O aprendizado do cinema é um processo lento e gradual que tem no tempo o
seu grande mestre. O mesmo se aplica para as demais artes, como a literatura,
por exemplo. O conhecimento das obras-primas requer tempo, paciência,
dedicação, hábito. Para se adentrar nos universos de Machado de Assis, Dostoiévski,
Thomas Mann, Gustave Flaubert, Honoré de Balzac, Eça de Queiroz, Guimarães
Rosa, entre tantos outros, é necessário, e até mesmo conditio sine qua non, a disponibilidade temporal. O
que se torna cada vez mais difícil nesta era da informação galopante, de
pragmatismo absoluto, quando o excesso de informações acaba por conduzir à
desinformação, considerando que o receptor delas não tem tempo para
contemplá-las e, por conseguinte, para reprocessá-las e absorvê-las
adequadamente. E, neste diapasão, o jornalismo toma carona na leitura rápida,
desaparecidos os antigos suplementos literários, as críticas de rodapé. Em seu
lugar, o império do audiovisual.
A proliferação de oficinas de crítica cinematográfica é uma maneira,
creio, e assim é se me parece, de colocar o carro adiante dos bois. Por
exemplo: nos cursos de Letras, ensina-se muita teoria da literatura, enquanto
que os alunos não são estimulados para a leitura. No caso do cinema, há a
necessidade de se criar um repertório consistente de filmes. Ver e ver filmes,
adquirindo, com isso, um hábito. A crítica é a arte da paciência. Depois da
contemplação silenciosa de muitos filmes, formado o repertório, é que o
interessado pode começar, então, a escrever sobre cinema. Daí porque é um
processo lento e gradual.
A decadência da produção comercial é flagrante. Desfeitos os grandes
estúdios de Hollywood, em fins da década de 50, o cinema americano, em crise,
apostou em novos talentos (Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Roman
Polanski, Bob Rafelson, entre tantos), mas, na segunda metade da década de 70,
com a aparição das guerras nas estrelas (nada
contra elas, mas constatando fatos) e os espetáculos spielberguianos, houve uma
infantilização crescente do ponto de vista temático, a ponto de atualmente ser
difícil se encontrar um filme que possa ser visto no circuito comercial dos
complexos. Toda regra tem exceção, é claro, e no seio da indústria também pode
se encontrar bons e severos filmes. As imagens em movimento se vulgarizaram,
todavia, com a possibilidade de se fazer cinema a torto e a direito, com um
simples celular. E a visão de filmes numa tela de computador não é a mesma da
verificada quando somente se podia ver um espetáculo cinematográfico dentro da
sala exibidora mediante o pagamento de um ingresso. Conheço uma pessoa que
baixa filmes da internet a perder de vista. Conversando com ela, soube que tem
mais de mil filmes baixados do espaço virtual. E quantos você assistiu?,
perguntei quase atônico. Menos de 30, respondeu-me. Nada contra quem gosta de
baixá-los, inclusive porque dá a oportunidade de se ver algumas obras que nunca
poderiam ser vistas num circuito normal ou, mesmo, no disquinho.
Quem lê nos dias que correm uma obra fundamental como Os Irmãos
Karamazov? Conta-se nos dedos os estudantes de Letras que conhecem Machado
de Assis. Mas estou tomando um atalho no que quero aqui colocar: o tempo como
fator fundamental e imprescindível do aprendizado cinematográfico. O paralelo
com a literatura vem a propósito nesse sentido. Cinema, na verdade, se aprende indo
ao cinema. Evidentemente com o embasamento de leituras de obras especializadas,
ensaios e críticas publicadas pela imprensa, mas, sobretudo, o interesse
pessoal investigativo, a atenção na visão/revisão dos filmes.
O filme não é um rato para ser destrinchado em laboratório com
instrumentos precisos. A obra cinematográfica vale-se, em primeiro lugar, do
engenho e da arte de um criador, da emoção de um artista e do sentimento desta
emoção pelo espectador. Para se sentir e amar o cinema é necessário vê-lo com
carinho, com sensibilidade. É um hábito que se adquire, portanto, com o tempo.
Infelizmente, o ‘ir ao cinema’ atualmente se transformou num complemento do
exercício do ‘shoppear’, um adendo quase à refeição ligeira de um ‘fast food’,
quando não se utiliza a própria sala de exibição para a sua prática.
A minha iniciação cinematográfica se fez pela emoção. Nos já distantes
anos 50, quando a imagem estava circunscrita à tela luminosa da sala exibidora.
Uma formação baseada nos gêneros, na contemplação dos grandes westerns de John
Ford, Anthony Mann, Raoul Walsh, Howard Hawks, Budd Boetticher…, nos musicais
de Vincente Minnelli, George Seaton, Stanley Donen, nos épicos espetaculares
como Ben Hur, Spartacus, etc, nos
melodramas de Douglas Sirk, Leo McCarey, etc, etc, etc. Depois vim a descobrir
que o cinema era uma arte ouvindo as palestras de Walter da Silveira e vendo,
estupefato, Hiroshima, Mon Amour, de Alain
Resnais, Acossado, de Jean-Luc Godard, A noite, de Michelangelo Antonioini, Os sete samurais, de Akira Kurosawa, Oito e Meio, de Federico Fellini,Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha…
É preciso, portanto, aprender primeiro a gostar de cinema, a amar o
cinema, e este amor só se consegue indo ao cinema.
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