Inveja, ciúmes, indiferença... Livro conta como foi a chegada do baiano ao Rio
27 de abril de 2013 | 10h 47
Julio Maria - O Estado de S.Paulo
Dorival Caymmi deitava na rede com a cabeça quente. Ao contrário da ideia de
que tudo lhe chegava pelas mãos do vento, de que sua vida foi uma eterna tarde à
sombra de um coqueiro em Itapuã, Caymmi sofreu calado. Sua chegada ao estrelato
na voz de Carmen Miranda cantando O Que É Que a Baiana Tem?, em 1938, lançada no
filme Banana da Terra, o fez vítima duas vezes: Carmen - não havia como ser o
contrário - ofuscou a relevância de Caymmi. Diante do carisma avassalador da
‘pequena notável’, pouca gente queria saber que cabeça estava por trás daquelas
canções. E O Que É Que a Baiana Tem? foi só o começo. Menos de um ano depois, em
1939, Carmen embarcou para os Estados Unidos levando mais três composições na
bagagem: A Preta do Acarajé, Roda Pião e O Dengo (lançado em 1941). Nos anos em
que autor de música mal recebia direito autoral, Caymmi sentia o peso da
indiferença ao seu nome no mundo novo que Carmen conquistava.
A classe dos compositores do Rio de Janeiro também não recebeu o baiano com
um festival de acarajés. Afinal, como é que um sujeito de fala mansa saía das
terras lá de cima cheio de risinhos para ganhar Carmen logo na chegada? Notas em
jornais o desqualificavam de tal forma que o periódico O Imparcial, da Bahia,
assumiu sua defesa, questionando "de onde poderia sair tamanha resistência?".
Caymmi incomodava o mundo sem mover um fio do seu bigode.
O Que É Que a Baiana Tem? pisou também no pé de Ary Barroso. A música para o filme Banana da Terra seria A Baixa do Sapateiro, de Ary, se ele não tivesse pedido um aumento em seu cachê por saber que os direitos da canção passariam a ser do produtor Wallace Downey assim que o filme fosse lançado no exterior. Ary saiu da jogada e Caymmi entrou. Ganhou a gravação de Carmen e a ira de Ary. O jornalista e compositor Antonio Maria quis saber de Ary o que ele achava do baiano. "Ele veio ruim da Bahia, só melhorou no meio do caminho...", disse. E o acusou ainda de ter praticado plágio. Jogou tão baixo que teve de reconhecer depois que foi longe demais. Já nos fins dos anos 90, quando a neta Stella Caymmi o entrevistou para lançar a biografia Dorival Caymmi, O Mar e o Tempo, o compositor disse que se ressentia sobretudo de episódios do início de carreira. "Ele sentia não ter tido sua importância reconhecida."
Stella volta agora às memórias do avô com O Que É Que a Baiana Tem - Dorival Caymmi na Era do Rádio, uma detalhada pesquisa que traça um momento histórico de vitórias e percalços de um dos maiores compositores brasileiros. Caymmi foi atormentado, sofreu pressões de diferentes grupos da sociedade dos anos 40 e 50 e foi atingido por ciúme, inveja e indiferença mesmo depois de cair nas graças de Carmen Miranda.
Seu primeiro contrato com uma gravadora veio logo depois do estouro da Baiana, uma experiência que o deixou traumatizado. A Odeon estipulava simplesmente seis sucessos obrigatórios por ano. Que Caymmi se virasse para fazer outras baianas virarem fenômeno de vendas. O compositor olhou aquilo desconfiado: "Isso não vai dar certo e você vai me mandar embora", disse aos diretores da companhia. A profecia se cumpriu em 1941. Uma história conta que a Odeon o demitiu por sua demora em criar novas músicas. O fato é que, no olho da rua, Dorival Caymmi voltou aos diretores da Odeon apenas para lembrar: "Eu disse que isso não iria dar certo".
Stella tem suas desconfianças sobre as razões que teriam motivado Villa-Lobos a desencorajar Caymmi dos estudos de música. O interessante do trabalho do baiano era seu primitivismo, defendia Villa. Logo, interferências a ele com conceitos acadêmicos poderiam colocar em risco sua autenticidade. Mais tarde, Caymmi contou à neta que seu sonho era estudar música. "E desde quando estudo atrapalha?", questiona Stella.
Em 2014 serão celebrados os 100 anos de nascimento de Dorival, morto em 2008. Dentre os lançamentos, um disco em família (gravado por Nana, mãe de Stella, Danilo e Dori), que também será lançado em DVD, trará uma canção inédita. Cantiga de Cego foi feita em parceria com o poeta Jorge Amado para ser trilha da adaptação teatral de seu livro Terras do Sem Fim. Mais do que suscitar revisionismos, 2014 pode ser a chance para se colocar o pingo certo no único i de Caymmi.
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,a-dificil-conquista-de-dorival-caymmi,1026176,0.htm
Tasso Marcelo/AE
O cantor e compositor baiano Dorival Caymmi
em 1997
O Que É Que a Baiana Tem? pisou também no pé de Ary Barroso. A música para o filme Banana da Terra seria A Baixa do Sapateiro, de Ary, se ele não tivesse pedido um aumento em seu cachê por saber que os direitos da canção passariam a ser do produtor Wallace Downey assim que o filme fosse lançado no exterior. Ary saiu da jogada e Caymmi entrou. Ganhou a gravação de Carmen e a ira de Ary. O jornalista e compositor Antonio Maria quis saber de Ary o que ele achava do baiano. "Ele veio ruim da Bahia, só melhorou no meio do caminho...", disse. E o acusou ainda de ter praticado plágio. Jogou tão baixo que teve de reconhecer depois que foi longe demais. Já nos fins dos anos 90, quando a neta Stella Caymmi o entrevistou para lançar a biografia Dorival Caymmi, O Mar e o Tempo, o compositor disse que se ressentia sobretudo de episódios do início de carreira. "Ele sentia não ter tido sua importância reconhecida."
Stella volta agora às memórias do avô com O Que É Que a Baiana Tem - Dorival Caymmi na Era do Rádio, uma detalhada pesquisa que traça um momento histórico de vitórias e percalços de um dos maiores compositores brasileiros. Caymmi foi atormentado, sofreu pressões de diferentes grupos da sociedade dos anos 40 e 50 e foi atingido por ciúme, inveja e indiferença mesmo depois de cair nas graças de Carmen Miranda.
Seu primeiro contrato com uma gravadora veio logo depois do estouro da Baiana, uma experiência que o deixou traumatizado. A Odeon estipulava simplesmente seis sucessos obrigatórios por ano. Que Caymmi se virasse para fazer outras baianas virarem fenômeno de vendas. O compositor olhou aquilo desconfiado: "Isso não vai dar certo e você vai me mandar embora", disse aos diretores da companhia. A profecia se cumpriu em 1941. Uma história conta que a Odeon o demitiu por sua demora em criar novas músicas. O fato é que, no olho da rua, Dorival Caymmi voltou aos diretores da Odeon apenas para lembrar: "Eu disse que isso não iria dar certo".
Stella tem suas desconfianças sobre as razões que teriam motivado Villa-Lobos a desencorajar Caymmi dos estudos de música. O interessante do trabalho do baiano era seu primitivismo, defendia Villa. Logo, interferências a ele com conceitos acadêmicos poderiam colocar em risco sua autenticidade. Mais tarde, Caymmi contou à neta que seu sonho era estudar música. "E desde quando estudo atrapalha?", questiona Stella.
Em 2014 serão celebrados os 100 anos de nascimento de Dorival, morto em 2008. Dentre os lançamentos, um disco em família (gravado por Nana, mãe de Stella, Danilo e Dori), que também será lançado em DVD, trará uma canção inédita. Cantiga de Cego foi feita em parceria com o poeta Jorge Amado para ser trilha da adaptação teatral de seu livro Terras do Sem Fim. Mais do que suscitar revisionismos, 2014 pode ser a chance para se colocar o pingo certo no único i de Caymmi.
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,a-dificil-conquista-de-dorival-caymmi,1026176,0.htm
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