Muitos chefs — e o Alex Atala é o mais conhecido deles – andam fazendo uma cozinha contemporânea que valoriza a culinária regional brasileira, sobretudo a amazônica, que agora é oferecida aos gourmets em forma de mimosas criações gastronômicas encimadas por rococós de inspiração europeia.
É uma velha moda, que vai e volta. Se prestar atenção, verá que desde 1665 nossa comida satisfaz olhos e estômagos dos mais urbanos. Padre Antônio Vieira atestou, horrorizado, que a mesa belenense da época era puramente indígena, um festim permanente de peixes moqueados, caças e frutas da estação; os colonizadores portugueses, saciados, deitavam nus em suas redes.
Belém é um interessante caldeirão de misturas étnicas e gastronômicas. À base da comida indígena paraense – única verdadeiramente brasileira, segundo o filósofo José Arthur Gianotti – juntaram-se sabores africanos, portugueses, alemães, japoneses, libaneses, sírios, judeus, ingleses, barbadianos, espanhóis, franceses e italianos.
Não dá para endossar o exagero do escritor Márcio Souza, autor do inesquecível “Galvez, Imperador do Acre”, quando diz que a culinária amazônica é “uma prova da superioridade das civilizações indígenas”. Mas é claro que os povos que chegaram a Belém encantaram-se com a cozinha nativa e, aos poucos, foram incorporando os ingredientes locais às receitas de além-mar. Senão, vejamos.
Os judeus marroquinos ficaram maravilhados com a quantidade de peixes com escamas do rio Guamá. Por certo, riscaram do cardápio o filé de filhote (peixe de couro, popularíssimo na região) por causa das restrições alimentares, mas em Santarém celebravam a Páscoa com macaxeira frita ou cozida, cuscuz, tapioquinha, bolo de tapioca e pupunhas com doce de cupuaçu.
Libaneses e sírios são até hoje uma importante colônia em Belém e, pouco depois de surgirem rio adentro, no fim do século 19, como verdadeiros mascates fluviais – como se nas páginas dum romance de Milton Hatoum estivessem –, trocaram o pistache e as tâmaras pela castanha do Pará na receita de seus famosos doces folheados.
Africanos remanescentes dos quilombos popularizaram o gergelim nos doces e as múltiplas pimentas (murupi, camapu, olho-de-peixe, cajurana). A maniçoba que me foi servida pelas cuidadosas mãos do Alcides no melhor restaurante da cidade, o Lá em Casa, é um exemplo definitivo do casamento perfeito entre as raízes das cozinhas índigena e africana.
Os índios, óbvio, são mestres ancestrais no preparo da mandioca, caldeiradas, peixes (piranha, pirarucu, surubim, tucunaré, tambaqui), folhas (maniva, chicória, alfavaca) e frutas (bacuri, ingá, guaraná, açaí, ginja, biriba – dão deliciosos sorvetes).
Os ingleses chegaram durante o próspero ciclo da borracha, trazendo construções pré-fabricadas que viraram cartão-postal, como o mercado Ver-o-peso. Sua vocação culinária, sabemos, nunca foi uma brastemp mas, em compensação, os caribenhos de Barbados por eles empregados na construção civil legaram um interessante churrasco de peixe, o “peixe avoado”.
Por falar nisso, a cidade tem a segunda maior colônia nipônica do país e o sashimi, servido em bons restaurantes na cidade, é preparado com os peixes da região.
São comuns nas docerias de Belém as tortas de cupuaçu com queijo do Reino e os pastéis de Santa Clara com recheio da mesma fruta, duas adaptações saborosas das clássicas sobremesas portuguesas.
É uma velha moda, que vai e volta.
O professor Aldrin Moura de Figueiredo, do departamento de história da Universidade Federal do Pará, lembra que, no final do século 19, os belenenses endinheirados ofereciam a políticos e autoridades banquetes comandados por chefs franceses. Peixes, caças e frutas da estação com cobertura de mimosidades européias.
Até parece uma certa cozinha contemporânea chique que adaptou a culinária amazônica para o proveito dos comensais urbanos.
Leia mais:
Culinária Amazônica – O sabor da natureza, prefácio de Márcio de Souza (Editora Senac)
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