Saiu o DVD de A
música segundo Tom Jobim, que pode ser adquirido nos melhores sites que
vendem os disquinhos. Indispensável.
1.) Documentário
que foge ao feijão com arroz tradicional das imagens entrecortadas por
depoimentos, A
música segundo Tom Jobim, do veterano Nelson Pereira dos Santos, é um
documentário extraordinário. Primeiro, porque é sobre Antonio Carlos Brasileiro
de Almeida Jobim, o maior compositor brasileiro de todos os tempos, e, segundo,
porque o filme se restringe às músicas e às imagens de arquivo, sugerindo uma
obra sinfônica. O realizador do clássico Vidas
secas teve a sensibilidade suficiente de colher os registros de um tempo e
acioná-los por meio da música do célebre maestro autor (com Vinicius de Morais)
de Garota
de Ipanema. Veja aqui o trailer oficial do filme em HD:
2.) Tom Jobim é
mais conhecido como um compositor da Bossa Nova, o parceiro de Vinicius, Carlos
Lyra, Chico Buarque, Newton Mendonça, outros, mas, na verdade, é um compositor
que atinge os limites fronteiriços da música clássica, como podem ser observadas
suas partituras para discos como Wave,
Matita Perê, Passarim, Urubu. Com formação clássica e influências diversas,
entre as quais Debussy, Jobim é um fenômeno de talento. Ouvir a sua música e ver
as imagens de sua grande época - inclusive na interpretação por outros notáveis
- se constitui num espetáculo único. A pesquisa de imagens teve a colaboração da
segunda esposa do maestro, Dora Jobim, que cedeu os registros cinematográficos
do Instituto Antonio Carlos Jobim. Nelson Pereira dos Santos chegou, por isso, a
incluí-la como co-autora de A
música segundo Tom Jobim.
3.) Partiturista
de filmes nacionais e estrangeiros, entre os que assinou osoundtrack destacam-se: Orfeu
negro (aqui chamado Orfeu
do Carnaval, 1959)), o polêmico filme do francês Marcel Camus, baseado na
peça Orfeu
da Conceição, de Vinicius de Morais; Porto
das caixas, (1962), de Paulo César Saraceni,
Garota de Ipanema (1967), o fracassado filme de Leon Hirszman, que pretendeu
criticar o mito e mostrou que estava completamente fora de sua praia, pois
cineasta enragé; O
mundo dos aventureiros (The Adventurers, 1969), de Lewis Gilbert, com
Charles Aznavour, Candice Bergen, Ernest Borgnine, Rossano Brazzi, Olivia de
Havilland, John Ireland, uma superprodução de quase três horas de duração;
A casa assassinada (1974), de Paulo César Saraceni, que se baseou num livro
de Lúcio Cardoso. A trilha de Jobim, para este filme, é magnífica; Gabriela
Cravo e Canela (1982), de Bruno Barreto, com Sonia Braga e Marcello
Mastroianni; entre outros, sem esquecer a música que fez, em parceria com Chico
Buarque de Holanda, para a minissérie Anos
dourados da rede Globo. Se não fosse uma certa preguiça que o caracterizava,
Jobim poderia ter feito partituras para muitos filmes importantes e, como
partiturista de cinema, pode ser comparado a alguns maiorais como Lalo Schifrin,
John Williams, Jerry Goldsmith.
4.) Sempre admirei
muito Tom Jobim e comprei quase toda a sua discografia disponível, que a tenho
em vinil, faltando apenas um ou dois discos. Mas com o advento do CD, e a
falência de meu toca-discos (difícil de encontrar outro por aqui), não posso
mais ouvi-lo em suas extensões mais clássicas. Sempre que vou ao Rio, quando da
aterrissagem no aeroporto que tem seu nome, lembro-me, logo, de seu Samba
do Avião. Uma vez, no Rio, fui ao Bar Veloso, em Ipanema, lá pelos anos 70,
e me sentei para tomar alguns chopes. De repente, duas mesas adiante, vi
sentado, sozinho, com um chapéu panamá, o próprio Tom Jobim. Naquela época, um
chopp sempre via acompanhado de uma bolacha de papelão pela qual se contava a
quantidade bebida. A mesa na qual Jobim se sentara estava com um monte dessas
bolachas, sinalizadoras de que tinha entornado muitos e muitos chopes. Pensei em
me aproximar do maestro, mas, por tímido, fiquei constrangido. O garçom me disse
que ele frequentava todos os dias e, geralmente, saía riscando.
O Bar Veloso foi reformado e tomou o nome de Garota de Ipanema, mas não tem mais
as mesinhas características com suas cadeiras de vime.
5.) Foi neste bar
que Jobim recebeu uma ligação de Frank Sinatra. Conta a lenda que Sinatra,
impressionado com o talento de Jobim, quando de sua apresentação nos Estados
Unidos, queria gravar um disco com ele. Telefonou para sua casa em Ipanema, e
sua primeira esposa, Tereza (sim, a Tereza da Praia) informou que o marido
deveria estar bebendo no Veloso e deu o número do bar a Sinatra. Este
imediatamente ligou e quem atendeu foi o garçom, que foi avisar na mesa onde
Jobim estava tomando chopes com os amigos. Todos ficaram estupefatos. O grande
Frank Sinatra a telefonar para Jobim no bar! Jobim foi atender num daqueles
telefones pendurados na parede. Sinatra então o convidou para a gravação do
disco.
6.) Ruy Castro
em A
República de Ipanema conta a maravilha que era se morar no bairro nos anos
60 e 70. Era uma verdadeira república como alude o título do livro. Com o passar
do tempo, Ipanema se descaracterizou, perdeu alguns de seus bares
característicos e seus frequentadores famosos. Ficou apenas a lembrança de um
tempo feliz. Castro, talvez num acesso de exagero, chega a comparar Ipanema
daquele tempo como o paraíso na terra.
7.) Tijucano, na
época em que a Tijuca pertencia ao Rio Zona Norte, Jobim nasceu em 24 de janeiro
de 1927, vindo a morrer em 8 de dezembro de 1994, aos 67 anos. Fora a Nova York
fazer uma cirurgia de próstata num dos centros de excelência na especialidade. A
operação correu bem, mas um coágulo se soltou e invadiu uma artéria coronariana,
obstruindo-a. Mas Tom era da Tijuca apenas por nascimento, porque sua família se
mudou para Ipanema assim que ele completou um ano de idade. Segundo está escrito
na Wikipédia, "a ausência do pai, Jorge de Oliveira Jobim, durante a infância e
adolescência lhe impôs um contido ressentimento, desenvolvendo no maestro uma
profunda relação com a tristeza e o romantismo melódico, transferido
peculiarmente para as construções harmônicas e melódicas. Aprendeu a tocar
violão e piano em aulas, entre outros, com o professor alemão Hans-Joachim
Koellreutter, introdutor da técnica dodecafônica no Brasil." Vale ressaltar que
durante a época de ouro da Universidade Federal da Bahia, anos 50 e 60, Hans
Joachim Koellreutter foi convidado pelo reitor Edgard Santos para compor o corpo
docente do então inaugurado Seminário de Música.
8.) O diretor
de A
música segundo Tom Jobim, Nelson Pereira dos Santos, é considerado o
grão-duque do cinema brasileiro. Nelson plantou as sementes do Cinema Novo com o
seu precursor Rio
quarenta graus, que seria seguido por Rio
Zona Norte. O seu melhor filme é, também, um dos melhores do cinema nacional
em todos os tempos: Vidas
secas, adaptação rigorosa do livro homônimo de Graciliano Ramos Na sua
filmografia tem uma boa versão de Nelson Rodrigues para as telas: O
boca de ouro, com Jece Valadão no papel-título. Se Nelson se dá bem nas
adaptações dos livros do Velho Graça (Memórias
do cárcere é um grande filme), não consegue, no entanto, ser feliz nas
versões realizados dos romances de Jorge Amado: Jubiabá é
frustrante para quem leu o livro, e Tenda
dos milagres, ainda que bem melhor, não convence.
Para quem gosta de
boa música, um filme para ver obrigatoriamente.
Tuna Espinheira também escreveu sobre o filme quando do seu lançamento:
Tuna Espinheira também escreveu sobre o filme quando do seu lançamento:
O velho Tuna Espinheira foi ver A música segundo Tom
Jobim, de seu amigo Nelson Pereira dos Santos (que produziu um de seus filmes
curtos) e saiu deslumbrado com a beleza do documentário. Chegando ao seu
apartamento, bateu o comentário que vai abaixo e, na afobação, nem parou no bar
vizinho de Seu Hermenegildo para tomar a sua cerveja acompanhada de uma rigorosa
Seleta. Abro aspas para evitar desconforto textual:
"Nelson Pereira dos Santos, mestre divisor de águas,
da história do cinema brasileiro, faz um gol de placa com o filme: A música
segundo Tom Jobim. A opção feliz de contar a saga do compositor tão somente
pelas suas próprias criações melódicas foi deveras um grande achado. A edição
primorosa trás para as retinas (estas costumeiramente cansadas) dos
espectadores, a impressão de estar vendo um filme com um único plano
sequencia, (embora com centenas de cortes)
A abertura do filme, nas asas da Panair, em preto e
branco, dando uma visão de um Rio antigo, é deslumbrante e, sem gastar saliva,
encarna o maestro iluminado na cidade do Rio de Janeiro e vice versa. Se existe
o chamado carioca, com seu jeitinho de ser, seu retrato falado coincide com
próprio Tom, não se pode separá-lo da Cidade Maravilhosa, assim como não se deve
apartar Dorival Caymmi da Bahia.
Mesmo sendo uma mania antiga, esta de contar um filme,
não cabe neste caso, é incontável, só vendo, seu enredo é puramente para ver e
ouvir. Um impressionante desfile de artistas, ao nível de Ellla Fitzgerald;
Frank Sinatra; Sammy Davis Jr; estas e outras e outras feras imortais, em rico
material de arquivo de filmes, tocando e cantando as pérolas musicais do bruxo
compositor, a quem o Chico Buarque chamou: de “Maestro Soberano”. É um
revezamento de cenas antológicas de artistas nacionais e internacionais, um
espetáculo de dar água na boca, para uns, e de deixar a alma lavada, para
muitos.
Sem querer comparar, mas me lembrou O Baile, de
Ettore Scolla. Talvez porque é também a música que conduz o enredo. A realização
de um filme mudo, mas não silencioso, como estes dois, enfrenta o suspense do
caminhar no fio da navalha. Semelhante a um jogo de armar, cada peça no seu cada
qual. É tudo ou nada. É coisa é coisa de mestre.
Nelson fica devendo o filme número 2, agora falado.
Tem muito pano prá manga neste outro olhar necessário sobre Jobim, muitas
histórias, estórias “causos”, depoimentos, coisas do arco da velha. O Diretor já
provou ser um ótimo regente de conversações (vide o documentário sobre Sergio
Buarque de Holanda), vai tirar de letra.
Mestre Nelson , na plenitude dos oitenta anos, fez um
gol de placa com o filme: A Música Segundo Tom Jobim."
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