Karman: jornalista Nobel da Paz luta contra a corrupção
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ARTIGO DA SEMANA
Mulher(es) e jornalista da Paz
Vitor Hugo Soares
Para um mundo em tumulto e à beira de um ataque de nervos – de Jerusalém a Wall Street – a semana não poderia terminar da maneira mais surpreendente e promissora. O Comitê sueco do prêmio anunciou nesta sexta-feira, histórico sete de outubro, a distribuição em partes iguais para três mulheres, do tão emblemático quanto cobiçado Nobel da Paz em sua edição 2011.
O Nobel vai para as liberianas Ellen Johnson-Sirleaf (pacifista e primeira mulher eleita presidente de um país da África) e Leymah Gbowee, parceira da mesma luta humanitária. A terceira laureada é a ativista iemenita Tawakkul Karman, brava criadora do movimento “Mulheres Jornalistas sem Cadeias”, líder da luta não violenta “em favor da segurança das mulheres e dos seus direitos de participarem no processo de paz”.
Aí está uma boa notícia. Plena de relevância e simbolismos em qualquer lugar do planeta e sob qualquer ângulo de observação ou enfoque. Do ponto de vista jornalístico, então, é um fato tão significativo quanto transcendental. Isto já é possível perceber (mais em algumas regiões que em outras) pelas primeiras e intensas repercussões internacionais.
De Salvador, capital da Bahia – chamada por alguns de Roma Negra brasileira -, confesso o impacto no peito e o desejo de gritar um “viva” a pleno pulmão quando ouvi antes do café da manhã a informação através da Rádio Metrópole, no programa jornalístico apresentado pelo âncora e ex-prefeito de Salvador, Mario Kertész.
Temeroso de um mico ou alguma decepção no futuro, a exemplo do acontecido no ano passado, quando o Nobel da Paz foi parar nas mãos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, consegui conter o grito de entusiasmo na hora H. Mas, ainda assim, não resisti de todo: antes de começar a escrever estas linhas, levantei da cadeira e bati palmas. Sozinho na sala do apartamento, aproveitando que a minha mulher, Margarida, também jornalista de antigas e mais recentes batalhas pelo jornalismo, pela liberdade plena de expressão e pelos direitos humanos, havia saído para apanhar um objeto qualquer no quarto, antes de ir para o supermercado, em meio a reclamações contra a inflação, “que anda insuportável em Salvador”. Imagino como deve ter sido no supermercado, mas isso é outra história…
Sei que as três laureadas pelo Comitê do Nobel merecem aplausos em igualdade. Seria hipócrita de minha parte, no entanto, não dizer: senti uma alegria especial, e mesmo um certo orgulho particular, com a premiação de minha distante colega de profissão do Iémen.
Confesso uma ponta de surpresa também com descobertas sobre a laureada à medida que vou recolhendo aqui e ali pedaços de informações dispersas sobre a vida e a atuação de Tawakkul Karman.
A primeira e mais surpreendente para mim, o fato de que ela é uma profissional de jornalismo, carreira muitas vezes tida como ninho de egos e vaidades sem tamanho, formada por gente egocêntrica e que não raramente parece carregar o rei na barriga. Ideias sintetizadas na comparação clássica com os profissionais da Medicina, que li pela primeira vez em livros na biblioteca da Escola de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, onde me diplomei: “o médico imagina que é Deus, o jornalista tem certeza”.
No caso da colega vencedora do Nobel, o que se observa é uma invejável doação pessoal na defesa generosa de causas coletivas tão fundamentais: a paz associada aos direitos de liberdade das mulheres. Ambas tão violentamente agredidas nas regiões onde vivem e lutam as três “guerreiras da Paz” – a denominação vejo na edição online de um jornal de língua espanhola, em reportagem sobre as ganhadoras do Nobel.
Mãe de três filhos, Karman criou o grupo “Mulheres Jornalistas sem Cadeias” em 2005, para defender em primeiro lugar a liberdade de pensamento e expressão. A partir desta iniciativa começou a receber ameaças de morte e ofertas de corrupção por telefones e mensagens postais, partidas muitas delas – nos dois casos – de autoridades governamentais.
Ainda assim, ela denunciou proibições a um jornal e uma rádio, partidas do Ministério de Informação em seu país. Desde então, o pensamento e a ação pacifista da jornalista do Iémen começou a ser percebida e acompanhada mais de perto em regiões democráticas do planeta. De 2007 a 2010, Tawakkul Karman participou ativa e intensamente das manifestações na Praça da Liberdade de Sanaa, capital do Iémen, apesar da violenta repressão do governo. Na revolta iemenita do ano passado, ela organizou as assembleias estudantis nos protestos contra o ditador Ali Abdullah Saleh e seu regime. Por isso, Karman foi presa em 24 de janeiro, e solta em seguida. Convocou então um “Dia de Protesto”, em fevereiro, que a levou novamente à prisão.
Tem mais, mas não conto, não só por questão de espaço, mas na tentativa de despertar o interesse de mais gente para conhecer mais sobre a vida e ação desta mulher e jornalista tão meritoriamente premiada com o Nobel da Paz.
Aproveito as últimas linhas para uma sugestão e um apelo: Que na Marcha contra a Corrupção marcada para Brasília, Salvador e outras cidades brasileiras neste feriado de 12 de outubro, os nomes destas três mulheres notáveis sejam lembrados. Em especial o da colega iemenita, que tem tudo a ver com a pauta do protesto brasileiro. Que tal uma faixa ou uma flor para Tawakkul Karman?
Todos nas praças.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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