sol: ré-sol-ré-sol-si-ré. Bluesmen do Mississipi como Robert Johnson, Son House e Charley Patton usavam essa afinação; Don Everly também, em Bye Bye Love. Richards retirou a corda mais baixa de uma Fender Telecaster afinada em sol-ré-sol-si-ré e produziu os riffs de Tumbling Dice, Brown Sugar,Honky Tonk Women, All Down the Line, Can’t You Hear Me Knocking, entre outros. Qualquer pessoa que tenha tocado numa banda de garagem nos anos 60 e 70 lembra da experiência de tentar tocar essas músicas e descobrir que elas não tinham o ronco, o som ressoante que Keith Richards produz em, digamos, Get Yer Ya-Ya’s Out!, o melhor disco ao vivo dos Stones. Agora, evidentemente, é possível ir ao You Tube, escrever, digamos, Brown Sugar, aula, e aparece um garoto de 14 anos com uma câmera de vídeo e uma guitarra, ensinando a usar a afinação em sol aberto e “tocar como Keith”. O próprio Keith explica melhor: “Se você está tocando o acorde da maneira certa, consegue ouvir um outro acorde soando por trás, que você não está tocando, mas que existe. Isso desafia a lógica. O acorde está lá dizendo: ‘Vem.’”

Keith Richards está com 66 anos. É avô. Fez uma cirurgia de emergência no crânio, embora por um motivo muito Keith Richards: caiu de uma árvore em Fiji. Ele diz que leva uma “vida de cavalheiro”. Gosta bastante das aventuras marítimas de Patrick O’Brian e dos romances de George MacDonald Fraser em que o protagonista tem 90 anos e se chama Flashman. Cabe informar que ele também caiu da escada de sua biblioteca. Antes, tinha um cachorro wolfhound chamado Sífilis, hoje tem um labrador amarelo chamado Abóbora. Ele e sua mulher põem Abóbora num jatinho particular e vão espairecer na propriedade que eles têm nas ilhas Turks e Caicos, no Caribe. Gimme Shelter para valer. Ele vive como um pirata do private equity.

A idade deu a Richards um pouco de compreensão a respeito de suas próprias contradições. Ele vibra com sua vida, mas também está consciente da natureza oca de sua imagem de fora da lei: “Não há como desatar os nós do quanto representei o papel que foi escrito para mim. O anel de caveira, o dente quebrado e o lápis de olho”, escreve. “De certo modo, a persona, a imagem de como eu era antes acaba sendo um grilhão. As pessoas ainda acham que eu sou um junkie. Faz trinta anos que larguei a droga! A imagem é como uma sombra comprida. Mesmo quando o sol se põe, ainda dá para ver. Acho que em parte é porque há tanta pressão para ser daquele jeito que você acaba se transformando, pelo menos até onde dá. É impossível não acabar sendo uma paródia do que você achava que era.”

Um dos momentos mais tocantes do livro é quando os jovens Rolling Stones chegam aos estúdios de gravação da Chess, em Chicago, a Meca do blues. Um operário está pintando o teto. O nome do operário é McKinley Morganfield, mais conhecido como Muddy Waters. Os Stones estavam a caminho de uma vida de milionários e o mínimo que poderiam fazer era render homenagem aos seus heróis. Batizaram a banda com o título de uma música de Morganfield e cantaram louvores a ele e a todos os outros antepassados mais talentosos do que eles.

Richards havia escapado da Indesejada, mas não da dívida mais importante que tinha, a qual nunca deixou de reconhecer com lealdade: “Eu?”, disse Keith certa vez. “Eu só quero ser Muddy Waters. Embora eu jamais vá ser tão bom ou tão preto.”


http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-52/baratos-e-negocios/curtindo-adoidado


domingo, 15 de dezembro de 2013

Momentos...



beijos....

"Vai, mergulha no que te dá vontade. Que a vida não espera por você. Abraça o que te faz sorrir. Sonha que é de graça. Não espere. Promessas, vão e vem. Planos, se desfazem. Regras, você as dita. Palavras, o vento leva. Distância, só existe pra quem quer. Sonhos, se realizam, ou não. Os olhos se fecham um dia, pra sempre. E o que importa você sabe. É o quão isso te faz sorrir. E só."

Agda Yokowo

sábado, 7 de dezembro de 2013

só com a música...







O dia em que eu estive na presença de Nelson Mandela:




Ele, Nelson Mandela, ou melhor, como foi sempre conhecido na sua África do Sul, entre o povo Xhosa, que vive na região do Transkei onde ele nasceu, Madiba, foi uma presença inesquecível por muitos de nós que tivemos a grande honra de estar no mesmo recinto que ele.
Eu também tive esse privilégio, durante a visita de Mandela aos Estados Unidos, meses depois ser liberado em Fevereiro de 1990, encerrando 27 anos de prisão. Era um Sábado, 30 de Junho, “Celebration Saturday”, 58.000 + de californianos encheram o Coliseu de Oakland, não cabia mais nem mesmo um alfinete, para ver Nelson Mandela e ajudar, de alguma forma, a acabar com o regime vergonhoso de apartheid na África do Sul.
Mandela havia sido liberado cinco meses antes e saiu pelo mundo para agradecer a solidariedade dos povos que com ele compartiam o ideal de um mundo mais justo e mais igual para todos.
Eu fui com um grupo de colegas de trabalho e amigos, sentamos no sol à pino do meio dia, o coração saltando de alegria e entusiasmo pela causa e pelo personagem que tomava forma em frente de mim como saindo de um conto, uma historia que tomava corpo, que era palpável!!!
Em seu discurso ele disse ter vindo às cidades de Oakland, Berkeley e San Francisco, por ter sido umas das primeiras a adotarem o boicote às companhias americanas que mantinham negócios com a África do Sul e impedir que cargas de lá fossem desembarcadas no porto de Oakland. Estávamos em momentos importantíssimos para acabar com o injusto status daquele país e não íamos voltar atrás. Mandela disse que apesar dos seu 71 anos, ele se sentia naquele dia com 35, “uma velha bateria que teria sido recarregada” e que assim se sentia por causa do apoio do povo que viera lhe saudar.
Mandela nos confidenciou naquele dia que nós todos íamos juntos mudar o rumo da historia, quatro anos depois apartheid chegou ao fim e ele, Madiba, foi eleito presidente da África do Sul.




Regina Soares

12/07/13

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Bono em homenagem a Nelson Mandela


Cantor do U2 diz que líder sul-africano foi ‘presença forte’ em sua vida desde a adolescência






RIO — O líder do U2, Bono Vox, escreveu um ensaio em homenagem a Nelson Mandela, morto nesta quinta-feira aos 95 anos. No fim do mês passado, a banda irlandesa lançou sua primeira música em três anos, “Ordinary love”, que faz parte da cinebiografia “Mandela: Long walk to freedom”. O ensaio, entitutlado “O homem que não podia chorar”, foi publicado na revista Time.

“Como ativista eu basicamente tenho feito o que Nelson Mandela sugere desde a minha adolescência”, diz Bono no artigo. “Ele foi uma presença forte na minha vida desde 1979, quando o U2 fez seus primeiros esforços contra o Apartheid. E ele se tornou parte da consciência irlandesa ainda antes disso. O povo da Irlanda pode compreender com facilidade a subjugação de maiorias étnicas. Do nosso ponto de vista, a questão de quão sangrenta a África do Sul poderia se tornar na longa estrada para a liberdade não era abstrata.”

Bono então relata como, ao longo dos anos, os dois se tornaram amigos e a alegria que lhe trouxe a parceria de Mandela com o bispo Desmon Tutu. Além da luta contra o Apartheid, o músico destaca também os esforços de Mandela para enfrentar a epidemia de Aids que atingia tantos países africanos.

“Sem sua liderança, na última década o mundo teria aumentado o número de pessoas usando medicamentos contra a Aids para 9,7 milhões e diminuído o número de mortes de crianças em 2,7 milhões por ano? Sem Mandela, a África estaria vivendo sua melhor década em crescimento e redução de pobreza? O quanto ele foi indispensável não pode ser provado com matemática e métricas, mas eu sei no que acreditar.”

O cantor e ativista termina explicando o título escolhido para o artigo.

“O riso, não as lágrimas, eram o caminho preferido de Madiba — a não ser em uma ocasião na qual vi ele quase perder o ar. Foi na Robben Island, no pátio em frente à cela onde ele passou 18 de seus 27 anos de prisão. Ele estava explicando por que decidiu usar seu número de prisioneiro, 46664, para buscar uma resposta à pandemia de Aids que tomava tantas vidas africanas. Um de seus colegas de prisão me disse que o preço pago por Mandela pelo trabalho nas minas de calcário não foi a amargura nem mesmo a cegueira, causada pelo clarão do reflexo do sol dia após dia. Mandela podia ver, mas a poeira prejudicou seus olhos de modo que ele era incapaz de chorar. Com toda sua visão, não podia produzir lágrimas em momentos de dúvida ou dor. Ele passou por uma cirurgia para acertar isso em 1994. Agora, podia chorar. Hoje, nós podemos.”


 http://oglobo.globo.com/cultura/bono-vox-escreve-ensaio-em-homenagem-nelson-mandela-10989958#ixzz2mkEnVLEK 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

SAUDADE A DOIS


Fabrício Carpinejar






A saudade tem prazo de validade.

Não pode permanecer muito tempo guardada. Não pode permanecer muito tempo não sendo correspondida.

Depois de aberta e fora do convívio, assim como o leite, a saudade azeda. E não há memória refrigerada para conservá-la.

Quando passa da hora, aquela falta ansiosa e comovente é capaz de se tornar ironia e sarcasmo.

O suspiro se transforma em ofensa – nos enxergaremos tolos e burros por confiar cegamente em alguém e esperar à toa. Reclamaremos nossa idiotice por termos feito uma vigília em vão, por termos esquecido de viver.

Já não queremos que o outro volte, já desejamos que ele nunca mais apareça em nossa frente. Violentaremos as lembranças, fecharemos a reza.

A ternura de antes será trocada pela raiva de não ser atendido. Mudaremos a personalidade de nossa conversa, de doce para ácida. Pois o segredo (a saudade é um segredo!) que nos alimentou durante meses não fora respeitado.

Infelizmente, a saudade apodrece.

Quando deixamos de pedir a presença para cobrar a ausência. É sutil o movimento. Toda a atenção dedicada ao longo de um período começa a ser vista como desperdício. Não aconteceu retorno das juras, nem o estorno das expectativas.

Você mandou centenas de mensagens, renunciou saídas com amigos e bares, teve uma vida discreta e fiel, só para honrar uma despedida, e percebeu que, no fim, sempre esteve sozinho na saudade.

Saudade é como o amor. Perece quando não é a dois.

Aliás, quando a saudade não é a dois, deixa de ser saudade para se descobrir solidão.

A saudade é o que guardamos do amor para o futuro. É o que deixamos para amar no futuro.

Nada dói tanto quanto um amor que não vingou após os cuidados do plantio.

Nada dói tanto quanto a saudade que envelhece, uma saudade que definhou pela indiferença, que não foi valorizada pela nossa companhia, que não desembocou em festa.

Nada dói tanto quanto promessas feitas gerando ressentimento.

A saudade não é eterna. Acaba quando percebemos que o amor era da boca para fora, que a urgência era interesse, que a necessidade era falsa.

A saudade é uma esperança de amor. Precisa ser consumida rapidamente, não mais que três meses. Senão, nos consome e nos estraga.


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 03/12/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17633

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

ART X SMART POR KIM DONG- KYU



PUBLICADO EM RECORTES POR MARGARETE MS



O projeto "Art x Smart", criado pelo ilustrador coreano Kim Dong- Kyu, combina pinturas famosas com alguns aparelhos tecnológicos do século 21. Nos levando a uma realidade utópica, onde tempos antigos e modernos se encontram.




“The Room” - Vincent van Gogh


As obras se transformam em paródias sobre a drástica mudança na interação social de hoje. Os modelos nas pinturas usam os dispositivos para jogar, tirar fotos e ouvir música, como se essas ações fossem de uma segunda natureza para eles, como é para nós.


Além de engraçadas elas chamam a atenção para a nossa relação com as novas tecnologias e sua influência na sociedade moderna. Dá até para experimentar uma sensação de revolta, solidão, alienação e superficialidade ao comparar os originais e seus remakes. Tudo parece tão familiar nos dias de hoje. Mas como seria se tivéssemos essa tecnologia no passado?




“A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte” - Georges Seurat




“Alphonsine Fournaise” - Auguste Renoir




“In the Conservatory” - Edouard Manet




“L’absinthe” - Edgar Degas




“L’homme Au Balcon” - Gustave Caillebotte




“Old Man In Sorrow” - Vincent van Gogh




“Over the Town” - Marc Chagall




“Rokeby Venus” - Diego Velázquez




“The Ancient of Days” - William Blake




“Portrait de Marie Therese Walter” - Pablo Picasso




“The Balcony” - Edouard Manet




“The Card Players” - Paul Cézanne




“Girl with a Pearl Earring” - Johannes Vermeer




“The Death Of Marat” - Jacques-Louis David




“The Dream” - Pablo Picasso




“The Luncheon On the Grass” - Edouard Manet




“Wanderer Above the Sea of Fog” - Caspar David Friedrich




“The Scream” - Edvard Munch


http://lounge.obviousmag.org/esconderijo/2013/11/art-x-smart-por-kim-dong--kyu.html

Samba de Roda do Recôncavo da Bahia


domingo, 1 de dezembro de 2013

Sua









Tudo pesa muito e afunda-me, densamente. Tudo me revela e me afasta desta que sou quando não sou contigo. Tudo me aborrece e todo mistério finda à margem – meu peito repartido no rebentar das ondas: minúsculos mares desfeitos; respingados corpos. Tudo enferruja os ossos, a boca, o discurso e afoga, insistentemente, as palavras que esqueci e fui quando fui contigo. Tudo pesa o peso da ausência – presença que assola as memórias sensíveis à pele. Pesa o peso do não expandido-se na sede. Tudo pesa o peso do inexistido que habita o leve – alguma parte sua tão solta desaguando feliz noutra boca. Pesa muito o teu longe sempre indo, nunca vindo, nunca breve.


Priscila Rôde


http://priscilarode.com/

domingo, 24 de novembro de 2013

Mais que a lei da gravidade [Paulinho da Viola & Capinan]




Mais Que a Lei da Gravidade


O grão do desejo quando cresce

É arvoredo, floresce

Não tem serra que derrube

Não tem guerra que desmate

Ele pesa sobre a terra

Mais que a lei da gravidade




E quando faz um amigo

É tão leve como a pluma

Ele nunca põe em risco

A felicidade




Quando chegar dê abrigo

Beijos, abraços, açúcar

Só deseja ser comido

O desejo é uma fruta

E com ele não relute

Pois quem luta

Não conhece a força bruta

Nem todo mal que ele faz




Satisfeito é uma moça

Sorrindo, feliz e solta

Beije o desejo na boca

Que o desejo é bom demais

UM ASSOMBRO REMOTO


Na mitologia poética de Fernando Pessoa, o que caracteriza o discípulo — me lembra George Steiner em um memorável ensaio, Chuva de fogo — é a “capacidade de ser hipnotizado”. Na linhagem de seus célebres heterônimos, tanto Ricardo Reis como Álvaro de Campos se definem como discípulos de Alberto Caeiro. Ao ouvir a primeira lição de Caeiro, recorda Steiner, Campos experimentou “um choque sísmico”. A sentença proferida pelo mestre é, de fato, perturbadora: “Tudo difere de nós e é por isso que existe”.
Quando conversava com Caeiro, retoma ainda o crítico literário, Álvaro de Campos tinha a sensação física de “estar a discutir não com um outro homem, mas com um outro universo”. O paganismo de Caeiro, sua maneira direta e sem filtros de observar o mundo, é, sim, muito particular. Mas, em vez de fugir, Campos — relatava Pessoa — dele se aproximava mais ainda. A partir do contato com Alberto Caeiro, o discípulo chegou a uma conclusão difícil e um tanto repulsiva: “Pessoas inferiores não podem ter um mestre, posto que não têm o que é necessário para terem um mestre”. E o que é necessário? Justamente estar disponível para a experiência da hipnose, para o tal “choque sísmico” que revira o mundo de ponta cabeça e nos leva a ver o que, antes, parecia inexistente. E para isso — o nobre Campos me perdoe — não é preciso ter status social.
Foi o que senti quando, em 1969, me preparando para as provas do vestibular, tive uma conversa decisiva com José Rodrigues, meu professor de literatura francesa no Colégio Santo Inácio — hoje um diplomata em alguma parte do planeta. Desde menino, queria me tornar escritor. Minha idéia inicial era tornar-me poeta. A leitura de Bandeira, Vinicius e Cabral, em particular, feita ainda de calças curtas, me abalara de tal modo que eu não podia imaginar outro caminho a seguir. Meu pai me advertia: “Pare de sonhar e faça engenharia”. Sim: mesmo tendo desistido depois da poesia, eles foram, continuaram a ser e ainda hoje são — mesmo ausentes — meus mestres. Com Bandeira aprendi o amor lírico pelas coisas simples. Com Vinicius, o primado absoluto da paixão, elemento sem o qual nada que realmente preste se faz. Com Cabral, o papel decisivo do corte. Disse-me ele, muito mais tarde, que cortar é ainda mais importante que escrever. Mais ainda: que cortar é a verdadeira maneira de escrever. Você não pode ter piedade da palavra, nem se deixar enganar por sua falsa beleza, me aconselhou. Deve ser rígido, firme, intolerante, e cortar, cortar, cortar, até que o osso (a pedra) da palavra apareça à sua frente.
Mas retorno a meu diálogo decisivo com José Rodrigues, meu professor de literatura. Eu queria me tornar escritor — e por isso me preparava para o vestibular de Letras. Parecia-me o caminho natural. Rodrigues foi duro comigo (e recordo que era um brilhante professor de literatura francesa): “Se você quer ser escritor, faça tudo, menos Letras. Fazendo, sua mente será tomada por teorias, teses, gêneros, classificações, experimentações intelectuais. Tudo aquilo de que um poeta não precisa. Tudo aquilo que barra o caminho da poesia”. Sua apreciação, a princípio, me assustou. Ela arrancava de minhas mãos o fio em que eu me apoiava rumo à escrita. Cambaleei, o chão me fugiu e ainda tonto perguntei: “Mas, então, o que devo fazer?”. Rodrigues parou um pouco para pensar. Ruminou algumas palavras que não chegou a concluir e depois, num ímpeto, me disse: “Faça jornalismo!”. Jornalismo? Meu pai, José Ribamar, foi jornalista profissional. Durante muitos anos foi o setorista de O Globo no Senado Federal, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital da República. Talvez “contra o pai”, em busca de minha afirmação individual, jamais pensara em me tornar jornalista. E um professor de literatura me dizia que, para me tornar escritor, tinha que estudar Jornalismo, e não Letras?
Ali, naquele segundo semestre de 1969, depois de freqüentar durante dois anos e meio as aulas de José Rodrigues, tornei-me, enfim, seu discípulo. Ele me hipnotizara. Sempre acreditei que houve nisso um pouco de fraqueza de minha parte; que todo hipnotizado se torna, um pouco, um objeto. Agora, quase meio século depois, releio as palavras de George Steiner em seu ensaio sobre Pessoa: “A capacidade de ser hipnotizado distingue as personalidades fortes. Estas retêm sua individualidade transmutada após terem passado pela intervenção do mestre”. Mas então eu fui forte, e não fraco! Os argumentos de José Rodrigues eram dois e eram simples. Primeiro: o jornalismo me obrigaria a escrever diariamente, não permitiria jamais que eu me afastasse das palavras. Em segundo lugar e, de acordo com Rodrigues, a mais importante: o jornalismo nos empurra drasticamente para a realidade, nos lança sobre ela sem nenhuma delicadeza ou mesura, e esse choque direto com o real, que nos contamina quase que como um veneno, é indispensável para a formação do escritor. Pelo menos para aqueles que não querem ser apenas escritores “de gabinete”.
Não me arrependo de ter seguido as instruções de meu mestre. Muito ao contrário, hoje me orgulho de ser jornalista também. Não cheguei a ser poeta. Faço uma literatura oscilante, que estremece entre os gêneros e os estilos. Sei que, como escritor, tenho uma identidade fluida, que alguns talvez vejam como insuficiente. Nada disso me perturba, eu sigo meu caminho. E a ele cheguei, a verdade é essa, graças ao jornalismo. Poderia aqui repetir as palavras de Álvaro de Campos a respeito de seu encontro com o mestre Caeiro: “E, a partir de então, para melhor ou para pior, eu tenho sido eu”.
NOTA
O texto Um assombro remoto foi publicado no blog A literatura na poltrona, mantido por José Castello no site do jornal O Globo. A republicação no Rascunho faz parte de um acordo entre os dois veículos.


sábado, 23 de novembro de 2013

¿Un affaire es señal de que todo va mal en la pareja?


Por: Anne Cé | 20 de noviembre de 2013


Si todo ha sido puesto en cuestión ya en territorios de amor, orientación sexual, paternidad y poliamor, ¿por qué es tan difícil poner en duda la monogamia?, se pregunta la experta Esther Perel en uno de sus interesantes artículos, que se puede consultar, completo, aquí.

Días atrás, Venus sugería, en este mismo espacio, que "los únicos infieles que realmente se sienten culpables son los que ven sus aventuras como algo malo, pero a la vez sienten una atracción intensa hacia otra persona".



Getty Images.

Y en eso llegó la última de Woody Allen, Blue Jasmine, que se anuncia como el drama de la denuncia de los desfalcos de los chicos de la bolsa neoyorkina, pero que se alza, ante todo, sobre la piedra de la necedad y la locura de celos de una esposa engañada (entre comillas), interpretada por Cate Blanchett. La traición tiene la cara de Alec Baldwin y el cuerpo de un dandy con casa en Los Hamptons, que además de los líos de Manhattan, se permite enamorarse en París.


Es cierto que esta vez Woody Allen cose con puntada gruesa este guión dramático sobre cómo cambian las relaciones, los umbrales de tolerancia y las ganas de mirar hacia otro lado cuando la cuenta bancaria se queda en rojo y los ricos se ponen el uniforme de presidiarios. Sin embargo, la película vale por el retrato de esa mujer (magnífica Blanchett) que creyó haber nacido con 'buenos genes' y merecerse una vida de placeres mundanos y displicencia, hasta que un paso en falso, quizá el suyo propio, tiñe esa existencia con la luz cálida de un vestidito pastel y de un mantel color nácar de 'azul oscuro casi negro' (en este caso, el del Pacífico en la Bahía de San Francisco).


Jasmine/Blanchett y Hal/Baldwin, un matrimonio como los que 'dibuja' Woody Allen

"Hacía el amor como nadie", evoca Jasmine cuando todo se ha derrumbado, frente a una indiferente pasajera del vuelo que la lleva de Park Avenue al sofá de su hermana, en San Francisco. Nadie sabrá nunca si es verdad que esos recuerdos del hombre que la complacía como nadie tienen algo que ver con la realidad o son fruto de su memoria creadora (todas hemos probado con fantasías un poco edulcoradas, alguna vez).

Como sea, la mujer del corrupto habla sola o tiene que entablar diálogos prosaicos con los amigos mecánicos de su hermana (por cierto, una gran disfrutadora de las relaciones eróticas). Apenas le queda a Jasmine la idealización infinita de aquellas sábanas caras pagadas con dinero ajeno... o buscarse un nuevo marido.

Este es Woody Allen, a vueltas con la monogamia.

¿Por qué es intocable la monogamia?, se pregunta Esther Perel, la terapeuta norteamericana que suele dar con la cuestión indicada.

¿Hay respuesta? En su sitio web, Perel plantea cuestiones realmente peliagudas, de esas que nos hacen discutir acaloradamente en una sobremesa con amigos o en la barra del bar. Y todo porque hay temas que nos duelen, que nos sacan la cascarita de alguna herida sentimental y queremos taparla rápido, de nuevo, con argumentos.

Tráiler de 'Blue Jasmine' de Woody Allen, con Cate Blanchett y Alec Baldwin.

Insiste Perel en que hoy todo está puesto en cuestión y todo es aceptado o aceptable: parejas del mismo sexo, transgénero, padres solteros, etcétera, etcétera, pero la monogamia no se toca. Y propone un ejercicio: imaginarnos a una mujer que se ha casado seis veces en su vida, o sea que está divorciada cinco veces. E imaginarnos, a continuación, a otra mujer que ha estado casada durante cincuenta años y tiene un amante cada diez años. ¿Quién será la que se lleve un juicio más severo?

La experta cuestiona la idea de que tener un affaire sea señal de que algo va mal en la pareja. Y sostiene que una aventura no es consecuencia directa de nada, simplemente sucede y no le ofrecemos resistencia. Hay veces en que esas aventurillas dan en el blanco. En ocasiones, nos propulsan "más allá de nuestras fronteras". Es natural, la sed de vida provoca encuentros. El disparador son nuestras ganas de vivir, respirar, tener esperanzas. El empujón que da el deseo erótico, afirma Perel, nos lleva más allá de lo ordinario.

Así, nosotros nos preguntamos, con ella: ¿quién no quiere echar un vistazo un poco más allá alguna vez? La intensidad de los debates que el tema provoca en EE.UU. y en otros países occidentales ilustra "la paradójica tensión entre dos estimables ideales americanos: la libertad y la responsabilidad individual", en palabras de Perel. Tensión que se expresa en una travesía sin salida entre el derecho a la felicidad y el sentido de la obligación y el compromiso.

Acerca del secreto del deseo en una pareja de larga duración habla Esther Perel.

La terapeuta recuerda las discusiones en torno al affaire Clinton y los escritos del sociólogo Robert Bellah, que le permitieron ver claro que, en el marco de nuestra ideología moderna sobre el amor y el matrimonio, un principio fundamental es que se trata de una empresa de libre elección. Aunque las bodas y las ceremonias de compromiso sean eventos públicos, la pareja es un asunto privado y (en la actualidad y en Occidente) una expresión espontánea de libertad interior, profundamente personal y voluntaria.

Esta idea de la responsabilidad individual va unida a la noción de que, entonces, lo que nos toca es ejercer el control sobre nosotros mismos y sobre todo lo que suceda en nuestra vida. Ciertamente, Perel está poniendo en cuestión la gran noción de la responsabilidad, para concluir en que un lío es una señal de debilidad, una muestra de un carácter "con imperfecciones". Dicho esto, claro está, con todas las reservas y la ironía del caso, porque ¿quién tiene o quién quiere una vida sin 'imperfecciones'?.

http://blogs.elpais.com/eros/2013/11/tener-un-affaire.html

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Complicated Life




                                                               "Complicated Life"

Well I woke this morning with a pain in my neck,
A pain in my heart and a pain in my chest,
I went to the doctor and the good doctor said,
You gotta slow down your life or you're gonna be dead,
Cut out the struggle and strife,
It only complicates your life.

Well I cut down women, I cut out booze,
I stopped ironing my shirts, cleaning my shoes,
I stopped going to work, stopped reading the news,
I sit and twiddle my thumbs cos I got nothing to do,
Minimal exercise,
To help uncomplicate my life,
Gotta stand and face it life is so complicated,
Ladi dah di dahdah, ladi dah di dah dah,
You gotta get away from the complicated life, son,
Life is overrated, life is complicated,
Must alleviate this complicated life.

Cut out the struggle and strife,
It's such a complicated life.

Like old Mother Hubbard
I got nothin' in the cupboard,
Got no dinner and I got no supper,
Holes in my shoes, I got holes in my socks,
I can't go to work cos I can't get a job,
The bills are rising sky high,
It's such a complicated life,
Gotta stand and face it,
Life is so complicated.
Ladi dah di dahdah, ladi dah di dah dah
Gotta get away from the complicated life, son,
Life is overrated, life is complicated,
Must alleviate this complicated life.

Gotta get away from the complicated life, son,
Gotta get away from the complicated life.


Originally written by Ray Davies of the Kinks, this song is performed by the Preservation Hall Jazz Band featuring Clint Maedgen on vocals. Filmed mid-2005, this music video features Clint Maedgen, the Preservation Hall Jazz Band and a guest appearance by the New Orleans Bingo! Show.

Samba em Preludio - Esperanza Spalding -


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

... Quando eu fui ver, esse artigo que havia explodido.

Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus

por DANIEL DUCLOS em 13/11/2013

mac_bus
Antes de começar, uma introdução: esse artigo é antigo. É de 2009, e foi publicado em meu blog pessoal e lá ficou escondido até janeiro desse ano (2013).
Daí em janeiro eu notei que o Ducs estava com acessos anormalmente altos. Fui ver de onde vinham e descobri que era desse meu blog pessoal. Pensei "né possível, esse blog nem cadastrado no Google está." Quando eu fui ver, esse artigo que havia explodido.
O texto teve mais de 150 mil acessos em um par de dias (e não parou de crescer desde então), está com mais de 50 mil "curtidas" no Facebook, foi tuitado diretamente mais de 800 vezes, e isso sem contar os outros lugares onde foi reproduzido na íntegra. Isso em um um texto que não teve divulgação, não estava no Google e tem um título enorme e complicado, contrário a qualquer ensinamento de problogagem.
Até hoje recebe muitos acessos e continua sendo republicado pela web afora. Ele foi discutido em sala de aula de colegial e universidade, foi espontaneamente traduzido pro espanhol e recebi contatos de brazucas do mundo todo sobre ele.
Por popular não quero dizer que todos gostem ou concordem com ele. Recebi minha cota de pessoas me xingando. E muitas críticas também.
Algumas pessoas parecem se incomodar pelo texto não ser uma análise sociológica completa, imparcial e rigorosamente científica. Não é e nem quer ser. É um post de blog, curto, parcial, e tem orgulho disso.
Desde 2009 eu aprendi muito mais sobre a sociedade holandesa (e sobre a brasileira), como o seu PS original previa, e hoje vejo muito mais nuances do que via em 2009. Apesar disso o texto continua atual e causando reflexão nas pessoas.
Como autor, eu não poderia pedir mais.
Abaixo, o texto original, incluindo o PS da época, sem correções nem adições.

Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.
Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.
Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).
Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções -  estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?
Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).
Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.
O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.
Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” -  não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.
Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.
PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.


Leia mais em: Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus — Ducs Amsterdam http://www.ducsamsterdam.net/da-relacao-entre-limpar-proprio-banheiro-abrir-sem-medo-mac-book-onibus/#ixzz2lITzHivN 
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Photo: em poucos dias...

Daniel Duclos (Daniduc), é um brazuca que mora na Holanda com a esposa, também brasileira, desde novembro de 2007. Criou o Ducs Amsterdam, o qual escreve, fotografa e edita. Em 2011 lançou um guia de Amsterdam e virou pai de uma linda garotinha, com quem redescobre o mundo todos os dias.