24/02/2012 14:49 | Autor: Eduardo Escorel
Foto de cena de A invenção de Hugo Cabret com o menino e Ben Kingsley.
Foto de cena de A invenção de Hugo Cabret com o menino, Jude Law e o autômato.
Foto de Georges Méliès
As previsões são de que O Artista ganhe os principais Oscars no próximo domingo, quando A invenção de Hugo Cabret, produzido e dirigido por Martin Scorsese, estará concorrendo a 11 prêmios, sendo o filme com maior número de indicações entre os nove concorrentes, um a mais do que O Artista, dirigido por Michel Hazanavicius.
O resultado sempre pode surpreender, mas chama atenção que tanto Hugo quanto O Artista, além de Meia-noite em Paris, sejam envoltos em nostalgia – no caso dos dois primeiros, pelos primórdios do cinema e pela época do silencioso.
Se a premiação for a prevista, mais uma vez a maioria dos 5,765 eleitores da Academia, dos quais 77% são homens e 94% brancos, terá escolhido uma brincadeira insignificante, deixando de lado, além de Hugo, o filme escrito e dirigido por Woody Allen, muito superior aos outros dois, ao menos para o espectador adulto.
Uma explicação possível para a vitória anunciada, é a bilheteria, quesito em que O Artista obteve resultado melhor do que Hugo. Produzido por apenas 15 milhões de dólares, O Artista já rendeu mais de 60 milhões, enquanto Hugo decepcionou. Com orçamento de mais de 150 milhões de dólares rendeu apenas cerca de 110 milhões, 25% do necessário para configurar um sucesso.
No Brasil, os dois filmes foram derrotados pelo batuque e a preferência do público foi por Motoqueiro fantasma 2, lançado em 505 salas, com média de 868 espectadores por cinema.
Depois de estrear com média de 694 espectadores por sala, em 58 cinemas, O Artista teve queda de frequência de 48% durante o carnaval, acumulando cerca de 120 mil espectadores. Hugo, por sua vez, lançado durante a folia em 308 salas, amargou média de apenas 373 espectadores por cinema. (Dados do Boletim Filme B)
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Além da nostalgia, O Artista e Hugo tem em comum também serem para adolescentes, embora uma distância abissal os diferencie. Hugo é uma encantadora fantasia juvenil, feita com maestria, satisfatória para adultos dispostos a um entretenimento ligeiro. Já O Artista não passa de um artifício vazio, celebração ingênua e inconsistente, pálida contrafação de um filme silencioso, sedutor para espíritos ingênuos.
Embora dirigido aos jovens, o próprio Scorsese talvez seja responsável pelo fato de Hugo não tê-los atraído em número significativo. Ao tratar do drama de Georges Méliès, deu ao filme tom ao mesmo tempo feérico e melancólico, combinação que parece ter sido letal para a bilheteria, conforme demonstra o êxito do radioso e rasteiro O Artista. O personagem de Méliès carrega infinita tristeza, mesmo sem ter sido dada ênfase à sua ruína financeira. O afastamento do cinema, a perda do seu estúdio e a crença que todos seus filmes estavam perdidos deixam um travo amargo no espectador de Hugo, que dificulta alçar voo e se deixar levar pela fantasia.
Foto de cena de A invenção de Hugo Cabret com o menino, Jude Law e o autômato.
O menino Hugo Cabret, escondido atrás das paredes, regula os relógios da estação de trem. Vive semi-oculto, em espaço próprio, e domina o tempo – metáfora do cineasta que mesmo sem ter presença corpórea no filme é seu regente, e constroi um artefato a partir da articulação do espaço e do tempo. Quando Cabret conserta o autômato, cria uma vida paralela à real, como acontece no cinema, e se qualifica para ser o veículo da redescoberta do pioneiro da fantasia cinematográfica, Georges Méliès, autor em que sonho e imaginação tem primazia sobre o real.
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Em 1931, quando Georges Méliès (1861-1938) recebeu a cruz da Legião de honra, foi saudado por Louis Lumière como “criador do espetáculo cinematográfico”. (ao lado: foto da Viagem à lua)
Sem recursos, nem ajuda, continuou a cuidar da loja na estação de Montparnasse onde os negócios iam mal. Nessa época, Méliès escreveu:
“Aos setenta e um anos, nunca um dia de descanso. Ao ar livre todo o tempo, inverno ou verão, prisioneiro quinze horas por dia, mesmo domingos e feriados, sem aquecimento no inverno, numa loja aberta a todos os ventos. Ao todo, ganhando apenas o suficiente para não morrer de fome.”
Nos sete anos seguintes, até morrer, viveu com sua mulher e sua neta, Madeleine, em um apartamento de três cômodos, no castelo de Orly, comprado pouco antes pela Companhia seguradora do cinema. Segundo depoimento de Madeleine, estava sempre ocupado, desenhando, fazendo caricaturas. “Ficava tão alegre no sofrimento ou numa situação modesta quanto na época de esplendor e sucesso.” (Georges Sadoul, Georges Méliès. Seghers, 1961).
Foto de Georges Méliès
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Hugo cultua o passado recorrendo ao estado da arte. É um filme contemporâneo que lança mão da tecnologia mais avançada para voltar às origens do cinema, sem apelar para as falsas aparências de O Artista – o preto&branco e a ausência quase total de diálogos. Scorsese consegue a proeza, nada desprezível, de dotar Hugo de autenticidade, enquanto O Artista é pura aparência, cópia e efeito pré-fabricado.
Resta conjecturar se o fato de Hugo e O Artista tratarem do período anterior ao sonoro é apenas coincidência, ou mais um sinal de esgotamento do cinema feito desde então.
Cineasta prolífico, Scorsese parece estar temperando forças para revigorar novos projetos. O que esperar de Michel Hazanavicius, o provável vencedor de domingo, é uma incógnita. Mas, se ganhar o Oscar, uma coisa é certa: voltaremos logo a ouvir falar dele
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