Carol Pires/Terra Magazine Farol do "fim-fim-fim do mundo" |
Carol Pires
De Buenos Aires
De Buenos Aires
Ushuaia é uma poesia. Quase uma cidade inventada pelo Gabriel García Márquez. A cidade fica na última província argentina, Tierra del Fuego. É um arquipélago quase incrustado em território chileno.
O clima da cidade é tão estranho como o de Macondo, a vila imaginada pelo Nobel colombiano. No verão, o sol nasce às 5h e se põe depois das 23h. No inverno, o dia sai às 10h, baixa às 18h.
A temperatura é sempre um mistério. O sol está a pino e cai uma chuva sem aviso. Às vezes a chuva ainda cai a cântaros quando o sol já começa a queimar a cabeça. Também pode chover do lado argentino e fazer sol do outro lado do canal de Beagle, no Chile. E mesmo nos dias mais calmos e agradáveis, não dá pra sair só de camiseta, porque o vento traz rajadas geladas.
No fim do mundo, fui visitar o parque nacional e pesquei um guia dizendo para um grupo de ingleses: "Eu tenho essa cara de 27 anos, mas na verdade tenho 47. É que o gelo aqui conserva as pessoas". Todos riram e ele também. Desconfio que para disfarçar que na verdade é um Buendía fugido de Cem anos de solidão.
Com a promessa de chegar ao fim-fim do mundo (sempre tem alguém oferecendo um passeio mais ao fim), tomei um barco e fui conhecer as outras ilhas menores do arquipélago. A guia, nascida em Ushuaia (logo, uma fueguina, por Tierra del Fuego), se chamava Ana.
Ela vinha dizendo como a orientação espacial dela é diferente da nossa, porque aonde quer que vá, sempre está indo ao Norte. Mas ela vê o copo meio cheio, acha que Ushuaia não é o fim do mundo, e sim o começo dele. Tanto que no barco tinha o quadro de um mapa-múndi ao contrário, com a América do Sul para cima e a do Norte para baixo.
Montanhas nevadas em meio ao sol quente de Ushuaia (Foto: Carol Pires)
O sol quente, as montanhas nevadas, a ilha dos lobos marinhos, os pinguins, o homem conservado pelo gelo, a Ana que vive de cabeça para baixo, a última mulher do corpo frio - tudo tão bonito que bateu até uma melancolia.
Duas horas e meia, duas ilhas, e um chocolate quente depois, Ana anuncia que estamos chegando ao fim-fim-fim do mundo. Quando o barco para, a melancolia passa, porque ao chegar ao fim do mundo ainda encontramos um farol.
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