"Os Sertões" de Euclides da Cunha é, quase certamente, a obra maior da literatura brasileira, onde Euclides nos apresenta, num vocabulário variado eivado de regionalismos, - e, bem de acordo com sua formação em engenharia e ciências naturais, conhecimentos enciclopédicos de geologia e geografia, além de botânica e antropologia, - o que aconteceu em Canudos, não apenas a “guerra” em si, mas um estudo crítico profundo da sociedade brasileira, tal como se apresentava em fins do século dezenove.
A república brasileira havia nascido em meio a problemas sociais de relevância, os quais perdurariam, a rigor, até o fim da república velha em 1930. Através de caciques políticos e os chamados “Coronéis”, oligarquias estaduais detinham todo o poder, a chamada política café com leite que alternaria o comando do país entre Minas e São Paulo, estava se delineando. Expressões como votos de cabresto, currais eleitorais, eleições a bico de pena e toda uma neo nomenclatura “democrática” viria a nascer desse estado de coisas. A população, que nessa época vivia quase exclusivamente no campo, se via obrigada a trabalhar nos cafezais e nas plantações de cana, e nada influía nos destinos políticos do país. Os dois primeiros presidentes, Marechais Deodoro e Floriano, verdadeiros oligarcas, em nenhum momento perdiam o sono com os problemas dessa população de oprimidos por um sistema que, se havia mudado, era apenas de rótulo, monarquia para república. O povo, inconformado, organizava revoltas e, por associação de ideias, atribuía todos os males de que era vítima a essa tal república, que nem sequer entendia o que significava. A "Guerra de Canudos" foi uma consequência clássica dessa opressão.
Canudos era uma vila no interior do sertão baiano, à margem esquerda do arroio vaza-barris, com cerca de 7000 casas de pau-a-pique construídas sem qualquer regularidade ou planejamento, formando um autêntico labirinto ligeiramente retangular. Os quase 30 mil habitantes, pessoas humildes, crédulas e desesperançadas, seguiam as orientações políticas e religiosas de Antonio Maciel, O Conselheiro. Ele pregava que o messias viria e iria destruir todos os homens maus, preservando seus seguidores, homens probos. Além disso, meio enigmático, afirmava que o sertão iria virar mar e este viraria sertão. Aqueles esquecidos ingênuos viam em Conselheiro a tábua de salvação, um líder que lhes trazia esperança de vida melhor, a qual agarravam com forças de náufragos.
Mas a suposta autonomia de Canudos passou a incomodar os poderosos e a igreja, insuflados pelos jornais os quais afirmavam que Conselheiro pregava contra a república e que Canudos era um movimento a favor da monarquia. O poder público, primeiro baiano depois federal, encetou quatro campanhas militares para subjugar Conselheiro e seus fanáticos.
Euclides da Cunha foi colaborador, ou correspondente de guerra, para o "Estado de São Paulo", que o enviou a Canudos para, junto à quarta expedição militar, descrever o que lá acontecia. Com base nas acuradas observações que realizou e deduções que tirou, escreveu sua mais brilhante obra, em 1902.
O autor divide seu livro em três partes: A Terra, O Homem, A Luta. Lembrando que o cienticifismo estava em alta, não é de estranhar que o Determinismo de Hypolite Taine, o qual rezava que para se estudar um povo era preciso conhecer o seu meio, sua origem e sua história, tenha influenciado Euclides, o qual menciona Taine na introdução.
"A Terra", primeira parte do livro, é praticamente um relato científico do meio em que o sertanejo vive, descrevendo em detalhes, características do árido sertão nordestino, inserido num universo maior, as terras brasileiras. O alvo é o sertão da Bahia. Localiza-o e preocupa-se com todos os pormenores do cenário, em constante mutação, com córregos e rios que secam ou transbordam; descreve a orografia e detalhes geográficos relevantes. Analisa todos os locais antes de fazer entrar em cena muitos personagens diferentes, e os soldados das quatro expedições para se iniciar a luta. O mais interessante é que a descrição da paisagem é feita a partir de uma visão aérea, ou seja, como se o autor estivesse sobrevoando a região numa época que isso era impossível.Em "O Homem" mostra o duro sertanejo, sua cultura, seus costumes, suas crenças e suas origens. Surgem os jagunços, sertanejos, párias isolados há séculos no sertão, o que provocou sua estagnação cultural. Também faz um estudo sobre Antonio Conselheiro, que, segundo o autor, reúne em torno de si, pessoas alienadas e retardadas culturalmente. Afirmação que, a nós do século vinte e um, pode parecer “politicamente incorreta”, mas que naquela época estava bem de acordo com o que predominava no campo das ideias antropológicas.Quanto a essas últimas afirmações, o autor as contraria na terceira parte do livro, "A Luta", porquanto esse povo sertanejo mostra-se extremamente tenaz equiparando-se ao exército "civilizado”, aliás, Euclides chega a afirmar que “o nordestino é, antes de tudo, um forte”. "A Luta" é parte mais importante do livro, onde mostra o massacre feito pelo exército àqueles sertanejos, que lutaram até o trágico fim, como ele nos conta: "Canudos não se rendeu. Talvez, caso singular em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam ruinosamente cinco mil soldados" .
A vila/reduto de Canudos foi massacrada, mas seus acontecimentos estão eternizados graças a essa obra épica. Quando a "Guerra" completou cem anos, Mario Vargas Llosa publicou “A guerra do fim do mundo” livro que homenageia Euclides, Canudos e sua população revoltosa que não foi domada, e sim exterminada.Euclides da Cunha, denunciando a situação miserável do caboclo nordestino abandonado pelo poder oligárquico, alcançou seu objetivo ao escrever "Os Sertões". O mesmo poder que ainda sobrevive, foi aquele que ao invés de olhar para aquela situação opressora, o que fez foi intervir com violência e crueldade para, supostamente, salvar a república. Esta revolta mostra o descaso dos governantes com relação aos grandes problemas sociais do Brasil. Assim como as greves, as revoltas que reivindicavam melhores condições de vida (mais empregos, justiça social, liberdade, educação etc), foram tratadas como "casos de polícia" pelo governo republicano. A violência oficial foi usada, muitas vezes em exagero, na tentativa de calar aqueles que lutavam por direitos legítimos e melhores condições de vida.
A república brasileira havia nascido em meio a problemas sociais de relevância, os quais perdurariam, a rigor, até o fim da república velha em 1930. Através de caciques políticos e os chamados “Coronéis”, oligarquias estaduais detinham todo o poder, a chamada política café com leite que alternaria o comando do país entre Minas e São Paulo, estava se delineando. Expressões como votos de cabresto, currais eleitorais, eleições a bico de pena e toda uma neo nomenclatura “democrática” viria a nascer desse estado de coisas. A população, que nessa época vivia quase exclusivamente no campo, se via obrigada a trabalhar nos cafezais e nas plantações de cana, e nada influía nos destinos políticos do país. Os dois primeiros presidentes, Marechais Deodoro e Floriano, verdadeiros oligarcas, em nenhum momento perdiam o sono com os problemas dessa população de oprimidos por um sistema que, se havia mudado, era apenas de rótulo, monarquia para república. O povo, inconformado, organizava revoltas e, por associação de ideias, atribuía todos os males de que era vítima a essa tal república, que nem sequer entendia o que significava. A "Guerra de Canudos" foi uma consequência clássica dessa opressão.
Canudos era uma vila no interior do sertão baiano, à margem esquerda do arroio vaza-barris, com cerca de 7000 casas de pau-a-pique construídas sem qualquer regularidade ou planejamento, formando um autêntico labirinto ligeiramente retangular. Os quase 30 mil habitantes, pessoas humildes, crédulas e desesperançadas, seguiam as orientações políticas e religiosas de Antonio Maciel, O Conselheiro. Ele pregava que o messias viria e iria destruir todos os homens maus, preservando seus seguidores, homens probos. Além disso, meio enigmático, afirmava que o sertão iria virar mar e este viraria sertão. Aqueles esquecidos ingênuos viam em Conselheiro a tábua de salvação, um líder que lhes trazia esperança de vida melhor, a qual agarravam com forças de náufragos.
Mas a suposta autonomia de Canudos passou a incomodar os poderosos e a igreja, insuflados pelos jornais os quais afirmavam que Conselheiro pregava contra a república e que Canudos era um movimento a favor da monarquia. O poder público, primeiro baiano depois federal, encetou quatro campanhas militares para subjugar Conselheiro e seus fanáticos.
Euclides da Cunha foi colaborador, ou correspondente de guerra, para o "Estado de São Paulo", que o enviou a Canudos para, junto à quarta expedição militar, descrever o que lá acontecia. Com base nas acuradas observações que realizou e deduções que tirou, escreveu sua mais brilhante obra, em 1902.
O autor divide seu livro em três partes: A Terra, O Homem, A Luta. Lembrando que o cienticifismo estava em alta, não é de estranhar que o Determinismo de Hypolite Taine, o qual rezava que para se estudar um povo era preciso conhecer o seu meio, sua origem e sua história, tenha influenciado Euclides, o qual menciona Taine na introdução.
"A Terra", primeira parte do livro, é praticamente um relato científico do meio em que o sertanejo vive, descrevendo em detalhes, características do árido sertão nordestino, inserido num universo maior, as terras brasileiras. O alvo é o sertão da Bahia. Localiza-o e preocupa-se com todos os pormenores do cenário, em constante mutação, com córregos e rios que secam ou transbordam; descreve a orografia e detalhes geográficos relevantes. Analisa todos os locais antes de fazer entrar em cena muitos personagens diferentes, e os soldados das quatro expedições para se iniciar a luta. O mais interessante é que a descrição da paisagem é feita a partir de uma visão aérea, ou seja, como se o autor estivesse sobrevoando a região numa época que isso era impossível.Em "O Homem" mostra o duro sertanejo, sua cultura, seus costumes, suas crenças e suas origens. Surgem os jagunços, sertanejos, párias isolados há séculos no sertão, o que provocou sua estagnação cultural. Também faz um estudo sobre Antonio Conselheiro, que, segundo o autor, reúne em torno de si, pessoas alienadas e retardadas culturalmente. Afirmação que, a nós do século vinte e um, pode parecer “politicamente incorreta”, mas que naquela época estava bem de acordo com o que predominava no campo das ideias antropológicas.Quanto a essas últimas afirmações, o autor as contraria na terceira parte do livro, "A Luta", porquanto esse povo sertanejo mostra-se extremamente tenaz equiparando-se ao exército "civilizado”, aliás, Euclides chega a afirmar que “o nordestino é, antes de tudo, um forte”. "A Luta" é parte mais importante do livro, onde mostra o massacre feito pelo exército àqueles sertanejos, que lutaram até o trágico fim, como ele nos conta: "Canudos não se rendeu. Talvez, caso singular em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam ruinosamente cinco mil soldados" .
A vila/reduto de Canudos foi massacrada, mas seus acontecimentos estão eternizados graças a essa obra épica. Quando a "Guerra" completou cem anos, Mario Vargas Llosa publicou “A guerra do fim do mundo” livro que homenageia Euclides, Canudos e sua população revoltosa que não foi domada, e sim exterminada.Euclides da Cunha, denunciando a situação miserável do caboclo nordestino abandonado pelo poder oligárquico, alcançou seu objetivo ao escrever "Os Sertões". O mesmo poder que ainda sobrevive, foi aquele que ao invés de olhar para aquela situação opressora, o que fez foi intervir com violência e crueldade para, supostamente, salvar a república. Esta revolta mostra o descaso dos governantes com relação aos grandes problemas sociais do Brasil. Assim como as greves, as revoltas que reivindicavam melhores condições de vida (mais empregos, justiça social, liberdade, educação etc), foram tratadas como "casos de polícia" pelo governo republicano. A violência oficial foi usada, muitas vezes em exagero, na tentativa de calar aqueles que lutavam por direitos legítimos e melhores condições de vida.
JAIR, Floripa, 16/10/09.
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