Uma Biscate Qualquer
Ela trepa. Ou não. Só se quiser, mas não sempre que quer, infelizmente. Uma biscate canta alto, lavando a louça, e baixinho, lavando a alma. Porque uma biscate faz essas coisas de quem vive: limpa a casa, cozinha e, vez ou outra, sente o oco no peito e lembra de chorar. Uma biscate trabalha até tarde, bebe com os amigos, resmunga no cinema. Biscate toma banhos demorados e faz caretas pro espelho. Uma biscate esquece futuros e vive as alegrias que se apresentam. Mas, vez ou outra, sonha dormir de conchinha. Acorda meio melancólica, mas ri de si mesma e se sabe ótima companhia. Uma biscate paquera no metrô, só pra não esquecer como é. E dança a noite toda na balada de olhos fechados, sentindo a música brincar nas esquinas do corpo. Biscate tem filho e se preocupa com as notas do fim de ano. E viaja sozinha e não liga pra casa nem pra dar bom dia. Biscate passa a noite acordada, consolando a amiga no telefone. Aí, de manhã, faz maquiagem realçando as olheiras e se diverte com as teorias orgiásticas que explicam o rosto amassado. Biscate diz sim. E não. Diz quando, encolhida na cama. Biscate tem cerveja na geladeira e biscoitinhos recheados na gaveta perto da cama. Biscate gosta de massagem no pé, banho de mar e poesia ao pé do ouvido. Biscate curte palavras de ordem, movimento na rua e de uma série de revoluções por minuto. Uma biscate namora. E não. Sai sozinha, pede chopp e torce em uma partida de rúgbi. Biscate paga suas contas, paga mico, pede passagem. Biscate samba sozinha, na rua e na lua. Biscate é em fragmentos e se faz na beleza de se saber senhora desses pedacinhos todos que, juntos, soletra assim: eu.
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