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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Nova York-Rio

por Rogério Daflon

De Nova York, o arquiteto Rodrigo Azevedo enviou texto ao blog em que disseca um pouco a alma da cidade. A população de lá, diz o arquiteto, participa de quase tudo que envolve seu destino.
O urbanista carioca esmiuça todo esse envolvimento, que confere à Grande Maça um sabor de democracia. Rodrigo, que projetou o Mercado Popular da Rocinha e está à frente do Projeto Nova Luz em São Paulo, escreve sempre sob a perspectiva do atual momento do Rio de Janeiro. Veja no texto abaixo.

"Nos últimos cinco anos muito se foi falado e comentado sobre a principal intervenção urbana de Nova York, a High Line (fotos), um parque público suspenso em uma estrutura de ferro elevada para trens de carga construída na década de 1930 e abandonada a partir da década de 1960, que cruza parte do sudoeste da ilha de Manhattan, mais precisamente na região conhecida como Meat Pack District, antiga área portuária da ilha. Este trecho da cidade é formado por antigos galpões e prédios industriais, uma arquitetura que pouco se vê na ilha e que foi preservada por conta do abandono e do desinteresse da especulação imobiliaria pela area. Esta região talvez fosse o ultimo bastião de uma Nova York “suja”, tipo uma Lapa dos anos 80, com seus bares e boates somente para iniciados. Madonna costumava ir a uma boate sob a “antiga” High Line, local que também era palco de renomados DJs da cena internacional do dance and trance music.

Entretanto, chegou a vez do meat pack district ser renovado, ou como dizem os antigos usuários da área, cleaned up. Na verdade, desde a decada de 80 tenta-se, sem sucesso, demolir a estrutura elevada para abrir espaço a novos empreendimentos comerciais. Por conta disso, na decada de 90, moradores se organizam para lutar pela preservaçao da high line e, conscientes ou não, levantam uma importante questão: a complexidade está na diversidade ou a capacidade da sociedade em preservar sua história e ao mesmo tempo prover usos compatíveis com as demandas (implícitas) contemporâneas.

Neste contexto, a reconversão da High Line (www.thehighline.org) é um ícone urbano desta transformação: um parque que descortina as mais belas paisagens da região, uma intervenção que se propõe abrir os olhos e o coração das pessoas para a beleza, os detalhes e as particularidades da área. Desconcertante, pois atua como um atrator da renovação urbana e ao mesmo tempo um “vigilante” da paisagem do antigo meat pack district.


Os usos vão pouco a pouco mudando à medida que a área se valoriza, e galpões e armazéns já nao têm mais vez como depósitos. Mas são suas formas e espacialidades únicas que de fato atraem novas atividades e fomentam esta valorização. Os recentes prédios residenciais de Frank Ghery e Jean Nouvel surgem a partir deste contexto e com ele dialogam. Percebe-se claramente que Nova York mudou muito desde quando Jane Jacobs escreveu seu livro seminal The Death and Life of Great American Cities, retratando como, na decada de 50, o governo local intervinha de forma arbitrária demolindo construções, paisagens e bairros para abrir caminho as avenidas e a especulação imobiliaria. Em resumo: destruia a complexidade para construir a banalidade.

Por tudo descrito acima, creio que Nova York (e seu “novo” Meat Pack District) despontam como uma importante referência para as intervenções pensadas na área portuária do Rio de Janeiro, uma área muito especial por conta de sua história, arquitetura e espacialidade (única na cidade) e sociedade. As imagens do projeto urbano carioca divulgadas até o momento mostram um amontoado de torres de 40 a 50 andares – em substituição aos belos galpões - na franja da Baia de Guanabara, obstruindo (e destruindo) a bela paisagem desta região. Se esta imagens são de fato o que será construído, temo que esta intervenção na área portuária do Rio esteja, pelo menos, 50 anos defasada em relação a NY.

Como está tudo no papel, os cariocas ainda podem mudar seu futuro e, assim como fizeram Jane Jacobs e a associação de amigos da High Line, construir uma cidade tão interessante e plural quanto NY. E que venha 2012, e sem resquicios de 1950!"


http://oglobo.globo.com/blogs/rioreguaecompasso/

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