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domingo, 26 de agosto de 2012

De pernas e janelas

 





Querer morada é tomar consciência da forma que os sonhos tem. Casa ou apartamento? Não! A pergunta é: queres chão ou vista? Queres o espaço que se constitui da memória dos afetos da infância? A casa da avó, da madrinha, da mãe? A casa que é, quase sempre, de posse feminina, e que existe como uma força de aterramento, de não abandono, de criação. Pensa casa, geralmente, quem quer filhos. E filhos correm. Têm bicicletas e cachorros. Na casa, os imaginamos com as mãos e os pés sujos, o pescoço e o rosto suados, a bola sob o braço e a dificuldade de reconhecer a hora de encerrar a brincadeira.
Se não for casa, ergue-se o apartamento sobre escadas que simulam outras seguranças. Não mais as da memória, mas as de um moderno citadino, do menos enraizado, do marco das liberdades de quem acredita começar em si mesmo. O apartamento carrega um sonho de vista à uma paisagem que nem sempre se consegue. A cidade vai fechando o olhar e o apartamento ganha cores de uma intimidade onde as janelas são telas. Sem vista, o apartamento joga seus moradores aos escapes, às saídas, que são a TV, a internet e, por vezes, as portas. Menos generalista e emotivo que a casa, o apartamento especializa e foca.
Não se há de achar que tamanho não é nada, se é grande ou pequena a casa ou o apartamento. O número de quartos é o número de filhos ou de necessidades. Um lugar para os livros, um lugar para os amigos, uma cama de passagem. Uma cozinha para quem cozinha ou uma combinação de refrigerador, microondas e chaleira elétrica.
Quanto vale desistir de um desses? Quanto vale desistir de um quarto? Isto que é, de fato, desistir de quem estaria ali. Desistir do universo que ele ou ela construiria dentro do seu mundo. Qual o tamanho da perda que é não ter daquela janela sob a qual se colocaria a mesa de trabalho e os olhos abertos do sonho? O que fica? O que vai?
Afinal, qual é seu espaço vital? Aquele sem qual lhe é impossível viver, impossível ser em plenitude? Querer morada é perguntar-se, e, na busca, encontrar respostas e o que elas dizem sobre o que se é e sobre os sonhos dos quais você pode abrir mão. Por quantos metros há se espalhar sua cama? E as suas pernas… você tem ideia de até onde elas poderiam caminhar antes de encontrar seu descanso? Talvez, suas pernas, não tenham a mesma paixão por janelas que você.

http://www.sul21.com.br/blogs/sapatinhosvermelhos/
 

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