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domingo, 8 de janeiro de 2012

Mitos

 

Gerome, Pigmalião e Galatéia

Nunca gostei do mito de Pigmalião; porque creio que há algo de nobre no artista que subestima a própria obra (orgulho às avessas?), mais ainda naquele que, de ato pensado, é capaz de destruí-la. Talvez haja nessa visão um franciscanismo hipócrita da minha parte; ainda estou consultando o meu inconsciente para investigar.
A esse respeito, não sei se por engano, sempre vi no mito de Orfeu uma alusão ao caminho do artista: quando ele olha para trás, perde o seu objeto de desejo; fixado pela perda ao momento único, desesperado, será estraçalhado (fragmentado) pelas ninfas, as mesmas que o cobiçavam ao cobri-lo de glória.
Esse olhar para trás é uma decisão presente e se refere ao apego pelo presente como afeto, ao aprisionamento do desejo no que já existe, à obra, enfim. Mas, criar não seria um ato ascensional, mesmo que ilusório? Pois parece que só inflama o desejo e merece o afeto a obra que está para ser feita. Ela ainda não existe! E se já existe é porque chegou o fim, sedimentou-se ao patamar que não é mais do que o próprio térreo. E a obra realizada se torna um signo da impotência, do desfalecimento, do desespero íntimo que nem as dialéticas noções de glória e reconhecimento, nem a pequeno-burguesa idéia do dever cumprido são capazes de aplacar. Pois o artista sabe que faria tudo novamente mesmo que fosse de maneira anônima. E, no fundo, sempre é um esforço anônimo, senão para ele próprio.
O amor pela obra presente só pode ser relativo e volúvel. Alguém nos diz que é boa, mas desconfiamos que não. Em contrapartida, quanto amor pela obra futura que é cobiçada entre o entusiasmo e a melancolia pelo temor de não poder realizá-la. Muitos artistas dizem lidar com o efêmero, mas fazem registros e documentam a obra para que não seja... efêmera! Dirão que é para a remontagem posterior do próprio processo, do seu percurso; porém, se há registro é porque julgam que o que importa é a obra (mesmo que seja feita de fezes de artista). Ora, se há processo ativo ele é interno, e se refere à única obra que não é efêmera, a futura. Processo se faz por etapas superadas, relativas, que não podem ser superestimadas. Parece que é inevitável a confusão entre o olhar do artista e o olhar do outro que o julga a partir da obra já realizada.
Desconfio que Michelangelo jamais chegasse a desafiar o seu Moisés; só um observador não-criador poderia dizer à estátua: Parla!
Talvez para muitos essa questão não se refira à gênese da obra, mas ao Eclesiastes. Quem sabe até para mim mesmo! Ou isso se deve à minha desconfiança para com o que realizo?

Michelangelo, Moisés




 

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