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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Palavras e suspense. Complementos

Coçou-lhe a orelha, como há tempos não fazia. Ainda dormia, mas viu quando seus pelos eriçaram-se atrás da nuca, por onde deslizou levemente o dedo. Apreciava a vista das costas de seu corpo nu, perfeitamente encaixado entre suas coxas e o lençol ainda suado. Seus pés também tinham os tamanhos certos, as mãos pequenas, delicadas, sempre macias, que cabiam, juntas, em sua palma, as mesmas palmas que produzia o recipiente exato quando seus seios as abraçavam. Complementos.

- Você nunca me tocou assim, com tanto carinho... – disse, revelando seu sono fingido.

- Nunca a vi, assim...

- Assim como?

Beijou-lhe a lombar de sobressalto, com delicadeza, arrancando-lhe um sorriso suspirado. Era sua forma de dizer o indizível. Ia levantando da cama, quando sentiu o braço sendo puxado. As unhas, perfeitamente redondas, a arranhar-lhe delicadamente o peito. O lábio carnudo e só com um pouco resto de batom a sussurar-lhe ao ouvido: “Por que você não consegue dizer que me ama?”.

– Falar apenas estraga o momento. O suspense e a surpresa mantêm os corpos nesse nosso gozo que parece não terminar..., respondeu.

- Você fala bonito.

- Você é toda bela.

Levantou e, em dois passos, estava na cozinha de seu ridículo apartamento. Pegou os ovos (da galinha) e o queijo, enquanto a via pulando em cima da cama, antes de ir ao banheiro banhar-se. “Para dar coragem de tomar banho frio”, disse. Começou a preparar o desjejum e pensou que nunca estivera tanto tempo em um relacionamento. Ao ouvir sua risada espontânea e alta, com pequenos pulos dentro do box, entendeu porquê.

Comeram conversando sobre o casamento dos amigos da noite anterior. Riu quando ela quis apostar que não durariam dois anos. “Ele tem pau pequeno. Ela já disse”, justificava, passando a mão em sua coxa vulnerável e completando “A gente ficaria junto pra sempre”, gargalhando em seguida.

Era fácil. A conversa fluía. Por horas, até. Tinha prazer em segurar-lhe a mão na rua, sentia sua falta quando estavam separados, ainda trocavam mensagens de celular durante o dia e adorava beijar-lhe o sexo e ouvi-la tremer-se até desabar. Ambos estavam no meio de suas respectivas carreiras, naquele estágio em que ainda não se sabe como serão os próximos dez anos, mas que já vivem confortavelmente. Dois seres livres, completamente dependentes, apenas, de si mesmos.

Seguiram o percurso, incomumente, calados. Não havia lágrima na despedida. Colocou suas malas no despacho e esperaram, em silêncio, pela última chamada. Olharam-se longamente, com a certeza sóbria que os colocara naquela situação. Seu seio encostou-lhe o peito e os corações batiam acelerados, em compasso. Encostou-lhe a cabeça abaixo de seu próprio queixo e a massageou a nuca. Não se beijariam. O abraço diria o que fosse necessário.

Ela caminhou hesitante, mas não olhou para trás. Abraçou a amiga que a esperava no saguão e acenou rapidamente. Ele apenas balançou a cabeça. As duas seguiram ao voo que as levariam ao doutorado dos sonhos, a ‘apenas’ 15 horas de distância. No dia seguinte, tocaria seu destino. Ao norte, “no meio do mato”, como ela tantas vezes reclamou, assumir a superintendência bancária que há tanto tempo aguardava. Antes dela. Antes dele, como agora se conhecia.

Encontraram-se sete anos mais tarde, por acaso, em Guarulhos. Atrás dela, sua réplica, com nada mais que três anos. Cumprimentou seu antigo ‘eu’ sem muita vontade. Acenaram. Virou-se e puxou o cigarro que há tempos não acendia. Encontrou a esposa que voltava com o café. Olharam para trás ao mesmo tempo. Riram, com a mesma certeza sóbria de anos antes. Ela seguiu com suas palavras. Ele, com seu suspense. Mas a surpresa se fora.







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