Estudo sobre mortalidade de 12,3 mil idosos na América Latina, China e Índia conclui que a falta de políticas públicas faz com que doenças tratáveis gerem mais óbitos que o previsto.
Paloma Oliveto
Aos 63 anos, a aposentada Maria Pereira sofre com um sério problema na coluna e precisa de um marcapasso para controlar um mal cardíaco |
A morte está chegando cedo demais para os idosos, segundo um estudo da pesquisadora brasileira Cleusa Ferri, do King’s College London e da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), publicado na revista PLoS Medicine. Embora seja natural que a maior parte dos óbitos ocorra entre pessoas mais velhas, o aumento mundial da expectativa de vida faz com que homens e mulheres com mais de 60 anos ainda tenham um grande potencial de contribuição à sociedade. Essa faixa etária, porém, de acordo com o artigo, é negligenciada, principalmente em países em desenvolvimento, onde faltam políticas específicas para ela.
“Eu acho que uma das mensagens mais importantes desse estudo é chamar a atenção para o fato de que o conceito de morte precoce está mudando”, destaca Cleusa. “Hoje, as pessoas estão vivendo mais e contribuindo para a sociedade por mais tempo, daí a importância de se estudar o assunto nesse grupo etário”, justifica. No artigo publicado na PLoS, uma equipe internacional de pesquisadores analisou as tendências de mortalidade entre 12.373 idosos da América Latina, da Índia e da China. As principais causas de óbito são as doenças crônicas, embora, em alguns lugares, tuberculose e problemas hepáticos estejam no topo do ranking. Dados do Brasil não entraram, mas, de acordo com o Ministério da Saúde, a realidade aqui não é diferente.
Ao analisar os fatores socioeconômicos por trás das mortes, os pesquisadores constataram que educação, trabalho, renda e recebimento de pensão são inversamente proporcionais aos óbitos precoces, sendo a escolaridade o indicador mais importante. Na área urbana da Índia, por exemplo, entre a população idosa mais vulnerável, 20% encontravam-se em situação de insegurança alimentar. Na República Dominicana, somente 30,5% recebiam pensão. Na zona rural do México, 84,2% não haviam terminado sequer o ensino primário.
Vulnerabilidade Sem nenhum estudo, Maria Pereira Dias, de 63 anos, jamais recebeu orientações de campanhas sobre cuidados com a saúde. Na zona rural de Januária, no Norte de Minas, onde nasceu, começou a trabalhar cedo para ajudar a família. “Sempre trabalhei na casa dos outros, graças a Deus”, relata. O excesso de serviço prejudicou a coluna da mulher, que precisa mostrar a carteira de identidade para provar a idade – ela parece ser pelo menos 10 anos mais velha. Mesmo com dores por todo o corpo, foi doméstica até oito anos atrás, quando se aposentou, recebendo um salário mínimo por mês.
Maria tem um marcapasso, instalado há quatro anos. O que mais a incomoda, porém, são as pernas dormentes. “Eu não sei o que é isso. Já me disseram que eu tinha diabetes, depois falaram que não. Acho que é porque trabalhei muito na friagem. Às vezes, fico tonta, caio e não enxergo nada. Por causa dessas pernas, não consigo sair na rua, até porque tenho medo de ser atropelada”, diz a mulher, que é mãe de oito filhos e, mesmo doente, ajuda a criar seis netos.
Os fatores socioeconômicos são importantes, mas os pesquisadores destacam que apenas a classe social não pode explicar a vulnerabilidade de idosos ao óbito precoce. Outros estudos já demonstraram que doenças cardiometabólicas ocorrem, principalmente, entre pessoas com alto nível educacional. Por isso, eles destacam a importância de haver políticas de saúde pública direcionadas aos idosos, independentemente do fator renda. “Proteção social para pessoas mais velhas e um sistema de saúde efetivo na prevenção e no tratamento de doenças crônicas podem ser tão importantes quanto o desenvolvimento econômico e humano”, dizem no artigo.
O mundo
envelhece
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1980 e 2010, a expectativa de vida do brasileiro subiu de 62 anos e 7 meses para 73 anos e 6 meses. Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a expectativa média é de 80 anos. Já em nações mais pobres, como países da África Subsaariana, as pessoas vivem menos
que 40 anos.
envelhece
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1980 e 2010, a expectativa de vida do brasileiro subiu de 62 anos e 7 meses para 73 anos e 6 meses. Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a expectativa média é de 80 anos. Já em nações mais pobres, como países da África Subsaariana, as pessoas vivem menos
que 40 anos.
Em busca de proteção
Antenor teve de se aposentar, mas se considera apto para trabalhar |
No Brasil, há quase seis anos, foi aprovada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, voltada a cidadãos com mais de 60 anos. “O envelhecimento populacional desafia a habilidade de produzir políticas de saúde que respondam às necessidades das pessoas idosas. A proporção de usuários idosos de todos os serviços prestados tende a ser cada vez maior, quer pelo maior acesso às informações do referido grupo etário, quer pelo seu expressivo aumento relativo e absoluto na população brasileira”, justifica a Portaria nº 2.528/2006.
O documento, que institui o conjunto de medidas protetivas, como a criação da carteira de saúde do idoso e a articulação de ações do Sistema Único de Saúde com o Sistema Único de Assistência Social, destaca que incapacidades funcionais e limitações físicas não são consequências inevitáveis do envelhecimento. “A prevalência da incapacidade aumenta com a idade, mas a idade, sozinha, não prediz incapacidade”, diz o texto. “Envelhecer, portanto, deve ser com saúde, de forma ativa, livre de qualquer tipo de dependência funcional, o que exige promoção da saúde em todas as idades.”
Voltar a trabalhar e não depender de ninguém é tudo com o que sonha o aposentado Antenor José dos Santos, de 63 anos. Até oito meses atrás, ele fazia serviços gerais, de capina a montagem de tubulações 30m abaixo do solo. O trabalho rendia, em média, R$ 1 mil, o suficiente, segundo ele, para comprar alimentos e roupas e viver razoavelmente bem na casa que aluga, no Distrito Federal. Com os braços fortes e a saúde geral em dia, Antenor, porém, teve de se aposentar, ganhando um salário mínimo. Ele tem uma doença degenerativa nos membros inferiores e agora só anda de bengala. No ano passado, ficou quatro dias internado para fazer uma cirurgia, que não ocorreu. “Me mandaram embora, dizendo que não tinha mais lugar para mim. Todo mês vou atrás e não consigo remarcar a operação. Sou forte e posso trabalhar. Só que agora não consigo fazer mais nada.”
Insuficiência Cleusa Ferri reconhece os avanços da legislação e das políticas sociais brasileiras. “O Brasil, em relação a outros países em desenvolvimento, tem melhorias importantes na área de intervenções focadas na vulnerabilidade econômica e social da população idosa”, diz. Ela lembra, porém, que na prática ainda há o que melhorar.
“Estamos ainda muito aquém do que poderia ser feito, com diferenças regionais extraordinárias. Minha cunhada, recentemente, estava em férias e teve um acidente vascular cerebral no interior do Ceará e foi atendida em um serviço local. O médico a dispensou, dizendo que era ‘piripaque’”, relata Cleusa. “Meu irmão a levou para um hospital particular em Fortaleza, onde um AVC extenso foi diagnosticado, deixando sequelas importantes em uma mulher de 45 anos de idade. Essas sequelas teriam sido minimizadas ou talvez completamente eliminadas se o médico tivesse feito o diagnóstico e o tratamento agudo tivesse sido adequado. Imagine, então, a realidade da população idosa dessa mesma região”, questiona.
Para a pesquisadora, é preciso pensar não apenas nos idosos de hoje, mas nas gerações que envelhecerão. “Como sugerimos no artigo, o acesso universal à educação pode conferir benefícios à saúde de idosos no futuro. Em relação aos idosos atuais, sugerimos que as políticas de prevenção ainda são totalmente voltadas à população adulta ativa e que isso tem que mudar. Prevenir a morte precoce e melhorar a saúde do idosos em geral tem que ser uma prioridade.”
O documento, que institui o conjunto de medidas protetivas, como a criação da carteira de saúde do idoso e a articulação de ações do Sistema Único de Saúde com o Sistema Único de Assistência Social, destaca que incapacidades funcionais e limitações físicas não são consequências inevitáveis do envelhecimento. “A prevalência da incapacidade aumenta com a idade, mas a idade, sozinha, não prediz incapacidade”, diz o texto. “Envelhecer, portanto, deve ser com saúde, de forma ativa, livre de qualquer tipo de dependência funcional, o que exige promoção da saúde em todas as idades.”
Voltar a trabalhar e não depender de ninguém é tudo com o que sonha o aposentado Antenor José dos Santos, de 63 anos. Até oito meses atrás, ele fazia serviços gerais, de capina a montagem de tubulações 30m abaixo do solo. O trabalho rendia, em média, R$ 1 mil, o suficiente, segundo ele, para comprar alimentos e roupas e viver razoavelmente bem na casa que aluga, no Distrito Federal. Com os braços fortes e a saúde geral em dia, Antenor, porém, teve de se aposentar, ganhando um salário mínimo. Ele tem uma doença degenerativa nos membros inferiores e agora só anda de bengala. No ano passado, ficou quatro dias internado para fazer uma cirurgia, que não ocorreu. “Me mandaram embora, dizendo que não tinha mais lugar para mim. Todo mês vou atrás e não consigo remarcar a operação. Sou forte e posso trabalhar. Só que agora não consigo fazer mais nada.”
Insuficiência Cleusa Ferri reconhece os avanços da legislação e das políticas sociais brasileiras. “O Brasil, em relação a outros países em desenvolvimento, tem melhorias importantes na área de intervenções focadas na vulnerabilidade econômica e social da população idosa”, diz. Ela lembra, porém, que na prática ainda há o que melhorar.
“Estamos ainda muito aquém do que poderia ser feito, com diferenças regionais extraordinárias. Minha cunhada, recentemente, estava em férias e teve um acidente vascular cerebral no interior do Ceará e foi atendida em um serviço local. O médico a dispensou, dizendo que era ‘piripaque’”, relata Cleusa. “Meu irmão a levou para um hospital particular em Fortaleza, onde um AVC extenso foi diagnosticado, deixando sequelas importantes em uma mulher de 45 anos de idade. Essas sequelas teriam sido minimizadas ou talvez completamente eliminadas se o médico tivesse feito o diagnóstico e o tratamento agudo tivesse sido adequado. Imagine, então, a realidade da população idosa dessa mesma região”, questiona.
Para a pesquisadora, é preciso pensar não apenas nos idosos de hoje, mas nas gerações que envelhecerão. “Como sugerimos no artigo, o acesso universal à educação pode conferir benefícios à saúde de idosos no futuro. Em relação aos idosos atuais, sugerimos que as políticas de prevenção ainda são totalmente voltadas à população adulta ativa e que isso tem que mudar. Prevenir a morte precoce e melhorar a saúde do idosos em geral tem que ser uma prioridade.”
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