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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Estupro fictício

Ódio de todos os tipos é destilado em curtidas no FacebookPor trás da máscara do humor, multiplicam-se páginas no Facebook que propagam ofensas contra mulheres, de cunho racial e pedófilo. Retirada de conteúdo demanda mobilização

Publicação: 06/06/2013 

Aline Valek provocou reações na rede social com texto sobre estupro fictício (Marcos Felipe/Divulgação)
Aline Valek provocou reações na rede social com texto sobre estupro fictício
"Hoje fui estuprada. Subiram em cima de mim, invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. (...) Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu.” O texto é fictício, mas como bem lembrou a autora dessas palavras, a redatora e escritora Aline Valek (alinevalek.com.br), de 26 anos, ela não foi, mas certamente outras mulheres foram. Em cinco anos, o registro de estupros aumentou 168% no Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Diante desse número alarmante, que representa barbaridades comparadas às últimas ocorridas na Índia, qualquer conteúdo que reforce e propague a cultura do estupro tem sido combatido. Por trás da máscara do anonimato, diversas pessoas tëm cultuado o discurso do ódio misógino (aquele que tem aversão às mulheres) na internet. Em pesquisa feita pelo Informátic@ no Facebook, rede social mais popular do mundo, não foi difícil encontrar páginas com este tipo de conteúdo .

Valek lembra que há sempre quem diga que é só uma piada, quando aparece alguém para acusar de misoginia uma fan page de humor no Face. Mas ela lembra que essas brincadeiras não surgem do nada, aparecem no contexto de uma sociedade extremamente machista e violenta contra as mulheres. Para ela, as páginas misóginas ensinam que mulher não é exatamente um ser humano, e que por isso tudo bem em agredi-la ou violentá-la. “É uma noção de desumanização das mulheres que vai sendo construída tijolinho por tijolinho. Cada ‘piada’ dessas legitima a ação do cara que matou a ex, do que abusou da mulher que estava bêbada porque ela era incapaz de consentir, ou daquele que forçou sexo com uma garota porque ela estava de saia curta e só podia estar pedindo por isso”, destaca. 

'Em alguns casos, é feita pressão contra páginas que tem viés machista, seja por meio de ameaça de corte de patrocínio, seja por meio de diálogo para o conteúdo do site se tornar menos problemático'', Cynthia Semíramis, doutoranda em direito na Universidade Federal de Minas Gerais e blogueira feminista (Tulio Vianna/Divulgação)
"Em alguns casos, é feita pressão contra páginas que tem viés machista, seja por meio de ameaça de corte de patrocínio, seja por meio de diálogo para o conteúdo do site se tornar menos problemático'', Cynthia Semíramis, doutoranda em direito na Universidade Federal de Minas Gerais e blogueira feminista
ENDOSSO DO CONTEÚDO
Cynthia Semíramis, de 37 anos, doutoranda em direito na Universidade Federal de Minas Gerais e blogueira feminista (http://cynthiasemiramis.org), faz parte do movimento que combate o sexismo. Segundo ela, há uma grande preocupação em não propagar discursos de ódio, não só contra mulheres, mas também contra homossexuais e transexuais e aqueles que incentivem a exploração sexual ou abuso e estupro de crianças. “Em alguns casos, é feita pressão contra páginas que têm viés machista, seja por meio de ameaça de corte de patrocínio, seja por meio de diálogo para o conteúdo do site se tornar menos problemático”, explica. Além disso, as blogueiras produzem conteúdo antidiscriminação. 

Muitas páginas com conteúdos questionáveis se descrevem como páginas de humor negro. Para ela, não se pode confundir humor com perpetuação de preconceitos e de relações de poder. “Esse tipo de humor reforça a relação de poder que condena grupos à inferioridade”, explica. A liberdade de expressão até então defendida por Zuckerberg como argumento principal para permitir que esses conteúdos fiquem on-line é bastante limitada. Afinal, a empresa bloqueia fotos de mães amamentando e da Marcha das Vadias porque os seios estão expostos, mas permitiu a livre circulação de um vídeo de uma mulher sendo decapitada. A blogueira lembra que os avaliadores identificam as imagens como erotismo por não compreenderem seu contexto. A própria Semíramis teve a conta bloqueada durante vários dias porque o Facebook “entendeu” que ela não era ela mesma. Foi preciso enviar um e-mail com cópia da identidade para a empresa comprovar sua situação. 

“O Facebook, ao manter a mensagem, acaba por endossá-la também”, afirma a doutoranda, explicando que é responsabilidade da empresa impedir a circulação da cultura ao ódio. Semíramis espera que o Face entenda que suas ações podem tanto estimular quanto cercear o preconceito. “Se querem cercear, precisam ser mais ativos e treinar bem sua equipe para avaliar o conteúdo que é denunciado. O problema é que muitas vezes olham somente as fotos, mas não reconhecem os escritos que acompanham as imagens como conteúdo misógino ou homofóbico”, explica. Segundo ela, as mudanças no site surgiram por pressão de grupos feministas, nem que seja por meio de boicote aos anunciantes do Facebook. “É uma luta que já tem alguns anos, mas só agora vem colhendo frutos”, diz.

ENGAJAMENTO VIRTUAL

Ao lado de Rita Candeu, aposentada de 60 anos, a fotógrafa Patty Kirsche (pattykirsche.blogspot.com.br) mantém o blog Cultura do estupro (culturadoestupro.blogspot.com.br), que denuncia conteúdos que afrontam os direitos humanos na rede. Ela explica que é preciso um movimento intenso de denúncias para conseguir remover uma página, por mais explícita que ela seja. “Conseguimos algum sucesso, mas não sem antes denunciar milhares de vezes no Facebook, aos órgãos oficiais como Ministério Público e Polícia Federal”, explica Candeu. E mesmo assim várias vezes as páginas voltam. 

Kirsche afirma que a rede social contradiz suas próprias diretrizes oficiais. “Mulheres em posição de controle, expondo o corpo em protesto ou num trabalho artístico são consideradas ofensivas. Entretanto, corpo feminino como objeto sexual para o entretenimento masculino é entendido como ‘adequado’”, argumenta. Ela lembra que no site da Safernet, organização que promove os direitos humanos na internet, não consta a opção “misognia” ou “machismo” para classificar o material denunciado. “Isso é um reflexo da naturalização da discriminação por gênero. A prática deve ser criminalizada a fim de forçar mudanças efetivas nas visões da sociedade”, afirma. 

Candeu concorda com a parceira e diz que a política é a mais controversa que se possa imaginar. Ela denunciou uma postagem que incitava a pedofilia e recebeu uma resposta do Facebook sugerindo pedir ao dono da montagem para retirar o conteúdo ou bloquear o perfil. Enquanto isso, obras de arte como o Davi de Michelangelo e a imagem da tatuagem do colo de uma mulher que venceu o câncer de mama são removidas do site.

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