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sábado, 31 de dezembro de 2011

Aforismos sem juízo



Eis dez exemplos:

“O ser humano mendiga esperança e sonega franqueza.”

“Sem calma não se pensa. Sem pressa não se capta.”

“Quem não tem opinião, a opinião o tem.”

“O otimismo dá uma reserva de energia; o pessimismo, um método para usá-la.”

“O inimigo mais perigoso do caráter não é a tentação. É a credulidade.”

“O ser humano se acostuma com tudo. Esse é seu drama e sua chance.”

“Política é averbar verbas.”

“Não há preço a pagar como o dízimo da utopia.”

“Primeiro, a paixão melhora as pessoas. Depois, as pessoas pioram a paixão.”

“Estilo é aquilo que você construiu e que já era seu.”


(Aqui, uma entrevista ao poeta Fabrício Carpinejar sobre o livro.)

Terça-feira, 04 de novembro de 2008


ATÉ A BATERIA ACABAR (conversa viajada com Piza)


Daniel Piza reúne suas máximas na coletânea AFORISMOS SEM JUÍZOFoto: Fabrício Carpinejar
Fabrício Carpinejar

Na estrada de São Paulo a Sorocaba, rumando para palestras na Expoliterária, o crítico e escritor Daniel Piza aceitou o desafio: responder perguntas abruptas até a bateria de meu computador acabar.
Ele no banco da frente, eu lá atrás, tentando ser o mais rápido possível para capturar sua lacônica espontaneidade.
Aos 38 anos e 15 livros publicados, entre eles a biografia sobre Machado de Assis (Prêmio Jabuti 2007), Piza está recuperando a importância do aforismo, uma forma literária cortante, de frases incisivas, mais filosóficas do que poéticas, que contrariam o senso dominante. Sentenças explosivas, irônicas, de poucos amigos, destinado a quem realmente é virtuose da palavra.
O tcheco Karl Kraus (1874-1936) é um dos mais conhecidos mestres dessa arte, espécie de haicai do pensamento. Promoveu guerras de argumentos na Viena no início do século passado, criou discípulos como o Nobel Elias Canetti e incendiou platéias com torpedos tal "O que não fere, confere". O francês Chamfort (1740-1794) também demonstrou o quanto tamanho não é documento: "O divórcio é tão natural que, em muitos lares, ele se deita todas as noites entre um marido e sua esposa".
Ainda La Rochefoucauld, Bernard Shaw, Nietzsche, Goethe, Oscar Wilde, Kafka e Bertold Brecht fabricaram suas cartelas de contracepção de lugares-comuns e se dispuseram a agitar a opinião pública com seus concentrados paradoxos.
Na literatura brasileira, os aforistas estão infiltrados nas crônicas, nos romances e no humor. Como Nelson Rodrigues ("Só conhece o amor quem possui a cunhada impossível"), Millôr ("No início, era a verba"), Ponte Preta ("Mulheres são fiéis sem amar"), Otto Lara Resende ("O mineiro só é solidário no câncer"), Luis Fernando Verissimo ("A gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda") e frases antológicas que já se incorporaram ao imaginário popular.
Metódico, Daniel Piza decidiu levantar um livro somente do gênero. Com mais de 400 achados. Acaba de sair pela Bertrand Brasil "Aforismos sem juízo" (109 páginas, R$ 19), coletânea de suas máximas que apareceram no rodapé de sua coluna Sinopse no jornal O Estado de S. Paulo.
Se avião tivesse frase de pára-choque, algumas de suas peças estariam sobrevoando nossas cabeças:
"Primeiro, a paixão melhora as pessoas. Depois, as pessoas pioram a paixão."
"Nada mais crédulo do que não acreditar em nada."
"Em terra de cego quem tem um olho é rei e quem tem dois é réu."
Após dois pedágios e 107 quilômetros, entende-se por que Piza costuma receber o mesmo elogio dado a centroavante quando faz gol: é bem objetivo. Tem o otimismo como preparador físico e o pessimismo de técnico. Confira se não tenho razão.

Você se julga ranzinza?
(risos) Sério de dia e descontraído à noite.

Costuma escrever de dia?
Tarde. No lusco-fusco.

Ainda toma Yakult e come Polenguinho (ele entrou num café e pediu os dois). São manias da infância?
Prazeres profundamente apurados.

Nostalgia de um tempo feliz?
Não, decididamente não sou nostálgico.

Sua infância melhora com o tempo?
Sim. Ela vem melhorando no decorrer dos anos. Na minha memória, o convívio com meus avós torna-se cada vez mais importante. Adorava viver com eles, mas não sabia que seria um contraponto de ternura em relação à própria casa. Minha mãe era durona e meu pai trabalhava muito como médico. Sou caçula de três irmãos homens. Aprendi cedo a ser competitivo.

Isso explica o fato de ser um pai coruja do Bernardo, Letícia e Maria Clara?
Provavelmente. Sou mais mole.

Qual a imagem que gostaria que teus filhos guardassem de você?
De um cara que vivia basicamente movido pela curiosidade incessante.

A curiosidade incessante já o envolveu em enrascada?
Sempre: falo na lata, bato de frente.

Gosta de brigar?
Altercar. Brigar não é comigo.

Brigar não é altercar? Mudar as palavras alivia o significado?
Não penso em aliviar nada. Tento achar o diapasão certo.

Já pediu desculpa?
Para ex-namoradas. Falo para elas: foi mal. Pedi também para leitores.

Escritores não merecem desculpa?
Merecem, mas nunca encontrei um que merecesse.

(Bateria fraca)
Os aforismos são seu recreio nas colunas?
Eu me divirto. É meu recreio e minha palmatória, me dá mais trabalho, onde mais me cobro. Influenciado por Karl Kraus e Oscar Wilde, comecei a guardar os aforismos numa pastinha em 1993.

Faltam aforistas no país? Lembro de Millôr e Verissimo, mas sempre dentro do humor.
Antonio Candido dizia que não pensamos com a língua portuguesa, pensamos na língua portuguesa. Falta esforço de sintaxe, e o poder de pensamento da língua. Essa lacuna de aforismo em nossa literatura reforça sua análise.

Qual a diferença entre o frasista e o aforista?
Frasista é o sujeito que faz ditos memoráveis. Aforista é o que abre outras perspectivas - é a ponta do iceberg de pensamento, de inquietação filosófica. Aforista sofre o que o frasista deixou de sofrer. Paulo Francis, por exemplo, era um bom frasista. Pensador na juventude, depois foi se tornando uma máquina de produzir, fugindo dos grandes debates conceituais.

Qual seu aforismo predileto?
Estilo é aquele que você construiu e já era seu.

Demorou a construir seu estilo?
Entrei no jornalismo aos 21 anos. Tinha um estilo semidescoberto. Procurei o jornalismo para exercer a literatura. Escreveria do mesmo jeito, com a mesma intensidade da juventude. Com 13 anos, enchia cadernos com pensamentos, poemas, contos. Sou um arranjador de palavras. Jornalismo é parte disso.

Qual é seu ponto forte?
Apaixonado distanciamento.

Qual é seu calcanhar-de-aquiles?
Talvez seja a autocrítica violenta, preciso me soltar mais, em especial na ficção.

Quando um crítico conhecido e polemista como você passa a publicar ficção é mal recebido? Há uma predisposição da crítica em não gostar?
Em boa parte dos casos, sim. Mas, em índice de rejeição, Marta e Garotinho estão piores do que eu. O que me cobram, na maioria das vezes, não bate com o que cobro de mim. Minha mulher me acha indiferente demais, que não me deixo abalar por nada.

Gosta de discutir o relacionamento?
Não. Já tive minha carga de relações neuróticas antes da maioridade.

O que mais o encanta numa mulher?
Não faço parte desses hipócritas que dizem que não se importam com a beleza da mulher. Minha máxima: "Ela é bacana e atraente, a inteligência a faria linda".

Se fosse Machado de Assis, o que teria feito que ele não fez com sua obra?
Queria que tivesse elogiado menos Dom Pedro II.

Como Lula vem atuando como seu Dom Pedro II?
Os dois são muito parecidos. Viajam muito, administram pouco, mas certamente não aceitaria uma ordem do cavaleiro da rosa. Ele não me dará.

Seus vícios do lazer?
Vinhos, mulheres e canções. Tenho uma estranha necessidade de viajar em tempos e tempos. Quando era moleque, adorava ler viagens de naturalistas. Um lado meio Joseph Conrad, de navegar no Índico, Pacifico Sul. Talvez seja o meu maior conflito interno.


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