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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Amar o cinema - André Setaro





O aprendizado do cinema é um processo lento e gradual que tem no tempo o seu grande mestre. O mesmo se aplica para as demais artes, como a literatura, por exemplo. O conhecimento das obras-primas requer tempo, paciência, dedicação, hábito. Para se adentrar nos universos de Machado de Assis, Dostoiévski, Thomas Mann, Gustave Flaubert, Honoré de Balzac, Eça de Queiroz, Guimarães Rosa, entre tantos outros, é necessário, e até mesmo conditio sine qua non, a disponibilidade temporal. O que se torna cada vez mais difícil nesta era da informação galopante, de pragmatismo absoluto, quando o excesso de informações acaba por conduzir à desinformação, considerando que o receptor delas não tem tempo para contemplá-las e, por conseguinte, para reprocessá-las e absorvê-las adequadamente. E, neste diapasão, o jornalismo toma carona na leitura rápida, desaparecidos os antigos suplementos literários, as críticas de rodapé. Em seu lugar, o império do audiovisual.
A proliferação de oficinas de crítica cinematográfica é uma maneira, creio, e assim é se me parece, de colocar o carro adiante dos bois. Por exemplo: nos cursos de Letras, ensina-se muita teoria da literatura, enquanto que os alunos não são estimulados para a leitura. No caso do cinema, há a necessidade de se criar um repertório consistente de filmes. Ver e ver filmes, adquirindo, com isso, um hábito. A crítica é a arte da paciência. Depois da contemplação silenciosa de muitos filmes, formado o repertório, é que o interessado pode começar, então, a escrever sobre cinema. Daí porque é um processo lento e gradual.
A decadência da produção comercial é flagrante. Desfeitos os grandes estúdios de Hollywood, em fins da década de 50, o cinema americano, em crise, apostou em novos talentos (Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Roman Polanski, Bob Rafelson, entre tantos), mas, na segunda metade da década de 70, com a aparição das guerras nas estrelas (nada contra elas, mas constatando fatos) e os espetáculos spielberguianos, houve uma infantilização crescente do ponto de vista temático, a ponto de atualmente ser difícil se encontrar um filme que possa ser visto no circuito comercial dos complexos. Toda regra tem exceção, é claro, e no seio da indústria também pode se encontrar bons e severos filmes. As imagens em movimento se vulgarizaram, todavia, com a possibilidade de se fazer cinema a torto e a direito, com um simples celular. E a visão de filmes numa tela de computador não é a mesma da verificada quando somente se podia ver um espetáculo cinematográfico dentro da sala exibidora mediante o pagamento de um ingresso. Conheço uma pessoa que baixa filmes da internet a perder de vista. Conversando com ela, soube que tem mais de mil filmes baixados do espaço virtual. E quantos você assistiu?, perguntei quase atônico. Menos de 30, respondeu-me. Nada contra quem gosta de baixá-los, inclusive porque dá a oportunidade de se ver algumas obras que nunca poderiam ser vistas num circuito normal ou, mesmo, no disquinho.
Quem lê nos dias que correm uma obra fundamental como Os Irmãos Karamazov? Conta-se nos dedos os estudantes de Letras que conhecem Machado de Assis. Mas estou tomando um atalho no que quero aqui colocar: o tempo como fator fundamental e imprescindível do aprendizado cinematográfico. O paralelo com a literatura vem a propósito nesse sentido. Cinema, na verdade, se aprende indo ao cinema. Evidentemente com o embasamento de leituras de obras especializadas, ensaios e críticas publicadas pela imprensa, mas, sobretudo, o interesse pessoal investigativo, a atenção na visão/revisão dos filmes.
O filme não é um rato para ser destrinchado em laboratório com instrumentos precisos. A obra cinematográfica vale-se, em primeiro lugar, do engenho e da arte de um criador, da emoção de um artista e do sentimento desta emoção pelo espectador. Para se sentir e amar o cinema é necessário vê-lo com carinho, com sensibilidade. É um hábito que se adquire, portanto, com o tempo. Infelizmente, o ‘ir ao cinema’ atualmente se transformou num complemento do exercício do ‘shoppear’, um adendo quase à refeição ligeira de um ‘fast food’, quando não se utiliza a própria sala de exibição para a sua prática.
A minha iniciação cinematográfica se fez pela emoção. Nos já distantes anos 50, quando a imagem estava circunscrita à tela luminosa da sala exibidora. Uma formação baseada nos gêneros, na contemplação dos grandes westerns de John Ford, Anthony Mann, Raoul Walsh, Howard Hawks, Budd Boetticher…, nos musicais de Vincente Minnelli, George Seaton, Stanley Donen, nos épicos espetaculares como Ben HurSpartacus, etc, nos melodramas de Douglas Sirk, Leo McCarey, etc, etc, etc. Depois vim a descobrir que o cinema era uma arte ouvindo as palestras de Walter da Silveira e vendo, estupefato, Hiroshima, Mon Amour, de Alain Resnais, Acossado, de Jean-Luc Godard, A noite, de Michelangelo Antonioini, Os sete samurais, de Akira Kurosawa, Oito e Meio, de Federico Fellini,Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha…
É preciso, portanto, aprender primeiro a gostar de cinema, a amar o cinema, e este amor só se consegue indo ao cinema.

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