É claro que não é difícil descartar algumas. Entre as “pobres”, por exemplo, é fácil imaginar que a Renascer do Jacarepaguá será rebaixada. Foi ruim? Não. Mas foi, evidentemente, a que se apresentou com orçamento mais baixo, o que ficou evidente na Avenida. Suas alegorias eram de bom gosto, mas como com- parar com os carros gigantescos da Beija- Flor? O problema deste carnaval de 2012 começa na outra escola pobre: a São Clemente. Quem terá coragem de descartar um desfile bem feito, divertido, de apelo popular como o que ela apresentou? Como castigar a escola que surpreendeu com as alegorias infláveis?
Ficando a São Clemente, então qual é a que sai? Aposto na Porto da Pedra. E não vai aqui nenhuma implicância com o esdrúxulo enredo do iogurte. É preciso admitir até que a escola de São Gonçalo soube desenvolvê-lo — se bem que se houvesse um mínimo de humor nas ideias do carnavalesco, a Porto da Pedra deixaria uma impressão melhor. Levar a sério o iogurte é uma daquelas bobagens que podem estragar a passagem de uma escola pelo Sambódromo. Mas houve uma bobagem maior. Com um enredo polêmico, a Porto da Pedra não poderia se dar ao luxo — já havia luxo demais em suas fantasias e alegorias — de escolher um samba-enredo ruim. E a esco-la teve o pior samba do ano.
Isso faz a diferença num ano em que a qualidade dos sambas foi um dos pontos altos do desfile. Há muito tempo o Sambódromo não via uma safra tão boa. O que parecia ser uma vantagem da Portela sobre as outras mostrou-se um lugar comum na Avenida. O samba da Portela era mesmo o melhor, mas todos os sambas funcionaram. E a Portela perdeu o que poderia ser um diferencial sobre as concorrentes. Pode-se descartar também a probabilidade de a Imperatriz estar entre as primeiras. Uma escola que apresenta um
carro alegórico se desmanchando como o do Pelourinho não pode chegar lá. Num ano em que a
competência fez todas as agremiações se igualarem, é motivo até para rebaixamento.
Nos últimos anos, um quesito que vinha fazendo a diferença era o da comissão de frente. Mas, agora, as comissões são tão criativas que é difícil fazer uma se destacar. Por sinal, estão criativas demais. Tão criativas que é até um alívio quando passa uma comissão simples e bonita como aconteceu este ano com a Portela e a Mangueira. As outras seriam mais bem assimiladas se viessem acompanhadas de legenda. Quem assistiu à transmissão pela TV soube que a mola colorida da Unidos da Tijuca representava a “alma da sanfona”. Quem estava no Sambódromo dançou.
A mola da Tijuca, aliás, poderia ser um exemplo de outro diferencial de uma escola no carnaval de 2012: a criatividade de Paulo Barros. Será? A mola com movimento humano é um velho número do grupo suíço Mummenschanz já mais do que conhecido por quem frequenta os espetáculos da trupe em suas excursões pelo Brasil. Pode-se sempre dizer que a “criatividade” está no uso carnavalesco da técnica de pantomima. Mas é exatamente assim, como sanfona, que a mola vem sendo mostrada no espetáculo “Ovo”, dirigido por Deborah Colker, para o Cirque du Soleil.
Nem por isso a Tijuca esteve menos criativa. Paulo Barros ainda é o carnavalesco a ser superado no desfile. Foi ele quem melhor utilizou um velho clichê dos desfiles: escola de samba é o grande teatro do povo. Não houve desfile mais teatral do que o da Tijuca. E o melhor exemplo disso esteve no sensacional carro alegórico que reproduzia a chegada da realeza mundial, pelo portão de desembarque de um aeroporto, para a coroação de Luiz Gonzaga. E Paulo Barros foi dos pouco que usaram o que é fundamental no carnaval: o bom humor. Suas alas, seus carros, suas coreografias foram sempre divertidas. Outra escola que soube ser bem-humorada este ano foi a União da Ilha com sua fantasia sobre a Grã-Bretanha e as Olimpíadas. Palmas para o carnavalesco Alex de Souza, que ainda provocou um dos momentos mais emocionantes das duas noites de desfile: as alas coreografadas que formavam os anéis olímpicos.
Então, qual foi o diferencial de 2012? Para igualar mais ainda todas as escolas, houve também a coincidência de muitos enredos fazerem referência ao Nordeste. Em todos os carnavais da minha vida, nunca vi tantas alas de cangaceiros.
Mas houve um diferencial. Até a madrugada de ontem, achei que ele seria o carro da Beija- Flor que homenageava Joãosinho Trinta. A reprodução da famosa alegoria de mendigos do enredo “Ratos e urubus”, com Joãosinho agora fazendo o papel do Cristo censurado em 1989, era sensacional. Mas aí a verde-e-rosa entrou na Passarela do Samba sob o comando da bateria de mestre Aílton. E fez aquela paradinha quase interminável, logo apelidada de paradona. Faz tempo que o som dos desfiles é pasteurizado (sem ne-nhuma referência ao enredo da Porto da Pedra), com a predominância do cavaquinho eletrificado e zero de canto das arquibancadas. A paradona da Mangueira fez com que o canto das arquibancadas voltasse a ser destaque, trazendo mais emoção ainda ao belo samba de Igor Leal, Lequinho, Junior Fionda e Paulinho Carvalho.
Eu não tenho a menor ideia de que escola vá ganhar esta competição (o Estandarte de Ouro apostou na Vila Isabel, não dá para descartar o Salgueiro, quem ousa não botar fé na Beija-Flor?), mas tenho certeza de que este foi o carnaval da Mangueira.
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