Marlene Bergamo/Folhapress | ||
José Mayer em um hotel de São Paulo |
'Me libertei'
José Mayer não vai mais pintar os cabelos; livre da obrigação de ser galã, estrela musical em SP e, aos 63, celebra a descoberta de 'um novo caminho'
Ele se despediu nesta semana do sucesso do pescador "Pereirinha", da novela "Fina Estampa", um dos poucos papéis recentes em que não posou de galã. Nos próximos meses, vai se dedicar exclusivamente ao musical "Um Violinista no Telhado", que passou um ano em cartaz no Rio e fica até julho em SP. José Mayer falou à coluna sobre carreira, beleza, saúde, política, casamento e infidelidade. Abaixo, um resumo:
APRENDIZ DE PADRE
Eu fui seminarista durante sete anos em Congonhas do Campo, em Minas Gerais. Era um sonho a família ter um filho padre ou que estudasse num colégio [religioso]. Morei no seminário fechado, confinamento, vida intramuros, fingindo que ia ser padre. Talvez tenha sido o meu primeiro trabalho de ator. Um trabalho longo, dos 11 aos 18 anos.
Digamos que no primeiro ano eu ainda tivesse alguma fé (risos). Mas, a partir daí, eu já não acreditava em nada daquilo, eu era ateu mesmo. Sou sincrético, agnóstico.
HOMOSSEXUAIS NA IGREJA
[No seminário] São homens confinados. Há isso, sim. Mas eu não tenho nenhum rancor em relação à minha formação católica. Pelo contrário. Ali, eu aprendi música, teatro, cinema, tudo. Tinha 14 anos quando comecei a interpretar. Cantei Vivaldi, Mozart, Handel. Participava de procissões, cantava com as multidões. A tradição católica tem uma enorme riqueza cultural. E um imenso poder de castração. Talvez o teatro tenha me libertado um pouco disso aí.
O PALCO
Entrei em filosofia e letras, em BH. Caí no meio de um momento político brutal, em 1968. Tive um teatro, o Senac, e ali, de 73 a 79, fiz 11 produções. Levei três ao Rio, flertando com a possibilidade de me tornar profissional.
CASAMENTOS
Eu tenho três casamentos longos: com a minha mulher, Vera [Fajardo], a campeã. Estamos juntos há 37 anos. E com [os autores de novela] Manoel Carlos e Aguinaldo Silva. Somos um triângulo. Com cada um deles fiz seis novelas e uma minissérie. Empate absoluto. Aguinaldo tem a primazia no tempo. Com ele fiz "Bandidos da Falange", em 82. Eu era desconhecido. Tinha 33 anos, a idade de Cristo.
GALÃ
O homem no pleno exercício da sua capacidade de sedução, isso tem um prazo de validade. A natureza é sábia e diz que, a partir de um certo ponto, você ganha um certo pudor em relação a si mesmo. Já não é mais um caçador. Os jovens vêm e substituem você. Então o sedutor, o homem predador, já não faz sentido. Eu já tenho 63 anos. Digamos que chegou a hora de ter um papel de juiz, de milionário, padre.
Folha - Você já afirmou: "As bichas dizem 'tô bege', mas bege é o galã".
Os galãs são difíceis de interpretar. Difíceis. Em geral, são lineares, previsíveis. O galã é justo, é equânime, tem senso de equilíbrio, é o referencial moral dentro da história. No fundo, ele é um chato. Não é surpreendente. Imprevisível. Não quebra a história numa direção ou noutra. Os vilões fazem isso. Produzem adrenalina. Se tudo é previsível, como é o caso do galã, dá um certo sono. E ele tem outra coisa complicada que é o compromisso com o glamour. Tem que estar bem, não pode estar com muitos fios brancos, tem que estar barbeado, bem vestido, em forma, nenhuma barriga.
Folha - Antes você pintava os cabelos brancos?
Fazia luzes ao contrário. Já ouviu falar? O Silvio Santos não admitiu agora os cabelos brancos? Isso é uma libertação. Parabéns, Silvio, ele é meu modelo. Estou nesse caminho. Uma vez que estou livre da função [de galã], quem sabe eu possa ficar completamente grisalho? Me livrei.
BONITO PARA SEMPRE
Essa coisa do glamour é um pouco chata. Ter que ficar bonito pra sempre? Para a minha idade, eu tô maravilhoso, me acho bom (risos). Há uma geração aí que está inaugurando os novos velhos, sexagenários. Essa rapaziada toda... Chico Buarque, Caetano Veloso, eles são lindos, não são? Estamos prolongando um pouco a ideia de uma juventude... sei lá... de cabelos brancos, da maturidade, da experiência. E com qualidade de vida, de saúde, de corpo.
Caminho. Nado um pouco. Eu sou da teoria dos dez mil passos: se você caminha esse tanto, não é um sedentário. Não precisa contar. Desde que trabalhe e ande o dia inteiro...
Adoro uma carne de porco. Bebo o necessário, como todo bom mineiro. Bebo sempre às refeições, ou vinho ou a destilada. Sou mais a destilada. A cachacinha. E eu também sou Drummond, escocês.
Por enquanto está ótimo, eu não estou me aborrecendo, não. Descobri um caminho novo na minha idade. Redescobri a música!
E aprendi uma coisa importante: estar no presente. Estou aqui, agora. Mal tenho memória sobre o que me aconteceu ontem. Não me preocupo muito sobre o que vem amanhã.
Na vida, você é mais galã do que quebrador de regras.
Cê acha? Sou pacato, como convém a todo bom mineiro. Mineiro odeia sustos e sobressaltos.
CASAMENTO ABERTO
Eu disse [que mantém um casamento aberto]? Não. Talvez eu tenha dito outra coisa.
FIDELIDADE
Não é uma obrigatoriedade. Para casamentos longos, é uma impossibilidade. Pode haver casamentos absolutamente fiéis. Mas sou imperfeito em muitos aspectos e fui imperfeito aí também. Tenho orgulho do casamento que construí com Vera e da nossa capacidade mútua de compreensão e aceitação dos nossos limites. Casamento não é uma coisa pronta, estabelecida e acabada. É um processo, uma longa construção. É uma obra inacabada ao longo da vida. O importante é que se mantenha. Nos juntamos em 75. Plantamos uma parreira de uva e pronto. Deu certo. Prometo que ainda me caso com ela!
CRIANÇAS
Temos uma filha linda. Tentamos mais filhos. Mas a gravidez sempre foi complicada. A Julia nos abençoa a cada dia. E hoje, atriz, contracenando comigo, meu Deus...
Eu juro a você: a relação do velho ator e da jovem atriz no palco foi mais sagrada do que a paternidade [quando contracenou com a filha]. Eu fiquei mais atento a isso e me esqueci de que era o pai.
GOVERNO
Tô achando a nossa ministra [Ana de Hollanda, da Cultura] um pouco... bege. E não é o momento para ser bege, né?
NOVOS ATORES
Hoje a notoriedade, a fama, às vezes abrem portas imediatas. Gente que vem do 'BBB', gente que é bonita demais, gente que é parente de alguém. São outras portas.
No meu tempo o trajeto normal era o teatro. A televisão buscava no palco os seus intérpretes preferenciais. Hoje não necessariamente. A televisão lança mão de outros trunfos. Às vezes, uma pessoa célebre interessa. O que vale é chamar a atenção. Mas numa novela, quando entra um ator de teatro, a diferença é absoluta. Os olhares se voltam para ele. O ator de teatro tem o chamado carisma, que não é só dom, bênção. É também uma aquisição.
NOVELAS
Novela quer dizer novelo. Enrolação. Você está sempre adiando os acontecimentos. Ninguém precisa de tanta página para contar uma história! Nem Sherazade. Por isso prefiro teatro, cinema. As minhas novelas, eu vejo todas. Mas só as minhas.
PEREIRINHA
Fico pasmo de ver que ainda hoje a novela tem essa formidável audiência. A novela, o futebol, são assuntos convergentes. Você chega na tua repartição, fala de Scorsese? Não, você vai falar da novela, que é um assunto comum a todos. É um congraçamento.
Onde eu estou, gritam: "Ô Pereirinha". Todo mundo! Eu me escondo no aeroporto, fico de costas, as pessoas olham e começam a rir. Todo mundo se julga no direito de chegar e me apertar. Perguntam: "E o robalo?". "Tá comigo!" Eu entro na brincadeira.
Ainda hoje há preconceito em relação à televisão. Mas naqueles momentos de produção industrial, a gente consegue instantes de criação artística, sim. Fora a formidável comunicação e audiência.
Quando eu entro em cena para fazer "Um Violinista no Telhado" e sou aplaudido antes de começar o espetáculo, por que você acha? É pelo que vão ver no teatro ou é uma homenagem por tudo o que eu já fiz na televisão?
"O sedutor, o predador, já não faz sentido. Tenho 63 anos. Chegou a hora de ter um papel de juiz, de padre"
"O Silvio Santos não admitiu os cabelos brancos? Parabéns, Silvio. É meu modelo"
"Bebo às refeições. Sou mais a destilada. A cachacinha"
" [A fidelidade] é uma impossibilidade"
"Sou imperfeito em vários aspectos e fui imperfeito aí também"
"Tô achando a nossa ministra da Cultura um pouco... bege"
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