“Para um homem de 52 anos, divorciado, ele achava que tinha resolvido bem o problema do sexo.”
Eu acho que a frase mais importante de um livro é a primeira. Não precisa concordar comigo. Eu mesmo me reservo o direito de no futuro mudar de ideia. Mas faço essa afirmação peremptoriamente porque me parece que a primeira frase pode definir tanto o destino de um livro como o de seus potenciais leitores.
Tive a prova disso ontem. Era domingo. Tinha de ir ao supermercado. Tinha de passear com os cachorros. Tinha de arrumar os armários. Mas, assim como quem não quer nada, meio que por acaso, abri um livro que havia ficado esquecido numa estante do meu escritório. Sua primeira frase era a seguinte:
“Não é a geografia, não é a arquitetura, não são os heróis nem as batalhas, muito menos a crônica de costumes ou as imagens criadas pela fantasia dos poetas: o que define uma cidade é a história de seus crimes” (Alberto Mussa, O Senhor do lado esquerdo).
Pois bem, pelo menos no que me diz respeito, essa primeira frase mudou meu destino nesse domingo. Não fui ao supermercado, nem passear com os cachorros, e o armário continua bagunçado. Mas li 111 páginas de um livro que nem lembrava possuir. Nesta segunda-feira, continuarei minha leitura, e o meu destino, em relação ao que parecia que seria ontem, terá mudado hoje também, só porque abri um livro e li sua primeira frase.
Não que um início trivial espante o leitor. No entanto, uma boa abertura, ao sintetizar o espírito de uma obra, determina a urgência de sua leitura.
“Para um homem de 52 anos, divorciado, ele achava que tinha resolvido bem o problema do sexo” (J.M. Coetzee, Desonra).
Do mesmo modo, uma boa abertura delineia a abordagem do escritor em relação ao leitor. É a apresentação de seu trabalho.
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo início ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.” (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas“)
Em certo sentido, uma boa primeira frase é como uma boa cantada. Pode seduzir, porque anuncia todo um universo de possibilidades prazerosas. Funciona como um convite, como um definidor de vontades. Claro que relações maravilhosas podem começar com abordagens desastradas, mas isso é a exceção. Acho que o melhor é começar com o pé direito, com vontade de seguir em frente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário