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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Salve a menina dos olhos de oyá!!!









Inesquecivel!!!






Sergyo Vitro


Meia horinha na vida de Maria Bethânia

Cantora cruzou o Sambódromo em 29 minutos, sob intensa ovação do público

“Estou muito emocionada, claro, foi comovente demais. A Mangueira é minha escola, e ser escolhida como homenageada é lindo demais. Fiquei contente por ver a escola feliz com o enredo”
Maria Bethânia
Cantora


Maria Bethânia chegou à concentração da Mangueira por volta das 4h de ontem. Às 4h30m já estava sobre o carro alegórico, o último do desfile, de motivos infantis. Ainda distante da entrada no Sambódromo, Bethânia brincava com as afilhadas gêmeas Júlia e Nina Basbaum, erguia os braços para o céu, mexia no cabelo, acenava para o público. Em frente ao centro de diagnósticos Rio Imagem — que parece ficar a 100km da avenida, devido aos anos- luz entre os dois universos —, ela já recebia aplausos e carinho do público que não a veria desfilar.

— Bethânia, uhu! — berrava um fã empolgado. — Sonho meu, vai buscar quem mora longe, sonho meu...

Ao longo de toda a concentração, a baiana, que completará 70 anos no dia 18 de junho, foi acompanhada pelos gritos dos fãs, muitos dos quais, inutilmente, brandiam um telefone celular, na tentativa de fotografá- la no escuro e de longe. Ela sorria e acenava para todos.

Quando finalmente o carro se aproximou da entrada do desfile, fez- se ouvir o samba, que Bethânia e as meninas sabiam cantar de cor. Elas só não contavam com o grupo Swing & Simpatia, que se apresentava no Terreirão do Samba no mesmo horário, e cujo som abafava as caixas acústicas da concentração — sim, lá, ouve- se ainda pior do que no interior da passarela.

O carro com Bethânia, Júlia e Nina fez a curva ( duas vezes; na primeira, teve de recuar para corrigir o trajeto) rumo à Sapucaí às 5h18m, quando a Mangueira contabilizava 50 minutos de desfile, e a avenida já tinha sido devidamente incendiada. Em 29 minutos, ela ouviu e deixou de ouvir gritos de todos os lados; mexeu no cabelo com boa frequência, dançou com as mãos nas cadeiras, deu passinhos para frente e para trás, pediu cuidado às duas meninas ( que pulavam como pipocas a cada “saravá” do samba), emocionou- se e sorriu. A performance esperada da cantora foi a cereja do bolo para a apresentação surpreendente da Mangueira, que levou para a avenida o enredo “Maria Bethânia — A menina dos olhos de Oyá”.

— Estou muito emocionada, claro, foi comovente demais. A Mangueira é minha escola, e ser escolhida como homenageada é lindo demais. Fiquei contente por ver a escola feliz com o enredo, as pessoas realmente envolvidas, cantando e acenando. Nossa chegada à Apoteose também foi muito emocionante — disse a cantora ontem, horas após o desfile.

Bethânia lembrou quando desfilou na Mangueira em 1994:

— Quando participei do desfile dos Doces Bárbaros, quase morri, era muito alto. Me botaram num queijo sozinha, lá em cima, eu abri a escola. Desta vez, exigi que não fosse tão alto.

A cantora elogiou, ainda, o trabalho do carnavalesco Leandro Vieira. Segundo Bethânia, ele tem muito bom gosto. Ela disse ainda ter ficado feliz com o Estandarte de Ouro de melhor escola conquistado pela Mangueira:
— É um cansaço danado! Mas, se for para volta para o Desfile das Campeãs, eu volto, claro.

10 fev 2016

O Globo


Ao homenagear Bethânia a Mangueira trouxe pra avenida a essência da cultura brasileira, aquela que aos poucos desaparece na pós-modernidade: o sincretismo, a poesia, a cultura do interior, uma crença nas forças da natureza, santos e orixás, rios e mares, a tradição da mestiçagem.
Foi um desfile belíssimo e não apenas para quem é fã da cantora ou da escola de samba. Principalmente para quem é fã desse Brasil aí, que teima em não desaparecer, que resiste ao fundamentalismo e à pasteurização da cultura. Um pouquinho do século XX que ainda vive em nós.
Obrigada, Bethânia.
Parabéns, Mangueira.
Máira Nunes no facebook












A menina dos olhos de Oyá exuzilhou o racismo religioso na avenida
Por Cidinha da Silva

A menina dos olhos de Oyá foi reverenciada na passarela do samba. O enredo da Mangueira popularizou para o grande público o codinome dado à cantora Maria Bethânia por sua Iyalorixá, Menininha do Gantois, imortalizada na canção de Caymmi de 1972, Oração à Mãe Menininha.


Quem não se lembra do dueto de Gal e Bethânia louvando a venerável matriarca: A estrela mais linda, hein / Tá no Gantois / E o sol mais brilhante, hein? / Tá no Gantois / Olorum quem mandou essa filha de Oxum / tomar conta da gente e de tudo cuidar / Ai, minha mãe / Minha mãe Menininha? / Ai, minha mãe / Menininha do Gantois.

Ou da menos conhecida, mas igualmente bela, Réquiem pra Mãe Menininha do Gantois, composta e interpretada por Gilberto Gil, em 1986, quando da partida da Iyalorixá para o Orum. Uma homenagem pujante e clássica, um réquiem para aquela mulher fundamental na expressão da religiosidade brasileira em seus fundamentos africanos. Foi / Minha mãe se foi / Minha mãe se foi / Sem deixar de ser – ora, iêiê, ô / Sem deixar de ser a rainha do trono dourado de Oxum / Sem deixar de ser mãe de cada um / Mãe / Do Orum, do céu / Do orum, do céu / Me ajuda a viver nesse ilê aiê.

Músicas de um tempo, as décadas de 1970 e 1980, em que as religiões de matrizes africanas podiam ser livremente cultuadas, pelo menos no cancioneiro popular e no carnaval. Pois, a perseguição policial aos terreiros se manteve desde os primórdios do período escravista, quando, para realizar as cerimônias, os rituais religiosos africanos precisavam se travestir da liturgia católica. Foram décadas de acossamento visível na invasão e destruição de terreiros, espancamento de freqüentadores e sacerdotes, seqüestro de patrimônio, ainda hoje em mãos da polícia, ocorrido nas primeiras décadas do século XX, também de persecução menos percebida às casas de asé, no período da ditadura civil-militar.

Hoje, com a hegemonia das igrejas caça-níqueis e sua sanha militarizada contra os terreiros de candomblé, materializada no apedrejamento de praticantes, invasão e destruição material dos espaços de culto - veja-se o exemplo do incêndio criminoso no Ilê Asé Oyá Bagan, em Brasília, em 2015, entre dezenas de outros. Disseminam-se também as agressões morais às autoridades religiosas do candomblé, casas de umbanda, centros de cura regidos por princípios de religiões africanas e afro-ameríndias; homicídio de sacerdotes, dolosos ou não; agressões físicas de Norte a Sul do país.

O enredo A menina dos olhos de Oyá embasa a luta contra o racismo religioso. Espraia o ideário do 21 de janeiro, data do falecimento da Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, de Salvador, em decorrência de agressões sofridas por uma igreja evangélica, em outubro de 1999.

Na ocasião, o jornal Folha Universal estampou na capa uma foto de Mãe Gilda, em trajes cerimoniais para ilustrar uma matéria cujo título era: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A casa da Iyalorixá foi invadida. O marido foi agredido verbal e fisicamente por membros dessa igreja evangélica e sua casa de asé foi depredada. Mãe Gilda não suportou os ataques e enfartou. Faleceu três meses depois, no dia 21 de janeiro de 2000, tornado então Dia nacional de combate à intolerância religiosa.

O desfile de carnaval campeão da Mangueira é um suspiro de liberdade para todas as pessoas que professam um mundo de respeito às crenças de cada ser humano. E no caso brasileiro, à valorização coletiva das culturas africanas, estruturantes deste país.

Mas quem é Oyá, Iansã, representada por sua filha, a cantora Maria Bethânia na Sapucaí? Para conhecê-la, bem como a sua presença nos rituais artísticos da filha dileta, recomendo a leitura da dissertação do antropólogo Marlon Marcos (UFBA), OYÁ-BETHÂNIA: os mitos de um orixá nos ritos de uma estrela. De certo, uma das dezenas de materiais consultados pelo carnavalesco e compositores da verde e rosa para o desenvolvimento do enredo.

Marlon Marcos a define assim: “Dos orixás cultuados no Brasil, um dos mais populares é Oyá, mais conhecida como Iansã. Esta deusa africana começou a ser cultuada primeiramente entre os iorubás. E a sua adoração passou a atingir toda a extensão das diversas etnias do mundo iorubano, fincando-se destacadamente em cidades como Oyo, Kossô, Irá, Ifé, Ketu, regiões que hoje compreendem uma parte da Nigéria e do atual Benin. Oyá é o orixá dos grandes movimentos e das várias formas. Formas estas que representam seu domínio sobre vários elementos da natureza, a sua essência é a liberdade inclinada à constante transformação.”

Bethânia, emocionada ao final do desfile das campeãs, em resposta inteligente a mais uma pergunta tola, rogou para que Iansã nunca nos esqueça, pois sem ela não se anda! É que Iansã é movimento. A mais pura e contraditória expressão do movimento. É a senhora dos ventos, das tempestades, dos raios e trovões. Da mudança. Da transformação. Da impermanência. Por isso, sem ela não se anda.

A cantora, desejosa de homenagear a mãe, D. Canô, fez uma tatuagem de rosa vermelha no braço que empunha o microfone, para que todos vissem. Revelou que a tatuagem é temporária, porque por interdição religiosa não pode tatuar o corpo.

Outra demonstração de fidelidade a preceitos religiosos dada pela Estrela emergiu de uma interpretação do pessoal do dendê. Segundo eles, Bethânia desfilou no chão no dia de comemoração da vitória porque, caso viesse em carro alegórico, ficaria numa posição acima da cabeça de sua Iyalorixá, Mãe Carmem, que a assistia de um camarote. Isso não seria aceitável. Na versão da cantora, apresentada a jornalistas, houve um problema com o carro e ela não teria conseguido chegar a ele.

Cada um escolhe a versão que mais lhe sirva ou encante. Cá comigo, penso que Bethânia está certa em se preservar. A turma do dendê também, ao revelar o que pode fortalecer o costume. Tudo é enredo. Tudo é mistério em transformação.

Eparrey, Oyá! Eparrey!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Prazeres da "melhor idade"

Por Ruy Castro

Melhor idade é a puta que te pariu – a melhor idade é de 18 aos 40 anos…
A voz em Congonhas anunciou: "Clientes com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão preferência etc.". Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais, nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a "melhor idade" – algo entre os 60 anos e a proximidade da morte.
Para os que ainda não chegaram a ela, "melhor idade" é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho porque o sinal abriu e agora terá de correr para salvar a vida. Ou quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.
Privilégios da "melhor idade" são o ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão lembrando placar de basquete americano, a falência dos neurônios, as baixas de visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a tendência à obesidade e as disfunções sexuais. Ou seja, nós, da "melhor idade", estamos com tudo, e os demais podem ir lamber sabão.
Outra característica da "melhor idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar.
Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo(que têm os dedos ligados por uma membrana) da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou: "Voltando da farra, Ruy?". Respondi, eufórico: "Que nada!
Estou voltando da farmácia!". E esta, de fato, é uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda consiga ir.
Primeiro, a aposentadoria é pouca, quase uma esmola, e você tem que continuar a trabalhar para melhorar as coisas. Depois vem a condução.
Você fica exposto no ponto do ônibus com o braço levantado esperando que algum motorista de ônibus te veja e por caridade pare o veículo e espere pacientemente você subir antes de arrancar com rapidez como costumam fazer.
No outro dia entrei no ônibus e fui dizendo: – "Sou deficiente".
O motorista me olhou de cima em baixo e perguntou: – "Que deficiência você tem?"
– "Sou broxa!"
Ele deu uma gargalhada e eu entrei.
Logo apareceu alguém para me indicar um remédio. Algumas mulheres curiosas ficaram me olhando e rindo…
Eu disse bem baixinho para uma delas:
– "Uma mentirinha que me economizou R$ 3,00, não fica triste não", foi só para viajar de graça.
Bem… fui até a pedra do Arpoador ver o por do sol.
Subi na pedra e pensei em cumprir o ritual que costuma ser feito pelos mais jovens no local. Logicamente velho tem mais dificuldade. Querem saber?
Primeiro, tem sempre alguém que quer te ajudar a subir: "Dá a mão aqui, senhor!!!"
Hum, dá a mão é o cacete, penso, mas o que sai é um risinho meio sem graça.
Sentar na pedra e olhar a paisagem era tudo o que eu queria naquele momento.
É, mas a pedra é dura e velho já perdeu a bunda e quando senta sente os ossos em cima da pedra, o que me faz ter que trocar de posição a toda hora.
Para ver a paisagem não pode deixar de levar os óculos se não, nada vê.
Resolvo ficar de pé para economizar os ossos da bunda e logo passa um idiota e diz:
– "O senhor está muito na beira pode ter uma tontura e cair."
Resmungo entre dentes: … "só se cair em cima da sua mãe"… mas, dou um risinho e digo que esta tudo bem.
Esta titica deste sol esta demorando a descer, então eu é que vou descer, meus pés já estão doendo e nada do por do sol.
Vou pensando – enquanto desço e o sol não – "Volto de metrô é mais rápido…"
Já no metrô, me encaminho para a roleta dos idosos, e lá esta um puto de um guarda que fez curso, sei eu em que faculdade, que tem um olho crítico de consegue saber a idade de todo mundo.
Olha sério para mim, segura a roleta e diz:
– "O senhor não tem 65 anos, tem que pagar a passagem."
A esta altura do campeonato eu já me sinto com 90, mas quando ele me reconhece mais moço, me irrompe um fio de alegria e vou todo serelepe comprar o ingresso.
Com os pés doendo fico em pé, já nem lembro do sol, se baixou ou não dane-se. Só quero chegar em casa e tirar os sapatos…
Lá estou eu mergulhado em meus profundos pensamentos, uma ligeira dor de barriga se aconchega… Durante o trajeto não fui suficientemente rápido para sentar nos lugares que esvaziavam…
Desisti… lá pelo centro da cidade, eu me segurando, dei de olhos com uma menina de uns 25 anos que me encarava… Me senti o máximo.
Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns 3 dias mais jovem.
Quando já contente, pelo menos com o flerte, ela ameaçou falar alguma coisa, meu coração palpitou.
É agora…
Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé Bonitinho) ela pegou na minha mão e disse:
– "O senhor não quer sentar? Me parece tão cansado?"
Melhor Idade ??? – Melhor idade é a puta que te pariu !

Prazeres da "melhor idade" - RUY CASTRO


Folha de SP - 28/01/12
Ruy Castro é escritor e jornalista, trabalhou nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo.