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quarta-feira, 20 de março de 2013

Homenagem a Fernando Sabino

Uma pequena homenagem a Fernando Sabino

 
Depois de algum tempo sem dar as caras por aqui – não foi por falta de vontade, acreditem -, retorno com um texto sobre Fernando Sabino, um de meus mestres (o principal, na verdade). Este texto não é senão uma versão reduzida de uma matéria que escrevi e que foi publicada na revista Conhecimento Prático Literatura nº 27, de dezembro de 2010.

 
Nascido em Belo Horizonte, em 12 de outubro de 1923, Sabino começou a carreira literária muito cedo, aos treze anos de idade, quando teve publicado um conto na revista Argus, da polícia de Minas Gerais. No livro “O tabuleiro de damas”, seu “esboço autobiográfico” – como ele mesmo costumava dizer –, Sabino conta que, estimulado por uma irmã, começou a participar do concurso de crônicas de uma revista do Rio de Janeiro, a Carioca. Depois, começou a participar do concurso de contos promovido pela mesma revista, e foi também premiado pelas ficções curtas. Era tão comum ganhar os concursos – que eram semanais – que Sabino passou a “receber o dinheiro adiantado do representante da revista em Belo Horizonte”.
E foi no conto e na crônica que Sabino conquistou mais leitores. Suas crônicas – a maioria delas bem-humoradas e divertidas, mas há também as sérias e críticas – e seus contos inusitados e engraçados – não há como não citar “O homem nu”, adaptado duas vezes para o cinema, e “Macacos me mordam” – têm um alcance um pouco maior que seus romances e novelas. Mas é inegável que, não obstante a qualidade e a popularidade de seus contos, foi com as crônicas engraçadas, com os casos que só ele conseguia contar que o escritor mineiro mais se destacou – até porque foi o gênero que mais praticou durante toda a carreira.
Há quem diga que, melhor cronista que Sabino, só Rubem Braga. Para não causar discussão, o melhor mesmo é fazer como um personagem de uma crônica do próprio Fernando, e dizer que fica resolvido, assim, o impasse de qual dos dois é o maior cronista brasileiro: resolvemos depois.
O primeiro livro publicado de Fernando Sabino foi “Os grilos não cantam mais”, de contos, em 1941, aos dezoito anos de idade. Já o segundo foi uma novela, “A marca”, em 1944, elogiadíssima na época – e ainda hoje. Depois deles vieram “A cidade vazia” (1950, crônicas) e “A vida real” (1952, composto por três novelas). Somente em 1956 é que “O encontro marcado” seria publicado. Daí para a publicação de “O grande mentecapto”, seu segundo romance, se passariam 23 anos. Sendo que o livro teve parte de seu material escrito em 1946. Sabino conta em “O tabuleiro de damas” como tudo aconteceu:
“Num domingo de 1979, mexendo no meu arquivo, encontrei as cinquenta e poucas páginas que havia escrito sobre Viramundo [protagonista do livro], já amareladas pelo tempo. Tomei-me de brios e entrei num transe tão maluco como os de meu personagem. Comecei a escrever dia e noite sem parar, terminei o livro em dezoito dias, em meio a crises de riso e de choro”.
“O menino no espelho”, o terceiro romance, teve mais sorte e não demorou muito para vir à luz, o que aconteceu em 1982, apenas três anos depois do anterior. Em 2004, alguns meses antes da sua morte, foi publicado “Os movimentos simulados”, romance que o autor havia escrito em 1946 – um ano produtivo para o autor, percebe-se – e que foi útil durante a realização de “O encontro marcado”, mas que havia sido deixado de lado, guardado em alguma gaveta. Nos últimos anos de sua vida, ao fazer o inventário de sua obra, Sabino reencontrou o livro “perdido” e decidiu publicá-lo, mantendo a linguagem original, “meio rebarbativa, sem escanhoá-la”, diz o autor na nota introdutória ao livro, que completa, portanto, o quarteto que forma a obra romanesca de Fernando.
Obra essa que foi ofuscada pelas crônicas. Hoje, talvez apenas “O encontro marcado” tenha ainda um grande apelo, que infelizmente parece nem ser mais tão grande assim. Os outros romances, apesar de ainda lidos e comentados, não têm a atenção que merecem. Jorge Amado considerava, por exemplo, “O menino no espelho” como sendo uma obra-prima (em “Navegação de cabotagem”, o escritor baiano revela que é este o livro de Sabino que mais gosta). Nele, Fernando narra sua infância com toques de realismo fantástico, de fábula: ele voa num pedaço de bambu, se torna agente secreto, é campeão mineiro de futebol pelo América – fazendo o gol do título, contra o Atlético –, entre outras façanhas.
Além de romances, crônicas, contos e novelas, Fernando Sabino escreveu uma série de perfis sobre pessoas com as quais conviveu (publicados em “Gente”), reportagens publicadas em vários jornais e revistas, deixou para seus leitores sua correspondência com Clarice Lispector (“Cartas perto do coração”), uma seleta das cartas que enviou para Otto, Hélio e Paulo (“Cartas na mesa”), e vários textos seus que não haviam sido publicados ainda em livro – inclusive revelando uma outra faceta do escritor, a de crítico literário – em “Livro aberto”(2001). Além disso, Sabino foi cineasta (filmou dez documentários sobre dez escritores brasileiros) e era um amante do jazz – tocava bateria, e dizem que era dos bons.
Sabino faleceu em 11 de outubro de 2004, às vésperas de completar 81 anos de idade. Morreu em casa, cercado pelos filhos, como queria que fosse. Ele e sua obra se mantêm vivos, tendo os filhos de Fernando desempenhado um trabalho louvável e incansável para divulgar os livros e a figura do autor. Em 2006, quando “O encontro marcado” completou 50 anos, foi lançada uma edição comemorativa, com um encarte especial produzido pelos filhos do escritor. Há um projeto chamado “Encontro marcado com Fernando Sabino” que já passou por Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo – além de, claro, Belo Horizonte, onde foi inaugurado – que expõe objetos do escritor, painéis que retratam suas obras e sua vida, fotos e muitas outras atrações. Como se pode ver, o homem se foi, mas sua obra permanece, e através dela Fernando Sabino continua vivo, encantando e divertindo milhares de velhos e novos leitores.
 
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