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sábado, 24 de setembro de 2011

Demorô - Joyce



GENTILEZA

(publicado em 10/8/2000 por JOYCE)

Lyonette deve andar pelos seus 70 anos, ou quase. Trabalha no café da livraria Barnes and Noble (filial Chelsea, 6ª Avenida, em Nova York), usa um uniforme preto com aventalzinho branco de garçonete e prende os cabelos com uma rede que me faz lembrar alguma coisa boa da minha infância, nas profundezas dos anos 50. Terá sido por isso que gostei tanto dela? O cabelo preso com rede terá talvez me levado de volta ao quarto da Nercília, que trabalhava em nossa casa, comprava “A Modinha Popular” e sumiu com um namorado num dia de carnaval.
Talvez Nercília tenha envelhecido com a cara de Lyonette. Talvez Lyonette seja uma Nercília americana, já cansada de muitos carnavais, hoje atendendo num balcão de cafeteria. Ela deve ter filhos e netos, uma família, uma igreja, uma comunidade a que pertence. Trabalha na Barnes and Noble de segunda a sábado, horário integral, servindo cappucinos e croissants para novaiorquinos estressados. E no entanto, Lyonette é uma pessoa gentil. Coisa rara, raríssima em Nova York, onde cada vez mais é cada um por si e salve-se quem puder.
Tomar café da manhã dentro de uma grande livraria, que tem praticamente qualquer livro que se queira, é um prazer que pode ser facilmente estragado por um mau atendimento. Novaiorquinos são assim mesmo: não estão nem aí para você ou seus problemas. Se você pergunta “tudo bem?”, arrisca ouvir de volta um “não é da sua conta”, para dizer o mínimo. Nas lojas, os vendedores são arrogantes, vai comprar ou não? Azar o seu. Próximo! Coisas de país rico demais, onde um cliente a mais ou a menos não faz a menor diferença.
Por isso fiquei fã de Lyonette, que me pergunta como eu vou, se quero hoje o mesmo de ontem, como foi meu dia _ essas coisas simples que a gente ainda faz aqui no Brasil. Por gentileza, e nada mais.

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