Pesquisar este blog

sábado, 5 de maio de 2012

A lucidez coloquial de Isabel Allende.



 



(...) o mais terrível da velhice não é a solidão, mas a dependência. Não quero incomodar meu filho e meus netos com a minha decrepitude, embora não fosse nada mau passar meus últimos anos perto deles. Fiz uma lista de prioridades para meus 80 anos: saúde, recursos econômicos, família, cachorra, histórias. Os dois primeiros pontos me permitiriam decidir como e onde viver; o terceiro e quarto me acompanhariam; e as histórias me manteriam calada e divertida, sem atritos com ninguém. Willie e eu temos pavor de perder a lucidez e com isso Nico ou, pior ainda, estranhos, decidam por nós. Penso em você, filha, que esteve meses à mercê de desconhecidos antes que pudéssemos te trazer para a Califórnia. Quantas vezes você pode ter sido maltratada por um médico, uma enfermeira ou uma empregada, e eu não fiquei sabendo? Quantas vezes terá desejado, no silêncio daquele ano, morrer de uma vez e em paz?
Os anos transcorrem silenciosos, na ponta dos pés, zombando da gente em sussurro, e de repente nos assustam no espelho, nos acertam nos joelhos e nos cravam um punhal nas costas. A velhice nos ataca dia após dia, mas parece se tornar evidente ao final de cada década. Há uma foto minha, tirada aos 49 anos, apresentando O plano infinito na Espanha; é de uma mulher jovem, as mãos nos quadris, desafiante, com um xale vermelho nos ombros, as unhas pintadas e uns longos brincos de Tabra. Foi nesse exato momento, com Antonio Banderas a meu lado e uma taça de champanhe na mão, que me disseram que você acabava de dar entrada no hospital. Saí correndo, sem imaginar que a tua vida e a minha juventude estavam por terminar. Outra foto minha, um ano mais tarde, mostra uma mulher madura, os cabelos curtos, os olhos tristes, a roupa escura, sem enfeites. O corpo me pesava, eu me olhava no espelho e não me reconhecia. Não foi apenas tristeza que me envelheceu subitamente, porque, ao repassar o álbum de fotos familiares, pude comprovar que quando fiz 30 anos e depois 40 também houve uma mudança drástica na minha aparência. Assim será no futuro, só que, em vez de eu perceber a cada década, será a cada ano bissexto, como diz minha mãe. Ela vai vinte anos adiante de mim, abrindo caminho, mostrando como serei em cada etapa de minha vida. “Tome cálcio e hormônios, para que seus ossos não falhem, como os meus”, me aconselha. Repete que me cuide, que me ame, que saboreie as horas, porque tudo se vai muito rápido, que não deixe de escrever, para manter a mente ativa, e que faça ioga para poder me abaixar e calçar os sapatos sozinha.
Acrescenta que não me esforce para preservar uma aparência jovem, porque os anos serão notados de qualquer forma, por mais que a gente disfarce, e não há nada mais ridículo que uma velha botando banca de lolita. Não há truques mágicos que evitem a deterioração, no máximo pode-se adiar um pouco. “Depois dos cinqUenta, a vaidade só serve para sofrer”, me garante essa mulher com fama de bonita. Mas a fealdade da velhice me assusta e penso combatê-la enquanto me restar saúde; por isso estiquei a cara com cirurgia plástica, já que não descobriram a forma de rejuvenescer com uma poção. Não nasci com a esplêndida matéria-prima de Sofia Loren, necessito de toda a ajuda que possa conseguir. A cirurgia equivale a desprender músculos e pele, cortar o que sobra e costurar a carne de novo na caveira, colada como malha de bailarino. Durante semanas tive a sensação de andar com uma máscara de madeira, mas no final valeu a pena. Um bom cirurgião pode enganar o tempo. Esse é um assunto que não devo comentar na frente de minhas Irmãs da Desordem ou de Nico, porque acham que a velhice tem a sua beleza própria, inclusive com verrugas peludas e varizes. Você era da mesma opinião, Paula. Sempre gostou mais dos velhos que das crianças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário