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quinta-feira, 26 de abril de 2012

O amor nos é entregue‏


[Picasso.Amor.(doc.1)]

26 de abril de 2012

Arte: Picasso
Por Marina Colasanti

A moça apaixonou-se por um moço. Para ela, o mais bonito e o melhor da cidade. Para seus pais, se não o pior, quase. O namoro foi proibido, o casamento estava fora de questão. Ela tingiu suas roupas de preto e pelo resto da vida vestiu luto fechado. Nem saiu mais de casa, a não ser para ir à igreja.
Sua irmã, temendo cair em igual sofrimento, escolheu tanto entre os possíveis pretendentes, avaliando-os não só com os seus olhos, mas também com os dos pais, que acabou ficando sem nenhum, solteira eterna.
E a caçula, tendo aprendido que escolher cedo demais era muito arriscado e que demorar demais era perigo certo, casou no meio do seu próprio percurso. Foi silenciosamente infeliz, apanhando do marido dali em diante, sem coragem de confessar à família que errara na escolha.
Um homem se apaixonou pela companheira do seu melhor amigo. Pensou que ela também o amasse, já que havia cedido com tanto entusiasmo que nem parecia ceder. Mantiveram o caso longamente. Ele, sempre mal consigo mesmo porque traía o amigo, mal com o amigo de quem evitava o olhar. O amigo, mal com o outro porque sabia que estava sendo traído, mal consigo mesmo por deixar-se trair, mal com a mulher, que amava e não queria deixar. Os dois esperando que ela decidisse. Depois, o caso acabou. O amigo casou-se com ela. Os dois homens mantiveram a amizade esfriada, em que um muro se havia erguido.
Do alto da janela de um quarto de hotel, olho os dois casais que tomam banho na piscina lá embaixo. Os homens estão de pé, encostados na parede de ladrilhos, a piscina naquele ponto é rasa. Um deles tem a mulher sentada num dos joelhos dobrados, o outro abraça pela cintura sua mulher, que lhe dá as costas. Que tão brancas são as duas mulheres! E gordas, fofas e generosas, os seios debruçados no decote colorido, a barriga entornando por cima da calcinha do biquíni. Movem-se lentas, mas sem sair do lugar, na água que talvez esteja morna, na tarde quente. Braços e pernas se abrem e fecham mais para sentir o deslizar acariciante da água, do que tentando nadar. E aquele mover-se de polvo, de boto, aquele ondear de carnes, repercute em ondas gentis contra o peito dos homens que, parados, conversam. Quanta sensualidade nessa cena. Os quatro sabem que quando começar a escurecer – e a hora já se aproxima – sairão da piscina buscando as toalhas, irão para o quarto e farão amor, antes ou depois do banho. Ou antes e depois. Para isso vieram passar o fim de semana nessa cidade, nesse hotel.
Histórias de amor nos chegam a todo momento, de toda parte. Estava eu sentada na poltrona, depois de uma palestra, autografando livros. Ela veio, me estendeu o seu exemplar e acocorou-se ao meu lado. Chamava-se M. Xingjan, me disse. Chinesa, acrescentou. E no breve tempo em que eu escrevia “Para M. Xingjan, com carinho” e assinava, ela me contou que estava naquela cidade porque, em Pequim, havia-se apaixonado por um nordestino, e por ele havia deixado sua pátria, sua cultura, sua família e seus hábitos. Para ele havia vindo viver naquela cidade tão diferente da sua. E, afinal, ele a havia deixado por uma jovem de 17 anos.
Com doçura, ressentimento, dor ou alegria, o amor nos é entregue. E a cada entrega nos toca e nos comove, como se fosse parte do nosso próprio amor.

http://www.substantivoplural.com.br/o-amor-nos-e-entregue%e2%80%8f/#more-43337

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