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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Ano de Ogum



Publicado em 8 de janeiro de 2015 por betedavis





To aqui sentando chorando por um monte de coisas misturadas. O bestial atentado ao Charles Hebdo, o inédito editorial conjunto de 6 jornais europeus que acabo de ler e uma amizade, que já era longínqua, mas pela qual eu nutria carinho, que acabou.

É…2015 começou quente, e triste, na vida mundial e pessoal.

De acordo com uma consulta informal biscate aos orixás, OGUM vai dominar o ano de 2015 e ele não liga para a opinião dos outros, gosta de atravessar fronteiras; isso vai fazer muitas pessoas gostarem de viajar e fazer coisas diferentes e o melhor, no sexo é sem preconceitos, gostas de coisas diferentes, de fetiches!!!! (Oba, fetiches! Trabalhamos!)

Mas também tem o lado ruim de Ogum, deus da guerra, e é que este ano junto Marte estará reinando junto com ele. Há previsões de mortes terríveis, guerras a serem declaradas e as pessoas vão ser mais intolerantes com os outros (ainda mais intolerantes? )

Mas a cigana leu o meu destino e eu sonhei que nem tudo está escrito, então façamos amor, não façamos a guerra. SE for pra fazer a guerra a gente faz a guerra biscate de sempre, contra o preconceito, a caretice e os limites. E a favor da risada e do sexo. Sempre. Um ano de Marte, um ano de luta, mas um ano de luta por um mundo melhor e mais justo. Lutemos sempre a boa luta. Axé.



(muito axé para todos os jornalistas, cartunistas, franceses e muçulmanos. Paz E Amor para todos)


domingo, 11 de janeiro de 2015

Com a palavra: Marcos Azambuja

Com a palavra


Marcos Azambuja:

"A França precisa analisar a relação com os imigrantes"

Embaixador do Brasil em Paris De 1997 a 2003, fala sobre a comoção causada pelos ataques iniciados na quarta-feira com o massacre na revista Charlie Hebdo e adjacências
por Luiz Antônio AraujoAtualizada em 11/01/2015 | 08h1810/01/2015 | 15h02


Aos 79 anos, Azambuja dedica-se a inúmeras atividades culturais e acadêmicas. É membro do Instituto Histórico e Geográfico BrasileiroFoto: Rafael Andrade / Folhapress


A experiência ensinou ao embaixador aposentado Marcos Azambuja que os problemas surgem aos finais de semana. E foi às vésperas de mais um, às 21h35min de sexta-feira, que ele se dispôs a atender o telefone de sua residência, no Rio de Janeiro, para discorrer a pedido de ZH sobre uma crise que lhe é familiar: a comoção causada pelos ataques iniciados na quarta-feira com o massacre na redação da revista francesa Charlie Hebdo e adjacências.

De 1997 a 2003, Azambuja foi embaixador do Brasil em Paris e cumpriu expediente na sede da representação, no Huitième Arrondissement (8º Distrito), na margem direita do Rio Sena, não longe de onde o turbilhão se iniciou.

– A França está em choque. A recuperação levará tempo – afirmou.

A seguir, uma síntese da entrevista.

Como o senhor explica os acontecimentos da França de 7 a 9 de janeiro?
A França foi um país que, durante séculos, recebeu muitas correntes migratórias. Mas quase todas tinham a aspiração de se tornar francesas – pela língua, pela cultura, pela adesão às ideias republicanas e laicas que fazem o espírito da sociedade francesa. O problema com a grande imigração islâmica é que não vem acompanhada desse desejo de adesão inteira a esses valores franceses, e sim de se oferecer como uma civilização e uma cultura alternativas.

Qual o impacto desse fenômeno entre os franceses?
A França não tem o temperamento de aceitar com naturalidade essa diversidade de aproximações. A França tende a ser convicta de que o seu modelo é aquele ao qual os outros devem aderir e que estar no país deve implicar a aceitação de seus valores. A Grã-Bretanha é muito mais flexível, assim como os Estados Unidos e também o Brasil, de certa maneira. São lugares em que os outros podem existir sem ter de aderir a um ideário nacional. O grande problema que temos hoje na França é que grande parte desses imigrantes muçulmanos – veja, o problema não é ser árabe, e sim a ideia do Islã como religião, como cultura, como matriz de pensamento – vivem um choque entre a visão republicana e laica e a sua própria visão religiosa.

Leia todas as entrevistas da série Com a Palavra

A polêmica sobre o uso do véu, que ocorreu há alguns anos, é um exemplo disso?
Houve essa polêmica grande sobre o uso do véu nas ruas e de indumentária islâmica nas escolas porque, de um ponto de vista republicano e laico, ninguém deveria esconder seu rosto. Há um choque intrínseco entre a maneira de ser francesa e a visão islâmica. E isso é uma coisa complicadíssima. E eles são mais numerosos como imigrantes e formam bolsões de pobreza. A França não é brilhante na absorção desse tipo de imigrante. Ela não encontra um espaço natural para eles. Outra coisa é que quase todos vêm do Oriente Médio, que é o lugar mais complicado do mundo. Há dias, eu revi a agenda da primeira reunião a que compareci nas Nações Unidas – eu era rapazola, foi em 1960. Todos os assuntos foram resolvidos: a Guerra Fria, o apartheid, o colonialismo acabaram. A única coisa que não se resolveu é o conjunto dos problemas do Oriente Médio, que não apenas não se resolvem como ficam mais complicados. Esses problemas afloram na França agora, com a reivindicação do Islã por um papel maior, o conflito árabe-israelense e outros.


CHEGADA - Embaixador do Brasil na França de 1997 a 2003, diplomata foi recebido pelo presidente Jacques Chirac (Foto: Eric Feferberg, AFP)

Existiram na França, porém, gerações de imigrantes árabes que não apenas se integraram como levaram esses ideais para as colônias e protagonizaram mudanças. Foi o caso dos líderes da Revolução Argelina, por exemplo, que eram laicos e socialistas.
Os argelinos, marroquinos e tunisianos são menos árabes e mais berberes. São o Ocidente do mundo árabe. Sobretudo naquele momento, a questão de Israel não era decisiva. O que era decisivo era a independência, a autonomia, a emancipação política. Esses imigrantes do Magreb foram absorvidos com um relativo sucesso. O problema é que, depois, a questão do Islã como afirmação nacional e o antagonismo Israel-árabes – os terroristas atacaram na sexta-feira uma loja de produtos kosher em Paris – constituiu um novo ingrediente na mistura. Existe uma rejeição à ideia de que a França representa uma ponta de lança no Oriente Médio. Os muçulmanos mais modernos do Irã e da Turquia voltaram atrás e estão se tornando mais conservadores, mais islâmicos. Houve um recrudescimento – não de uma sociedade que vai ficando cada vez mais laica, mas que retornou a uma certa matriz mais severa e mais religiosa. Outro problema foi o fracasso da Primavera Árabe, que gerou expectativas não cumpridas. E, finalmente, a imigração árabe na França não foi capaz de produzir uma absorção nos níveis mais altos da sociedade. Deputados, senadores, acadêmicos que têm origem no mundo islâmico são irrisórios. A França continua privilegiando as elites que vêm de suas grandes escolas. E a maioria dos árabes não se qualifica para jogar no primeiro time. A França não tem flexibilidade de absorver o diferente. A França hierarquiza em torno, se você quiser, dela mesma.

A crise começou com um ataque à revista satírica Charlie Hebdo, caracterizada por um humor que muitas vezes toma como tema questões religiosas, não apenas do Islã, mas também do cristianismo e do judaísmo. Muitos questionam, mesmo na França, o tipo de humor de Charlie Hebdo. Como o senhor analisa o papel particular dessa linha editorial da revista nos acontecimentos?
Na atitude da Charlie Hebdo e de outras publicações francesas, como o Canard Enchainé, há um humor em torno da religião que me parece duvidoso. Não acho muita graça nele. Esse humor recorre inclusive a uma certa estereotipação. Se você observar a maneira como os árabes são mostrados nessas publicações, eles têm as mesmas características das caricaturas raciais feitas antes sobre os judeus: são sujeitos com barbas longas, nariz adunco, turbantes. Continua a haver uma estereotipação com a qual eu não simpatizo. Que os árabes não gostem disso, compreendo inteiramente. O problema foi a perpetração de um ato criminoso que resultou na morte de 12 pessoas.

Como o senhor interpreta esse ato?
Isso tira a questão do campo do debate intelectual para colocá-la no terreno da criminalidade. Se os franceses árabes estivessem indignados com a ironia em relação a Maomé e fizessem uma manifestação, eu entenderia perfeitamente. O problema é que fomos confrontados com um ato de violência inaceitável. Não estou querendo incorrer num hábito muito francês de discutir tudo isso em termos intelectuais. Este é o momento de haver apenas repúdio a um ato de violência. Se não, começamos a ficar desde já muito inteligentes sobre isso. O meu medo, na França, é que a inteligência ande tão depressa que substitua a indignação.

O senhor refere-se aos hábitos intelectuais franceses, e a esse respeito não se pode deixar de notar que pensadores como Éric Zemmour pregam a islamofobia de maneira aberta – o primeiro chega a sugerir deportação em massa.
A ideia de deportação é um espasmo. A França precisa dos imigrantes. O jogo de imigração presta-se a uma duplicidade. É dito que os árabes vão ocupar a terra e se beneficiar, mas eles estão cumprindo funções de trabalho que, na França, ninguém mais quer fazer. E a França tem hoje taxas de natalidade tão baixas que, sem a imigração, começará a murchar demograficamente. Não há viabilidade, nem o mundo de hoje permitiria que você pusesse pessoas num navio e mandasse de volta sabe-se lá para onde, sobretudo nessa conturbação que é o Oriente Médio.


CULTURA - Ao lado da mulher Liliane, embaixador disseminou a cultura brasileira, como nesta exposição no Louvre (Foto: Eduardo Knapp, Folhapress)

O que representa esse discurso?
Isso é mais uma expressão de mau humor, de frustração e de irritação do que um caminho viável. O que é preciso fazer é encontrar uma forma de acomodar a diversidade dentro da laicidade e do republicanismo. Quando se vai à Grã-Bretanha, você pode falar inglês com 200 sotaques: canadense, australiano, neozelandês, sul-africano, nigeriano – tudo é inglês. Mas se você fala francês com algum sotaque, eles acham que você é um primitivo. A França se coloca no topo de uma pirâmide do saber e hierarquiza para baixo. E as pessoas não gostam de ser colocadas nisso.

Existe também exploração política a respeito dos acontecimentos. Na manifestação deste domingo, por exemplo, muitos não desejam a presença da Frente Nacional (FN), partido francamente xenófobo e racista. Como o senhor vê essa dimensão?
Não há como excluir a FN. Como partido, a FN é cada vez mais importante – Marine Le Pen (presidente da FN) é uma das figuras com condições a aspirar o cargo de primeiro-ministro. Você não pode excluir. Será preciso dizer: estamos reunidos nesta manifestação não por estarmos de acordo em tudo.

O que uniria os grupos?
O fato de estarem reunidos para repudiar a violência. Ou seja, você encapsula a solidariedade a um aspecto, sem aderir aos demais. Mas é muito difícil. A França está vivendo um momento muito complicado. Ao erigir seus valores em um corolário universal, ficou presa em uma camisa de força intelectual, ideológica e comportamental. Se você não estiver enquadrado naquele rigor metodológico e linguístico e na própria técnica de apresentação das ideias, você é visto como bárbaro. O francês já foi uma língua de comunicação mundial. Hoje, é uma língua de cultura, estudada por grupos de pessoas. Há uma perda de espaço intelectual e de prestígio com a qual têm dificuldade de se conciliar. Estamos no momento de repudiar a violência dos ataques. Haverá tempo para discutir todas as complexidades. Pessoas foram mortas de uma maneira que você não pode coonestar.

É possível aos outros grupos políticos aceitar a participação da Frente Nacional na manifestação então?
Churchill (Winston Churchill, primeiro-ministro britânico de 1940 a 1945 e 1951 a 1955) tinha horror à União Soviética, e Roosevelt (Franklin Roosevelt, presidente americano de 1933 a 1945) não menos. E todos fizeram causa comum contra o nazismo. Não se estará aderindo ao ideário da Frente Nacional, mas simplesmente repudiando com toda a convicção os assassinatos. Matar aquelas 12 pessoas e depois outras tantas não é aceitável. Se alguém se junta a você nesse repúdio, será, como dizem os ingleses, fellow traveler (companheiro de viagem). As alianças são feitas conjunturalmente e para fins específicos.


TORCEDOR - Azambuja posou para fotos ao lado do técnico Zagallo antes de treino da Seleção para a Copa de 1998 (Foto: Antonio Scorza, AFP)

Se a França se unir no domingo em torno de uma atitude negativa – o repúdio à violência –, qual será a atitude positiva capaz de manter essa união na segunda-feira?
Na segunda-feira, a França estará ainda traumatizada. As ondas de choque do que ocorreu desde quarta-feira vão durar mais tempo. A França terá um período de reavaliação de sua política interna, de seus valores, de sua relação com os imigrantes. Não é só o imigrante islâmico. Há os africanos, com os quais há uma relação menos tensa. Deverá haver um processo muito grande de autocrítica e de revisão de valores. É preciso perguntar: se num mundo tão diverso e cosmopolita, a França pode se manter tão exclusivamente francesa?

A França tem uma visão equivocada sobre seu papel no mundo hoje?
O país tem ainda uma ideia de seu papel no mundo que não corresponde mais à realidade: a ideia de o brilho, o éclan de sua civilização ainda têm efeito. Trata-se hoje de uma potência europeia sem papel maior sobre o mundo e com dificuldade de se acomodar a isso. Na União Europeia, a Alemanha tem hoje um papel militar e político muito maior. A Grã-Bretanha continua sendo um grande ator, por meio de sua relação imperial e atlântica com os Estados Unidos. A França é hoje uma potência média e tem dificuldade de se ajustar a isso em razão de sua ideia datada de grandeza passada.

O país está amarrado ao seu passado?
Na França, o passado ocupa um espaço excessivo. Napoleão, Luís XIV, Foch, De Gaulle – todos têm espaço demais. Há uma presença do passado maior do que seria adequado. No momento, o meu medo é que a reação seja mais simples, que seja de retaliação, de caça às bruxas, de procura de culpados, de insegurança social. Os imigrantes foram varridos para as banlieues, os subúrbios. E não é uma presença estatisticamente insignificante. É uma presença imensa e crescente. Não sei como vão começar o reexame. Tenho a impressão de que François Hollande (atual presidente) não é o homem para isso. Ele pode administrar um país que sai de uma crise. Mas esse reexame exige grandeza, algo encontrável em um tipo de estadista que não creio que Hollande seja. A França está, no momento, despreparada para enfrentar esse tipo de desafio. Eles precisarão de um pouco mais de tempo. Até porque tenho a impressão de que não se esgotou o processo de violência.

Para o senhor, haverá mais atentados?
Sim. Haverá mortes aqui e acolá. Não vejo isso se esgotando completamente, e sim se prolongando um pouco no tempo. Há um outro problema que merece reflexão. A mobilidade das pessoas no mundo global exige um exame multilateral. As organizações internacionais como a ONU, a União Europeia e outras devem se reunir para discutir como administrar esse problema. Não são 2%, 3% da população – são proporções muito grandes que se deslocam. Creio que temos pano para manga. E não acho que esse episódio esteja esgotado. O primeiro round foi vivido, mas creio que teremos ainda repercussões nas próximas semanas.

Leia todas as últimas notícias de Zero Hora

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/01/marcos-azambuja-a-franca-precisa-analisar-a-relacao-com-os-imigrantes-4678771.html

sábado, 10 de janeiro de 2015

Revolta dos Malês

Revolta dos Malês é revista em textos de escravos e de jornais da época

Motim de islamitas na Bahia completa 180 anos

POR 



Escravos e brancos se misturam na Praça da Piedade, no Centro de Salvador, em gravura do século XIX: lugar foi o palco da Revolta dos Malês, que durou um dia - Reprodução

RIO - Diz-se que, para o muçulmano, Deus se revela pelas letras. É também através de sinais gráficos — unidos em palavras em português, inglês e sinais árabes desenhados com esmero — que estudiosos têm se debruçado recentemente sobre a Revolução dos Malês. O movimento de negros muçulmanos em Salvador, que completa 180 anos no próximo dia 25, pretendia impor a libertação dos escravos e tomar o poder local. Tendo ocorrido na capital baiana, um dos mais importantes centros do país à época, o levante ganhou repercussão em jornais brasileiros e estrangeiros. Liderado por homens que se distinguiam dos demais escravos por motivos religiosos e consequente domínio da escrita e da leitura, ficou registrado também em documentos escritos pelos próprios malês, expressão derivada de imalê, que, na língua iorubá, significa muçulmano. Livros, amuletos e pequenos pedaços de papel que continham palavras escritas em árabe foram apreendidos com os revoltosos.
As palavras escolhidas pelos jornais da época para descrever o levante, analisa Fernando Resende, professor de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), reiteravam estereótipos em torno dos escravos afro-muçulmanos que participaram da rebelião. Resende interpretou o preconceito em relatos de jornais breves, noticiosos e pouco esclarecedores do problema da escravidão. Na verdade, diz, a existência de homens tratados como propriedade de senhores não era sequer tratada como um problema. A preocupação da imprensa, conta ele, era essencialmente comercial. O tema é explorado em sua pesquisa de pós-doutorado recém-concluída na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. Intitulado “Poéticas da alteridade: narrativas midiáticas e o processo de invenção do outro”, o estudo esquadrinhou jornais do século XIX, sobretudo ingleses. Para Resende, a questão tem um viés histórico e ainda ecoa nos dias de hoje.

— Eram notícias muito tomadas por uma perspectiva do Estado. Além de falar uma língua que a colônia não conhecia, eles viviam em um país extremamente católico. O fato de serem muçulmanos aparece com força nesses jornais, com uma abordagem muito parecida com a que vemos hoje. Cai como uma suspeita sobre eles, e (a narrativa) reforça que aquele seria um sujeito indesejado. Faço uma crítica a essa reiteração de uma lógica muito homogeneizadora, que coloca todos num mesmo lugar — avalia o professor.

LEITURA CORÂNICA, REZAS E CONSPIRAÇÃO

Referência no assunto por ter escrito o pioneiro livro “Rebelião escrava no Brasil — A história do levante dos malês em 1835”, o historiador João José Reis detalha o desenrolar do levante que provocaria agitação na cidade por horas. Era madrugada do dia 25 de janeiro de 1835 quando a Revolta dos Malês se concretizou. Organizada sobretudo por muçulmanos, de diferentes etnias, com protagonismo de nagôs e participação de hauçás, o movimento teria sido planejado em reuniões — possibilitadas pela relativa autonomia de que dispunham escravos urbanos — em que exercícios de leitura e escrita corânicas dividiam tempo com rezas e conspirações. E tomou forma ao fim do mês sagrado do Ramadã, com revoltosos munidos de roupas islâmicas, anéis e amuletos protetores produzidos com cópias de rezas, escritos árabes. Mais tarde apreendidos, eles comprovariam o conhecimento da escrita pelos africanos, encarado à época como um sinal de civilização. Cerca de 600 revoltosos participaram do levante, que teve também participação de não muçulmanos. Naquele momento, Salvador tinha cerca de 65 mil habitantes: quatro em cada dez eram escravos, e os brancos não passavam de 20%. O objetivo da revolta seria implantar na Bahia uma nação malê, controlada por muçulmanos.
— Essa revolta é as vezes superdimensionada pela historiografia porque produziu um enorme volume de documentos, e, por isso, pode ser melhor conhecida, ao contrário de outras revoltas e conspirações escravas na Bahia da época, que foram mais de 30. Algumas delas foram bem mais sérias do que a dos malês pelo número maior de africanos envolvidos, pela sua duração, por acontecerem na região dos engenhos, o Recôncavo, pelo estrago material e número de vítimas provocadas pelos rebeldes. A Revolta dos Malês, no entanto, aconteceu no coração de uma grande cidade, onde os brancos se sentiam mais protegidos do que no Recôncavo. A ousadia do ataque, a repercussão local, nacional e até internacional, além de sua dimensão religiosa, tornam esse levante sem dúvida importante — opina Reis.

Para Luciana da Cruz Brito, doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP) e autora de estudos sobre povos negros no Brasil, a escrita árabe tem lugar central na interpretação do levante. Ela explica que a religião muçulmana estava em expansão entre africanos na Bahia. Era dever dos novos devotos aprender a ler o Corão.
— Muitos revoltosos falavam e tinham a habilidade de escrever nessa língua, e, embora não seja possível precisar quantos exatamente podiam ler e escrever em árabe, havia um processo de expansão da religião na província da Bahia — conta a historiadora. — Ainda nos autos do processo, muitos acusados afirmaram não conhecer aquela língua numa tentativa de escapar das acusações e posteriores penas aplicadas ao revoltosos. A língua foi um elemento extraordinário do levante, uma vez que as autoridades locais desconheciam o árabe. Portanto, quando obrigados a traduzir para o português alguns desses documentos que continham informações importantes sobre os planos do levante, alguns suspeitos simplesmente afirmaram que não sabiam ler ou não conseguiam fazer a tradução.

Uma rebelião ‘delicada’

“Leitura, encantamento e rebelião — O Islã negro no Brasil”, tese de doutorado defendida por Priscilla Leal Mello na UFF, em 2009, examina o assunto. A historiadora estudou árabe e examinou uma série de documentos, entre eles os autos da devassa do levante e documentos árabes do Arquivo Público do Estado da Bahia, uma coleção de amuletos e orações. Em sua pesquisa ela ressalta a organização para a rebelião, da qual fizeram parte escritos corânicos e estudos em madraçais, as escolas corânicas improvisadas de Salvador e do Recôncavo baiano.

— O estudo da língua árabe surgiu por encantamento, mas também por respeito àqueles malês. Quis percorrer as escolas corânicas, como eles o fizeram. Hoje, depois de anos de estudos, trabalho com o que no momento estou chamado de delicadeza malê. Há uma delicadeza na rebelião, que é todo o preparo espiritual para o levante. O árabe é uma língua muito delicada para aprender. Ao perceber isso, comecei a tecer, muito recentemente, olhares outros sobre a escrita das orações e dos amuletos, em busca dessa delicadeza — afirma a historiadora. — Não conseguiria avaliar a participação dos que escreviam em caracteres árabes em termos numéricos ou percentuais. A documentação é muito entrecortada. Há escritos sem autores. E certamente há autores sem que tenham sobrevivido os escritos. Mas a documentação é clara acerca da relação dos revoltosos com as letras.

De acordo com a historiografia sobre o tema, a Revolta dos Malês foi fortemente reprimida. Das seis centenas de revoltosos, 73 foram mortos em enfrentamento, além de dez oponentes ao levante. Os derrotados foram condenados a penas de açoite, prisão, banimento e até morte. A partir dali, a população africana passou a ser submetida a uma vigilância e repressão abusivas.


— A repressão ao Levante dos Malês foi tão violenta que é difícil afirmar se esta revolta deixou heranças para a Bahia e para o Brasil e que possam ser facilmente percebidas. Os acusados de envolvimento foram punidos com pena capital, açoites e até mesmo deportação, em alguns casos. Portanto, qualquer sinal de envolvimento no levante e suspeita de associação com a religião muçulmana podia implicar retaliações — conta Luciana da Cruz Brito. — Dali por diante, tornou-se ainda mais importante para a população africana que vivia na Bahia se afirmar como praticante da religião católica, uma vez que as religiões vistas como práticas africanas foram duramente perseguidas. Alguns estudos afirmam que existia na época uma ligação entre o culto a Alá e a Oxalá, e que os praticantes de ambas as religiões compartilhavam a prática de se vestir de branco para reverenciar as divindades.

EPISÓDIO É REFERÊNCIA NA LUTA POR LIBERDADE

A historiadora defende a continuidade dos estudos do episódio histórico, inclusive em escolas. De acordo com ela, o levante diz muito sobre o comportamento dos escravos naquele período.

— De forma mais contemporânea, o movimento negro brasileiro vê o Levante dos Malês como referência da autonomia, poder político e luta pela liberdade dos povos africanos no Brasil, e este é um importante legado. Portanto, esta página importante da história do Brasil deveria estar presente em todos os livros do ensino fundamental e médio. Embora derrotado, o Levante dos Malês foi um episódio importante que, a longo prazo, foi enfraquecendo o sistema escravista e a noção de que povos africanos e afro-brasileiros estavam contentes com sua condição. A resistência fazia parte do seu cotidiano, e a liberdade era mais que um sonho, era um projeto, um objetivo a ser alcançado.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/revolta-dos-males-revista-em-textos-de-escravos-de-jornais-da-epoca-15015704#ixzz3ORV8cwRM 
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domingo, 4 de janeiro de 2015

Presságio



Clio Francesca Tricarico



Penso em ti e emudeço
Tenho medo de errar a sílaba, o tom, o gesto
Não respiro
Medo que tua miragem se desfaça ao meu toque
Tua imagem é só um presságio
Fecho os olhos
Teus sussurros me embalam num sonho
No escuro, procuro os teus lábios e beijo o vento
A contragosto, sou expulsa da fantasia
Só não entendo o teu cheiro em minhas mãos...


(in Antologia del XXIX Premio Mondiale di Poesia)

meu sorriso brilhando no olhar...



Só sei que sei... tu

E me dizem "mas você não tem nada!"
"Mal o conhece...", me dizem

Perguntam "o que ele lhe diz?"
E eu respondo "nada de mais"

(troca de sussurros entre expressões de escárnio...)

Incrédulos, insistem: "mas, então, o que ele lhe faz? o que lhe dá?"
E eu sucumbo sem palavras

Só não consigo disfarçar meu sorriso brilhando no olhar...

O beijo




o que sentimos não cabe no "eu te amo" 

por isso, restamos calados 

dizê-lo seria reduzir este êxtase 

(à beira da insensatez) 



então, vivemos assim 

olhares fugidios 

oscilando entre carícias lânguidas e ardentes 

na tensão que é conter esta explosão dentro do peito 

sempre na iminência de... 

(quem sabe um dia) 

transbordar todo este amor num beijo






http://clioft.blogspot.com/