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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Poliamor

Por Vanessa Rodrigues*
Sexta-feira, 27 julho, 2012



(permitido até a menores de 18)
Sou todo um harém matriarcal. Poliândrica, poligâmica, heterossexual, homossexual. Poliamor, portanto, para simplificar. Sou uma democracia lato sensu neste tipo de relação. Porém, devo exercitar o mea culpa no seguinte: sou pouco tolerante com a superficialidade. É que relação, qualquer seja, tem que ter, na matemática do mínimo denominador comum, um bom papo, risada, observação participante e até um q.b. de discordância para agregar alguma coisa no outro. Seria um saco ficar concordando o tempo todo: sim, meu amor; desliga-você-não-você-você!
Logo, para mim, isto é termômetro de irascibilidade: frases-cliché, vaidades vãs, indiferenças. Me dá uma certa urticária. Na hora de responder, viro uma fofa-blasé. E ser fofa-blasé é um problema, porque há algo em nós que delata que, para não sermos totalmente desagradáveis, estamos meio que pisando palco com cadafalso. E se a vida é um grande palanque, sabemos, então nossa máscara é molde personalizado para essa-ou-aquela pessoa, que mais cedo ou mais tarde, há de desgastar.
Às vezes, me engano e uso a máscara transparente (deve ser da idade, porque depois do retorno de Saturno, dizem, viramos máquina da verdade, piii, dando xô em frete, exercitando frontalidade): dá para ver que minha voz com sorriso está com cara de quem tomou vinagre; que meu olho não pára de piscar tentando tirar cisco, quando tento ser agradável contrafeita; e que minha ansiedade disfarçada tem a mão tremente, tentando dar um jeito de sair correndo. Fico igual a bicho tentando falar, se o houver! É uma coisa esquisita! Fast-forward, então: meu filme é outro!
Há uns tempos tive que me assumir: sou poliândrica; e outras vezes, poligâmica. É, com orgulho e sem queixume
Feito o desabafo de divã de psicanalista, posso fazer associação livre daqui em diante. E a culpa é sempre ou dos gregos, ou dos latinos. Quem manda plantar a raiz da etimologia da Língua Portuguesa, para explicar nosso comportamento? Valha a verdade, então, para dar um gás nisto: há uns tempos tive que me assumir: sou poliândrica; e outras vezes, poligâmica. É, com orgulho e sem queixume. Dá até uma certa inveja, né?
Está dito: Πολυς (polys) = vários + Γαμος (gamos)= mulher; ou andros= homem.
Mas antes que venha a brigada de censura, explico: falo de LIVROS. Sim. Não consigo ler apenas um, ir até ao fim, sem me envolver com outro. O negócio (negar o ócio, claro) é o seguinte: tem sempre aquele livro de reserva na mesa-de-cabeceira para ler à noite; aquele, mais leve, para andar passeando nos transportes públicos e outro para a Santa Porcelana. Uma tríade, portanto. E dito assim, isto bem que poderia até dar uma Irmandade blockbuster: a Trilogia da Literatura Portátil, sem profanar a santa leitura. (Pensando bem, nem por isso!)
Se há lugares que nos inspiram para criar, deve ser legítimo ter lugares certos para determinados livros, ou pelo peso e densidade, certo hermetismo; ou até mesmo, por amor à capa delicada que não queremos por aí, maculada.

E não, eu não me confundo. Não há história que se cruze, a não ser depois, em meu entendimento, tentando encontrar um sofá confortável na sala-de-visitas de meu cérebro. Elas existem por si, nesse poliamor. Quer seja homem, mulher, ambos. Sou democrática (liberou geral); não tem essa de circuito privado. Se a fibra da prosa for para enrijecer o músculo da Língua, está tudo certo. Vou pegando daqui e dali, ao ritmo de meu cotidiano. Assim satisfazendo necessidades complementares (aquele é mais político, aquele mais cerebral, aquele mais histórico; aquele mais metaliterário): um autor recente, um autor clássico, e um técnico, que Jornalismo tem esta demanda diária para ficar antenado com as Terceiras Vagas da Vida, e descobrir que o meio, enfim, pode já não ser a mensagem, qual pele da cultura.
Sou, então, poliamor literário, com certo brilho no olho e batendo no peito com pundonor, vestindo a camiseta, venha quem vier me chamando de promíscua. Folhear as páginas com fulgor é minha convicção, enquanto pego várias caronas. Pode até parecer uma overdose de relacionamento (e eles entendem, não tem que usar máscara), mas, (e agora schhh, falem baixinho!!!) posso bem ter encontrado o elixir de longevidade (qual colagênio). É que pesquisa publicada em 2008 pela conceituada revista New Scientist atestava o seguinte: culturas poligâmicas vivem mais do que culturas monogâmicas. Enquanto essa é a verdade, provada cientificamente, ainda que daqui a alguns anos, séculos, minutos, venha a ser provado o contrário, posso atestar que vivi um pouco mais, pelo menos, através dos livros.


*Vanessa Rodrigues é jornalista independente. Nasceu em 1981, em Portugal. Viveu cinco anos em São Paulo, como correspondente da rádio portuguesa TSF e jornal Diário de Notícias, para quem cobriu a FLIP desde 2006. Atualmente colabora com a TSF, Revista (jornal Expresso) e Notícias Magazine.

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