Maria Rita Kehl integrará Comissão da Verdade: leia textos da psicanalista sobre a ditadura militar brasileira
A psicanlista Maria Rita Kehl, autora de diversas obras publicadas pela editora, foi nomeada integrante da Comissão da Verdade. A lista com os nomes dos sete integrantes escolhidos pela presidenta Dilma Rousseff foi divulgada ontem e publicada hoje no Diário Oficial da União. Além de Maria Rita Kehl, integrarão a comissão José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso), Gilson Dipp (ministro do STJ e do TSE), Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada), Cláudio Fonteles (ex-procurador-geral da República no governo Lula), José Paulo Cavalcanti Filho (advogado e escritor) e Paulo Sérgio Pinheiro (atual presidente da Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU para a Síria). A Comissão da Verdade trabalhará por dois anos (a partir de sua posse, marcada para a próxima quarta-feira, 16 de maio) com a finalidade de investigar e narrar violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil durante o período de 1946 a 1988.
Maria Rita Kehl foi jornalista entre 1974 e 1981, tendo publicado artigos em diversos jornais e revistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Editou a seção de cultura nos jornais Movimento e Em Tempo, periódicos de oposição à ditadura militar. É formada em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) onde realizou pesquisa de mestrado em psicologia social, com a dissertação “O Papel da Rede Globo e das Novelas da Globo em Domesticar o Brasil Durante a Ditadura Militar”, e doutora em psicanálise pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua desde 1981 como psicanalista em clínica de adultos em São Paulo e, desde 2006, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Guararema (SP). É autora de O tempo e o cão (Boitempo, 2009), ganhador do prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Não Ficção em 2010; da coletânea de crônicas e artigos 18 crônicas e mais algumas (Boitempo, 2011) e Videologias: ensaios sobre a televisão (Boitempo, 2004 – em coautoria com Eugênio Bucci), entre outros. É colunista esporádica do Blog da Boitempo.
Além de ter atuado em movimentos de contestação e resistência ao regime militar, Maria Rita Kehl tem desempenhado papel de destaque na crítica do processo unilateral de reconciliação promovido pelo Estado através da Lei da Anistia (de 1979), defendendo a necessidade da reelaboração do passado histórico pela sociedade brasileira. Segundo ela, os crimes cometidos pelo regime militar e recalcados socialmente pela Anistia influem diretamente nas práticas de corrupção e, sobretudo, de violência exercida pelos agentes do Estado atualmente. Segundo estudos, o fato de o Brasil não ter julgado os crimes cometidos pelo Estado durante o regime militar está diretamente relacionado com o fato de ser um dos únicos países no mundo em que a violência policial só aumentou após o fim de um período de ditadura.
A Boitempo Editorial publicou em 2010 a coletânea O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organizada por Edson Teles e Vladimir Safatle. O livro reúne uma série de estudos que apresentam diversas perspectivas para as reminiscências da ditadura militar no Brasil contemporâneo. Dentre eles, está o ensaio “Tortura e sintoma social”, escrito por Maria Rita Kehl. Confira abaixo o início do texo:
Em um livro escrito em 2004 [Ressentimento, São Paulo, Casa do Psicólogo] eu me referi ao ressentimento como um dos sintomas mais representativos da relação ambivalente da sociedade brasileira com os poderes que, em tese, deveriam representar e defender interesses coletivos. Fruto dos abusos históricos que aparentemente “perdoamos” sem exigir que opressores e agressores pedissem perdão e reparassem os danos causados, o ressentimento instalou-se na sociedade brasileira como forma de “revolta passiva” (Bourdieu) ou “vingança adiada” (Nietzsche), ao sinalizar uma covarde cumplicidade dos ofendidos e oprimidos com seus ofensores/opressores. A magoa ”irreparável” do ressentido indica que ele sabe, mas não quer saber, que aceitou se colocar em uma condição passiva diante dos abusos do mais forte; por covardia, por cálculo (“mais tarde ele há de reconhecer e premiar meu sacrifício”) ou por impotência autoimposta, o ressentido acaba por se revelar cúmplice do agravo que o vitimou.
É importante ressaltar, entretanto, que o ressentimento não abate aqueles que foram derrotados na luta e no enfrentamento com o opressor, e sim os que recuaram sem lutar e perdoaram sem exigir reparação. O expediente corriqueiro – por má-fé ou mal-entendido? – de chamar de “ressentidos” aqueles que não desistiram de lutar por seus direitos e pela reparação das injustiças sofridas não passa de uma forma de desqualificar a luta política em nome de uma paz social imposta de cima para baixo. Nossa tradicional cordialidade, no sentido que Sérgio Buarque de Hollanda tomou emprestado de Ribeiro Couto, obscurece a luta de classes e desvirtua a gravidade dos conflitos desde o período colonial.
***
Recomendamos também a leitura de dois textos escritos pela psicanalista e publicados no Blog da Boitempo:
Mulher ou militante (publicado originalmente na revista CartaCapital), acerca da importância da eleição de Dilma Rousseff como ex-presa política torturada durante a ditadura militar;
Comentários sobre K., de Bernardo Kucinski, sobre o romance que investiga o passado histórico do país através da história da busca de um pai pela filha, desaparecida durante o regime militar.
ebooks
Todos os livros de Maria Rita Kehl publicados pela Boitempo estão à venda em versão eletrônica (ebook), custando metade do preço dos livros impressos
Nenhum comentário:
Postar um comentário