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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Fujo de filmes dublados como o diabo foge da cruz

11 Abril 2012

A maldição da dublagem


A dublagem dos filmes estrangeiros açoita a consciência dos verdadeiros amantes do bom cinema. Há algumas décadas, um deputado, Leo Simões, apresentou, ao Congresso Nacional, um projeto nesse sentido, que, para a glória dos cinéfilos, foi rejeitado. Atualmente, porém, a dublagem está a se impor sem nenhuma lei que a determine. Filmes que são lançados no circuito comercial, principalmente os blockbusters, com centenas de cópias, estão, a maioria delas, dubladas em português. Em quase todos os DVDs há, ainda, as duas opções: versão original e a dublada, mas, segundo pesquisa publicada em jornal sulino, mais de 70% dos que foram ouvidos preferem a versão dublada, muitos por causa "da preguiça de ler as legendas!" No caso dos filmes que estréiam no mercado exibidor, quando obras de nítido apelo comercial, poucas as versões originais, sendo até difícil localizá-las em que cinemas estão sendo exibidas.
A maioria do público, na verdade, somente se interessa pelo desenvolvimento da intriga, pelo enredo, e pouco se lhe dá se o filme é dublado. O cinema como estrutura audiovisual, como mise-en-scène, não tem nenhum valor para as pessoas que frequentam atualmente as salas exibidoras concentradas nos shoppings centers. O interesse apenas recai sobre os acontecimentos narrados, pela ação ininterrupta, pelos efeitos especiais, e pelas piadinhas infames sobre sexo (como nas neo-chanchadas do cinema brasileiro, um filão que desabrochou e está crescendo para desespero daqueles que querem um cinema nacional bravo e atuante). A implantação da dublagem, já notaram os comerciantes dos filmes, diante de um público massivo, passivo, apático, é, por assim dizer, uma mão na roda.
O fato é que a dublagem se constitui num atentado à integridade da obra cinematográfica. Diria mesmo um crime que se comete contra a pureza do filme. Em primeiro lugar, deve-se considerar que a inflexão vocal tem muita importância na interpretação dos atores e atrizes. Alguns intérpretes treinam durante dias para dar o tom exato às suas falas. Já pensaram Don Corleone, interpretado por Marlon Brando, em O poderoso chefão (The godfather, 1972), falando um português uniforme e sem inflexões?
A dublagem também interfere na perfeita dosagem entre as três bandas sonoras de um filme: a de diálogos, a de ruídos, e a da partitura musical. Há que se ter uma perfeita harmonia nessas três bandas, que são reunidas numa só pelo processo da mixagem. Quando se dubla um filme, as três bandas são separadas e se privilegia a dos diálogos em detrimento da dos ruídos e da partitura musical. É absolutamente insuportável se assistir a um filme dublado. Pessoalmente, detesto-a, não admitindo a dublagem nem em desenhos animados. E poderia mesmo dizer: se a dublagem vier a se constituir regra geral, nunca mais irei ao cinema, procurando contentar-me com os DVDs que tenham a versão original dos filmes.
Há um exemplo demolidor da dublagem em Maratona da morte (Marathon man, 1975), de John Schlesinger. Sir Laurence Olivier interpreta Mengele, o perverso nazista, cirurgão dentista, que se encontra em Nova York e, numa sequência, faz um interrogatório com Dustin Hoffman na cadeira de dentista. A princípio, quando chega, Olivier diz um quase afetuoso is it saft?. Durante a sequência inteira, ele somente faz esta interrogação a um Dustin Hoffman apavorado, mas, a cada uma delas, confere um tom diferente na dicção até que a pergunta surge raivosa e gritada. Momento seguinte, uma broca fura o céu da boca de Hoffman. Na versão dublada em português, o "is it saft?" é substituído por um é seguro? sem nenhuma inflexão e dito de maneira uniforme. Resultado: toda a atmosfera da sequência, que reside, na versão original, no tom de voz de Olivier, perde-se completamente na dublada. Uma espécie de anulação das intenções do realizador e de sua correta produção de sentidos.
Nessa questão da dublagem, sou radical: não vejo filme dublado. A televisão por assinatura, que passa seriados, está dublando os filmes e, por isso, nos dublados, não posso me sentir cúmplice do espetáculo, demitindo-me logo deste. A dublagem televisiva é pavorosa (aliás, a bem da verdade, toda e qualquer dublagem é pavorosa).
É de causar espanto que em países civilizados como a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha, entre outros, a dublagem já é um fato consumado há mais de meio século. Mas há a opção pelas versões originais. Acontece, porém, que um filme é lançado, nesses países, com a maioria das cópias vertidas para o idioma pátrio, restando as originais em salas mais caras. O Pariscope, revista cultural que oferece todos os programas culturais franceses, por exemplo, depois do nome do filme vêm as duas letras: v.o. para as originais (não dubladas) e v.f. versão francesa. Como se sabe, o cinema americano não domina apenas o mercado exibidor brasileiro (aqui, 99,9% dos cinemas são de empresas multinacionais), mas quase todo o mundo - excetuando-se a Índia, os países árabes, entre poucos outros, que não aceitam nem compreendem o filme americano e, por isso, desenvolveram poderosas indústrias cinematográficas (Bollywood, como é chamada a indústria indiana é maior que Hollywood em número de fitas). Por outro lado, na Europa, existem os Cinemas de Arte e Ensaios (salas alternativas) que passam filmem selecionados de grandes cineastas nas suas versões originais com legendas próprias.
Nos anos 70, os xenófobos do cinema brasileiro tentaram apoiar - na época da vigência da Embrafilme - a implantação da dublagem obrigatória no Brasil. Entre os seus principais argumentos, estava a defesa da ampliação do mercado de trabalho para dubladores e a instalação de novos equipamentos. Por uma questão de mercado, queria se matar a estética cinematográfica. Mas, felizmente, a idéia não foi adiante.
Atualmente, com os filmes destinados ao DVD, que possuem versões originais e dubladas, o mercado de dubladores se encontra em franca expansão. Em alguns DVDs, inclusive, ao término dos filmes, aparecem os créditos dos dubladores dos atores e atrizes. Na Europa, há dubladores especialmente selecionados para determinados atores, que são conhecidos do grande público. Fulano de tal é o dublador de Brad Pitt, por exemplo. Quem dubla, mata, quem dubla interfere no processo de criação da obra cinematográfica, quem dubla afeta a sua integridade.
Fujo de filmes dublados como o diabo foge da cruz.
 
Eu também, Setaro! regina

Um comentário:

  1. Concordo parcialmente com sua opinião. Seu artigo se baseia em dois argumentos:
    1) Os efeitos sonoros originais;
    2) A interpretação original dos artistas.

    Para o primeiro argumento eu diria que você dá tanta importância ao áudio que menospreza o vídeo. Quem lê legendas não tem tempo confortável para admirar os gráficos, paisagens e efeitos especiais do vídeo. Assim, os que optam por filmes dublados não o fazem por preguiça, mas em busca de admirar melhor as cenas.

    Para o segundo argumento, devo admitir que tem certos dubladores que transformam a interpretação em verdadeiro lixo. Porém, há talentos impressionantes em vários dubladores brasileiros. Como você não tem costume de ver filmes dublados, desconhece totalmente os estúdios de dublagem brasileiros e ignora nomes como: Alexandre Moreno, Alfredo Rollo, Carlos Marques, Cecília Lemes, Eleonora Prado, Figueira Junior, Flávia Saddy, Guilherme Briggs, Isaac Bardavid, Luiz Antônio Lobue, Luiz Carlos de Moraes, Manoel Garcia Júnior, Marcelo Gastaldi, Márcio Simões, Marco Ribeiro, Mário Jorge de Andrade, Mário Monjardim, Marisa Leal, Mauro Ramos, Nair Amorim, Nelson Machado Filho, Orlando Drummond, Raquel Marinho, Sylvia Salustti, Vagner Fagundes, Wellington Lima, Wendell Bezerra, Yuri Chesman,
    e muitos, muitos outros que são dubladores que transmitem vida aos personagens, interpretam com talento e responsabilidade, tornando as cenas tão reais ou até mais do que do próprio original.

    Todavia respeito sua opinião, afinal cada pessoa pensa diferente, e cada fator tem seu peso diferente para cada indivíduo na hora de avaliar o quer é melhor.

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