Saiu na Folha de hoje
(25/4/12):
“STF retoma hoje julgamento das cotas em universidades
O Supremo Tribunal Federal deve retomar hoje a discussão sobre a constitucionalidade de reserva de vagas em universidades brasileiras, as chamadas cotas. Três ações diferentes, com o mesmo tema de fundo, estão na pauta.
A primeira delas questiona dispositivo do ProUni (Programa Universidade para Todos) que reserva bolsas de estudo em universidades privadas a pessoas com deficiência e aos autodeclarados indígenas, pardos ou negros (…)
Na ocasião, o relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela constitucionalidade do programa, entendendo se tratar de uma forma ‘eficaz’ de combater situações de desigualdade e promover o ‘reequilíbrio social’.
‘A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais’, disse à época.
As outras duas ações, relatadas pelo ministro Ricardo Lewandowski, questionam o sistema de cotas da UnB (Universidade de Brasília) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) (…)
O estudante Giovane Pasqualito Fialho foi reprovado no vestibular para o curso de administração, mesmo com nota superior a dos alunos aprovados pelas cotas, e entrou na Justiça. Ele argumentou que o sistema da universidade era, na realidade, um ‘pacto da mediocridade’, além de prática de racismo”
O problema das cotas é complicado não só porque não há resposta certa, mas também porque não há resposta errada. Você acha bons argumentos tanto a favor quanto contra nos dois lados. Argumentos tanto jurídicos quanto sociológicos.
Há argumentos contrários que precisam ser escutados, como o apresentado pelo estudante no último parágrafo da matéria, e outros como o de que, nos EUA (onde esses programas já existem há décadas), os negros beneficiados pelos programas de cotas passaram a formar um grupo cultural – o de negros ricos e bem educados –pouco conectado com o grupo que se pretendia beneficiar (negros pobres); ou que empregadores acabam discriminando todos os negros formados em tal universidade porque acham que eles entraram não por mérito, mas por caridade.
E há argumentos a favor que têm o mesmo valor, como o de que a razão pela qual pessoas com notas mais baixas devem ser admitidas é justamente porque elas não tiveram a oportunidade de estudar em boas escolas que lhes possibilitariam competir de igual para igual com pessoas brancas que estudaram em escolas privadas, ou o de que brancos ricos também não fazem parte do mesmo grupo cultural que os brancos pobres.
O problema é pior no Brasil porque, como as iniciativas desse tipo são muito novas no país, não temos uma base de dados que possibilitem análises mais sólidas.
Do ponto de vista jurídico, há também argumentos a favor e contrário. A Constituição estabelece que todos somos iguais perante a lei, mas apenas na medida de nossa igualdade. Programas de cotas em concursos públicos para deficientes ou equiparação de renda como o bolsa família ou prender um criminoso enquanto se protege a pessoa de bom caráter são exemplos de como pessoas diferentes são tratadas de formas diferentes pelas nossas leis.
O problema é que elas precisam ser tratadas de formas diferentes apenas na medida de sua desigualdade, e precisamos estabelecer critérios para determinar quais desigualdades devem ser reequilibradas. Por que cotas para deficiente em concursos públicos e não para negros? Por que cotas para negros em faculdades e não para mulheres? Por que cotas para mulheres nas eleições e não para índios? Por que inimputabilidade para índios e não para idosos? Por que filas especiais para os idosos mas não para as crianças? E assim por diante.
Levadas às últimas consequências, teríamos uma cota para cada atividade para cada pessoa no país (afinal, somos todos, no fundo, únicos), o que não é possível ou justo. E tampouco é justo todo mundo ser tratado da mesma forma, independente de suas diferenças. Em algum lugar precisa haver um limite, e é aí que está o verdadeiro problema nesse debate.
Sociedade diferentes têm sensos de justiça diferentes. O que é justo para mim, não é justo para você. Eu posso achar que é justo escolher uma pessoa para carregar toda a infelicidade do mundo em seus ombros. Essa seria a pessoa mais infeliz do mundo, carregando todas as injustiças, dores, angústias, doenças e chagas em nosso nome. Mas, em contrapartida, todo o resto da humanidade – incluindo nossos filhos, amores e pais – seria absolutamente feliz. Mas você pode achar que é mais justo que todos sejamos iguais. Ninguém jamais seria feliz, mas também jamais seria infeliz. Seríamos todos blasés.
No mundo real, cada sociedade escolhe um ponto entre esses dois extremos, e o que o STF está decidindo no sistema de cota é justamente qual é esse nível.
A questão é especialmente polêmica porque o STF não foi eleito para isso e não representa a sociedade. Na verdade, dos três poderes, o Judiciário é o único que não representa ninguém exceto a si próprio. Dos três poderes, ele é o único que é – e deve se manter – insensível às vontades políticas. Mas, ainda assim, terá que tomar uma decisão que, na prática, determinará o que nós, como sociedade, entendemos como justiça.
“STF retoma hoje julgamento das cotas em universidades
O Supremo Tribunal Federal deve retomar hoje a discussão sobre a constitucionalidade de reserva de vagas em universidades brasileiras, as chamadas cotas. Três ações diferentes, com o mesmo tema de fundo, estão na pauta.
A primeira delas questiona dispositivo do ProUni (Programa Universidade para Todos) que reserva bolsas de estudo em universidades privadas a pessoas com deficiência e aos autodeclarados indígenas, pardos ou negros (…)
Na ocasião, o relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela constitucionalidade do programa, entendendo se tratar de uma forma ‘eficaz’ de combater situações de desigualdade e promover o ‘reequilíbrio social’.
‘A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais’, disse à época.
As outras duas ações, relatadas pelo ministro Ricardo Lewandowski, questionam o sistema de cotas da UnB (Universidade de Brasília) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) (…)
O estudante Giovane Pasqualito Fialho foi reprovado no vestibular para o curso de administração, mesmo com nota superior a dos alunos aprovados pelas cotas, e entrou na Justiça. Ele argumentou que o sistema da universidade era, na realidade, um ‘pacto da mediocridade’, além de prática de racismo”
O problema das cotas é complicado não só porque não há resposta certa, mas também porque não há resposta errada. Você acha bons argumentos tanto a favor quanto contra nos dois lados. Argumentos tanto jurídicos quanto sociológicos.
Há argumentos contrários que precisam ser escutados, como o apresentado pelo estudante no último parágrafo da matéria, e outros como o de que, nos EUA (onde esses programas já existem há décadas), os negros beneficiados pelos programas de cotas passaram a formar um grupo cultural – o de negros ricos e bem educados –pouco conectado com o grupo que se pretendia beneficiar (negros pobres); ou que empregadores acabam discriminando todos os negros formados em tal universidade porque acham que eles entraram não por mérito, mas por caridade.
E há argumentos a favor que têm o mesmo valor, como o de que a razão pela qual pessoas com notas mais baixas devem ser admitidas é justamente porque elas não tiveram a oportunidade de estudar em boas escolas que lhes possibilitariam competir de igual para igual com pessoas brancas que estudaram em escolas privadas, ou o de que brancos ricos também não fazem parte do mesmo grupo cultural que os brancos pobres.
O problema é pior no Brasil porque, como as iniciativas desse tipo são muito novas no país, não temos uma base de dados que possibilitem análises mais sólidas.
Do ponto de vista jurídico, há também argumentos a favor e contrário. A Constituição estabelece que todos somos iguais perante a lei, mas apenas na medida de nossa igualdade. Programas de cotas em concursos públicos para deficientes ou equiparação de renda como o bolsa família ou prender um criminoso enquanto se protege a pessoa de bom caráter são exemplos de como pessoas diferentes são tratadas de formas diferentes pelas nossas leis.
O problema é que elas precisam ser tratadas de formas diferentes apenas na medida de sua desigualdade, e precisamos estabelecer critérios para determinar quais desigualdades devem ser reequilibradas. Por que cotas para deficiente em concursos públicos e não para negros? Por que cotas para negros em faculdades e não para mulheres? Por que cotas para mulheres nas eleições e não para índios? Por que inimputabilidade para índios e não para idosos? Por que filas especiais para os idosos mas não para as crianças? E assim por diante.
Levadas às últimas consequências, teríamos uma cota para cada atividade para cada pessoa no país (afinal, somos todos, no fundo, únicos), o que não é possível ou justo. E tampouco é justo todo mundo ser tratado da mesma forma, independente de suas diferenças. Em algum lugar precisa haver um limite, e é aí que está o verdadeiro problema nesse debate.
Sociedade diferentes têm sensos de justiça diferentes. O que é justo para mim, não é justo para você. Eu posso achar que é justo escolher uma pessoa para carregar toda a infelicidade do mundo em seus ombros. Essa seria a pessoa mais infeliz do mundo, carregando todas as injustiças, dores, angústias, doenças e chagas em nosso nome. Mas, em contrapartida, todo o resto da humanidade – incluindo nossos filhos, amores e pais – seria absolutamente feliz. Mas você pode achar que é mais justo que todos sejamos iguais. Ninguém jamais seria feliz, mas também jamais seria infeliz. Seríamos todos blasés.
No mundo real, cada sociedade escolhe um ponto entre esses dois extremos, e o que o STF está decidindo no sistema de cota é justamente qual é esse nível.
A questão é especialmente polêmica porque o STF não foi eleito para isso e não representa a sociedade. Na verdade, dos três poderes, o Judiciário é o único que não representa ninguém exceto a si próprio. Dos três poderes, ele é o único que é – e deve se manter – insensível às vontades políticas. Mas, ainda assim, terá que tomar uma decisão que, na prática, determinará o que nós, como sociedade, entendemos como justiça.
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