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domingo, 30 de junho de 2013

LA DOLCE VITA: O SUICÍDIO DA CONSCIÊNCIA






Nei Duclós

São misteriosos os caminhos percorridos por uma obra de arte em nossa vida. Somos o que somos porque nos impregnamos dos grandes autores, ou apenas nos identificamos com eles? Fomos formatados pelo que nos mostraram ou temos nossa contribuição autônoma, herdada ou elaborada, de princípios, certezas, hábitos, percepções que definem nosso perfil? Faço essas perguntas depois de rever La Dolce Vita (1960), de Federico Fellini, que encaro com um romance literário via narrativa cinematográfica e que versa sobre o suicídio da consciência, em que um protagonista, interpretado por Marcello Mastroiani, vive o vazio de uma rotina de jornalista de fofocas que desiste da carreira de escritor e acaba publicitário.

O desfecho do filme é revelador. A turma dos madrugadores aporta numa praia onde está sendo recolhido um monstro marinho, uma arraia morta há três dias, que mantém um olhar onívoro, que devora todos ao redor. Marcello rodeia o bicho e não consegue escapar daquele olhar, que é a sua consciência morta ainda encarando o que fez da sua vocação. Ele se afasta do grupo e enxerga ao longe a garota que conheceu no dia em que tentou escrever seu romance. Retrato da inocência e da pureza, a menina veste luto sobre a branca areia e tenta lhe dizer alguma coisa, mas Marcello está impermeável, já fez sua escolha. Então ele se retira e a moça é filmada em seu esplendor de vida nova e nos olha como denúncia e conivência.

Ficamos firmes em nossa vocação porque não quisemos ser aquele pobre profissional romano que circula por vários ambientes humanos com seu tédio e sua falta de escrúpulos? Sabíamos do perigo antes de ver este filme primoroso? Acredito que Fellini e tantos outros nos criaram e nos decidimos pela arte, embora tenhamos também cedido diante dos perigos da sobrevivência. A obra de arte é sempre um parâmetro e a ela retornamos para entendermos melhor o que se passa conosco. Eu tinha esquecido quase tudo do filme, foi como ver pela primeira vez, mas senti que faço parte dele. Lembrava apenas algumas cenas, como o célebre banho de Anita Ekberg na Fontana de Trevi, ou o impacto da notícia da morte da família no assédio dos paparazzi sofrido pela viúva que ainda não sabia da morte do marido e filhos.

Vejo o filme como um romance (que contou, no script de Fellini, com seus colaboradores habituais, como Ennio Flaiano eTullio Pinelli) com capítulos bem definidos numa cidade entregue ao fetichismo religioso e da indústria do espetáculo (o que às vezes se confunde, como na cena da igreja em que Marcello ouve o amigo Steiner, interpretado por Alain Cunny, tentar jazz no órgão). A visita da estrela clone de Marilyn Monroe com sua estupidez assessorada, seus arroubos megalomaníacos, sua manipulação dos homens, é uma crônica cruel de costumes da Sétima Arte comercial e do jornalismo de entretenimento. Fellini é radical e não deixa pedra sobre pedra. A surra do tarzã Lex Baker na mulher que passou a noite fora com Marcello, que também apanha, é o final desse capítulo primoroso e inesquecível, que praticamente diz tudo sobre o vazio das vidas cooptadas para a exposição milionária de egos.

Um capítulo que me chamou a atenção pela coincidência com outro filme de Fellini, Oito e Meio, de 1963, foi a do casal de crianças que viram Nossa Senhora. Está tudo lá: as estruturas enormes de ferro num descampado com suas luzes feéricas, a loucura coletiva em torno de uma miragem, o rodopiar perdido do protagonista que participa da cena com sua indiferença criminosa. Há a destruição pela chuva e pelo vento e a apoteoso da multidão que corre como louca num cenário de ruínas.

A relação de Marcello com a namorada louca, suicida e ciumenta Emma, interpretada por Yvonne Furneaux, é um drama de excessos que mergulha num intimismo de brutalidades, onde se diz tudo e as pessoas saem machucadas e incapazes de se separar. É um capítulo que se desenrola ao longo do filme e se contrapõe, por se circunscrever ao círculo do casal, ao ruidoso desfilar de personagens bizarros, todos tirados de uma elite absurda, perdida, decadente e mortal. A porção do filme rodada num castelo onde se caçam fantasmas na festa patética, mostra o que foi feito de um poder tradicional e aristocrático que se esvaiu diante da imposição da economia invasiva americana do pós guerra.

Steiner, o amigo de Marcello, é seu modelo de dedicação à família, de concentração e sobriedade, avesso à roda viva em que está metido. Mas é uma ilusão. O próprio Steiner avisa que não é feliz e que preferia se desperdiçar numa vida sem compromissos do que se reduzir a uma cela doméstica. O assassinato dos filhos seguido de suicídio é a prova de que aquela casa tão cheia de talentos o tempo todo, de festa entre intelectuais e artistas, era tão vazia quanto a reunião de nobres falidos ou estrelas do jornalismo e do cinema.

A salvação de Marcello não estava nos outros, mas em si. Ele não teve coragem de encarar essa verdade e entregou-se para o pior dos mundos, a mentira da publicidade, onde se transforma num bruto manipulador de pessoas, um execrável personagem da noite romana. Teve sua chance quando tentou entregar-se ao seu verdadeiro ofício, o talento que no fim abandonou. Preferiu que sua consciência se suicidasse por preguiça e covardia. Eis a lição profunda do Mestre Federico Fellini, insubstituível na sua obra que colocou o cinema no mais alto nível da arte humana.

Ninguém se compara a ele hoje. O remédio é revisitá-lo para redescobrir o que precisamos. Revendo grandes filmes como este, podemos nos conhecer melhor e encarar a vida com menos dor e mais vontade de acertar.



http://outubro.blogspot.com/





sábado, 29 de junho de 2013

Na Estrada


Totó, acho que não estamos mais no Kansas.






Então, tem dias que choro. São raros e eu mesma me estranho e às vezes vou ao espelho espiar como quem se debruça na janela para ver a aurora boreal. É raro, insólito e, dentro de certos padrões estéticos, é belo. Porque eu acho bonito o sentir. Uma vez eu disse por aqui que queria um coração partido. Pois quando dizemos do que nos dói dizemos de nós e isso nos faz mais humanos*. Porque ser humano é faltar. Então, em prece: um coração. Se estiver partido, recebo. Quero um coração pra batucar esperanças vãs no meu peito. Quero um coração pra sentir inúteis saudades. Quero um coração pra bater em desalentada espera. Um coração com rimas, pobres ou ricas, mas poeta. Um coração pra sentir um grande amor. E pra ver o tal amor acabar. Um coração que se pergunte: pra onde vai o meu amor, quando o amor acaba?

Procuro, sabe. Porque tem dias que é bem difícil seguir. Porque tem dias que eu me pergunto por quê? e não gosto; mas ainda mais difícil é perguntar por que não? Porque não ser gentil? Porque não ser delicado? Porque não generosidades e risos e solicitude? Porque não podemos ser um tantinho menos e deixar o outro ser mais, se sermos menos não nos faz menores e sim maiores? Porque não agradar, ajudar, acolher? Então, como uma vez já escrevi aqui, procuro belezas, coleciono-as pra me lembrar: o bom, o belo, o justo, é isso que faz civilidade. Minhas pequenas pedras amarelas. Uma a uma, reconstruo a estrada que servirá aos sapatinhos vermelhos que trago no pensar. Eu choro, mas não só: enterneço-me, alegro-me, angustio-me, vibro, encanto-me. E rio tão de leve como se tivesse desaprendido. Eu já tive medo do escrever. Palavras tem um poder que não acaba nelas mesmas, mas ressoam nos vazios entre as linhas, nos furos das letras, no intervalo entre parágrafos. Nos olhos alheios. Hoje, aceito: palavras se amontoam em uma pira onde queimam os futuros. Eu ardo. Mas há músicas e incenso em um ritual que se repete de eu ser eu há muito tempo.

O bom, o belo, o justo. Minhas pedras amarelas, uma a uma eu as coleciono, organizo, zelo. Um Caravaggio, belo. Uma ária de Tosca, belo. Um aboio no fim da tarde, belo. Crianças brincando, riso solto, alguém ajudando o idoso a atravessar a rua: o bom. Ter um afeto especial por tratar diferente os diferentes. Coisinhas que empilho em dourado. Tijolos amarelos, meu Oz particular. Tenho gostos. Estes mimos que põem fogo no olhar. E sou grata. Por cada pequena alegria. Porque me cuidam. Porque há tantos momentos que não são aquele. Porque há muitos dias que não são esse. Pelas coisas pequenas, tão pequenas como o riso que escuto pela janela, tão límpido, sem sexo, idade, sem rosto. Apenas um som que me atravessa. Me atravessa sem que eu julgue origem, classe, sexo. É bom. É belo. Sou grata. Porque agorinha mesmo há algum pai fazendo cafuné para que o filho durma. Porque há casais fazendo sexo. Há crianças usando estilingues em pássaros imaginários, há gente jogando dama nas praças, há aniversários, partos, amigos em bares, aulas, um arco-íris onde antes era chuva. Sou grata porque em algum lugar há dança. Sou grata porque há tanto e tanto que eu quase não sou, tanta gente que não sabe de mim. Sou grata porque a vida segue e não me espera. Outro tijolo. E amarelo. Porque o humano pode ser em ternuras, eu sei, eu sussurro antes de dormir. Obrigada. Porque eu quase esqueci. Uma pedra amarela de cada vez, reconstruindo a humanidade em mim. E é assim, esse dia, cada dia, um dia qualquer. Trago meus sapatinhos vermelhos. E construo estradas com tijolos amarelos. Pé ante pé: o bom, o belo, o justo. O mundo precisa de beleza. Eu preciso. Obrigada, você, que nem sabia do árido que era meu aqui dentro. Foi como chuva. Ávida, eu ouvi. E as lágrimas foram, por um momento, não de desalento, mas de reconhecimento. Ainda está aqui, ainda está em mim. Humanidade. Mais uma pedra. Amarela, por favor.


*não é doer que nos faz humanos, creio, mas o que nos dói fala de nós, do nosso jeito, do nosso estilo, e poder enunciar o que nos faz únicos, isso é, pra mim, a nossa humanidade.


http://borboletasnosolhos.blogspot.pt/2011/08/na-estrada.html


Just Friends - Bobby Darin


Sad realization....

sexta-feira, 28 de junho de 2013

A EMBRIAGUEZ DO PERFUME DAS PALAVRAS DE MANOEL DE BARROS

em artes e ideias por  em 27 de jun de 2013
O escritor sul-mato-grossense Manoel de Barros, ultrapassa a esfera pragmática do escrever, desmembrando a ''ciência exata'' do saber, transformando a mesma em algo divino, que exalta o abstrato como algo concreto, que eleva o cotidiano e a sutileza das coisas para um outro nível. Manoel de Barros entende que a rã, a borboleta, a árvore, a terra, o pássaro, são artefatos divinos, ao passo que merecem importância como parte fundamental da existência do ser humano.

Manoel-de-Barros (2 boa).jpg
Manoel de Barros, poeta brasileiro contemporâneo, tem um parentesco fortíssimo com a simplicidade, ele é rigoroso - ainda que simplista - com a profundidade das palavras, escolhe com minúcia suas perspectivas metalinguísticas. Indo além das suas significâncias, a poesia de Manoel de Barros rompe com a dureza semântica, e, por vezes, fala da vida como tempos de infância vitalícia. A fala de Manoel de Barros nos transporta, como se pertencêssemos quase nada aos significados legítimos-oficias das coisas-palavras. Manoel de Barros é pouco rigoroso com a estrutura prosaica da escrita, muito fiel a puerilidade, pureza e sentido íntimo das coisas, como se a oralidade das frases fosse sim seu verdadeiro significado. Manoel de Barros assume que, até hoje, só teve infância, e é realmente fiel a esse discurso, escrevendo sobre as “inutilezas'' e delírios de uma vida irreverente.
Se tratando do desmembramento das palavras, sem soar pretensioso, analiso a escrita do Manoel de Barros, podendo entender que ele tem a intenção de desassociar os significados legítimos das palavras, e transporta-las para um universo lúdico, onde tudo é reconstruído através da simplicidade e de seu caráter poético. A poética manoelina consiste nas inverdades, na liberdade plena dos significados, na ''supra-linguagem'', na inovação estrutural da escrita, ora por reinventar seus significados, ora por transportar o leitor para um lugar - por falta de prática e exercício - pouco revisitado.
Falar do Manoel de Barros sem instigar o potencial da minha e da sua imaginação, seria uma afronta, é como recorrer ao dicionário única e exclusivamente para fazer o conhecimento findar, e não usando o ''hipervisor'' das palavras-inventadas. A grandeza dele se dá ao fato de reconhecer o intercâmbio entre todos os sentidos que uma palavra comporta. Manoel seria um artesão linguístico, ele molda frases como quem fabrica, com suas próprias mãos sujas, um vaso de cerâmica.
O que mais me encanta no Manoel (com toda licença para a intimidade do gesto) é que ele representa a construção genuína da arte literária, onde se recusa a realidade a olho nu, e a transforma em algo penoso (sim, moldar palavras é um trabalho de carpinteiro, quase que um processo criativo braçal) que excluí o mundo tal como vemos, e exalta o mundo que deixamos passar despercebido, o mundo de dentro para fora.
''O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio''
No fragmento acima, Manoel de Barros sintetiza o que tento, de maneira pouco imparcial, concluir. É a exaltação da grandeza do gesto, dos gostos, das cores, das texturas. É a importância que se dá a coisa em si, e a relação que se tem com a coisa, não o significado oficial, dito e desdito todos os dias. É a infantilização dos sentidos, visto que uma criança, embebida por sua pureza, reconhece a grandeza do que se vê, e não do que se sabe por convenção.
Termino dizendo que Manoel de Barros é o porta-voz das crianças, sem me ater ao padrão da idade, ele é porta-voz de todo ser humano que abdica, ainda que apenas um pouco, da seriedade mundana, e reconhece que a linguagem infantil é o saber mais consistente e genuíno de todos. O poeta do pantanal, é o poeta que grita a verdade escondida dentro de todos nós, que deixamos tímida, entre-escondida, dentro dos nossos olhos e devaneios sinceros. Deixemos nosso eu manoelino sair para passear mais vezes, sem dúvida a vida seria um tanto mais agradável.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

The Best Is Yet To Come - Frank Sinatra -


     The Best Is Yet To Come 


Songwriters: CAHN, SAMMY / VAN HEUSEN, JIMMY
Out of the tree of life, I just picked me a plum
You came along and everything started to hum
Still it's a real good bet, the best is yet to come

The best is yet to come, and wont that be fine
You think youve seen the sun, but you aint seen it shine

Wait till the warm-up is underway
Wait till out lips have met
Wait till you see that sunshine day
You aint seen nothin yet

The best is yet to come, and wont that be fine
The best is yet to come, come the day that your mine

Come the day that your mine
Im gonna teach you to fly
Weve only tasted the wine
Were gonna drain that cup dry

Wait till your charms are right, for the arms to surround
You think youve flown before, but you aint left the ground

Wait till you're locked in my embrace
Wait till I hold you near
Wait till you see that sunshine place
There aint nothin like it here

The best is yet to come, and wont that be fine
The best is yet to come, come the day that your mine

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Amor de passeata

POR xicosa

A onda de manifestações também deixa seus amores, seus quase amores, suas paqueras à espera de uma certa primavera, suas promessas de felicidade dispersadas à base da balas de borracha.
Amor de passeata pode durar apenas um beijo, amor de troco, amor tipo 20 centavos, amor de passeata é amor volúvel que pode durar apenas uma palavra de ordem, abaixo alguma coisa e pronto.
Amor de manifestante é amor de causa… Depois daquela noite cada um vai cuidar de salvar a própria pele em outra barricada.
Amor de passeata é o amor que conjuga o verbo ocupar no sentido mais amplo: eu te ocupo, tu me ocupas e nós ocupamos juntos o espaço sideral dos nossos sonhos, meu amor de  Barbarella.
Amor de passeata é do tipo toda forma de amar vale a pena, tipo assim o melhor cartaz contra o Feliciano: “meu cu é laico”.
A falta de uma causa bem definida também pode ser um bom motivo amoroso. A história como pano de fundo, mesmo em um triângulo que ocupa mais a banheira do que as ruas, a causa com bouquet de vinho francês, por que não? Viva Paris 68 no retrovisor dos passos da rapaziada de hoje.  Afinal de contas o amor por si já é uma puta bandeira e acaba empurrando para as ruas naturalmente -estou falando, evidentemente, do  filme que ilustra esse post, “Os Sonhadores”, do gênio Bernardo Bertolucci.
Amor de passeata também pode lembrar, caro Marechal, aquele maluco do “bloco do eu sozinho”, cá do Rio de Janeiro, cada um com o seu motivo de protesto em busca de um cordão de isolamento.
Amor de passeata é indecifrável como foi inicialmente a onda dos manifestos. Amor de passeata é rachado, porque meu partido é um coração partido, como disse o poeta do Baixo.
Pode ser anarco-punk o amor no meio do tumulto, faça você mesmo, não espere o movimento tomar corpo.
Duro é proteger a amada, a amante, no meio daquela nuvem de efeito moral e covardia fardada.
A passeata também é uma boa hora para dar um sacode naquele amor acomodado, aquele amor oficial que repete as práticas demodês, aquele amor ressentido, resquícios autoritários, aquele amor que gostava de política ainda no Collorgate.
Manifeste-se, Lola, contra esses tempos de homem frouxo, o homem de Ossanha, aquele do samba do Vinícius e do Baden, o cara do diz que vai-não-vou, eterno chove-não-molha.
Duro é amar de verdade, pois o amor, assim como o mar dos protestos, não tem uma pauta definida. Decifra-me ou me apavoro, ameixas, ame-as ou deixe-as, já avisou o cartaz do samurai-polaco.
Em compensação, quando vinga, o amor de passeata é por muito tempo… E o fim, um dia, quem sabe, será com as lágrimas sinceras do luto, vai lembrar que vocês se conheceram chorando gás lacrimogêneo.

http://xicosa.blogfolha.uol.com.br/

domingo, 23 de junho de 2013

Viva São João









Viva São João
Viva o milho verde
Viva São João
Viva o brilho verde
Viva São João
Das matas de Oxóssi
Viva São João

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Presente




"Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste."

Saramago

Fios




"Escrever nem uma coisa nem outra
a fim de dizer todas ou, pelo menos , nenhumas.
Assim, ao poeta faz bem desexplicar
tanto quanto escurecer acende os vagalumes. "
Manoel de Barros

A vigília radical do sono da amada

POR XICOSA
Gravura do gênio pernambucano Darel Valença, claro
Ah, esse gás lacrimogêneo deixa a gente comovido como o diabo, velho Carlos.
Sim, amigo, vide o post gonzo-barroco de ontem.
É tempo de homens partidos, meu bom mineiro-carioca. E, para variar, estou ainda mais romântico, senão vejamos um homem estrebuchando de lirismo crônico:
“Amar, além de muitas outras coisas, quer dizer deleitar-se na contemplação e na observação da pessoa amada”, sopra o velho escritor Alberto Moravia,  sempre aqui na cabeceira.
Uma das melhores coisas da vida é observar a pessoa amada que dorme,entregue, para além dos pesadelos diários.
Como bem disse Antônio Maria, o grande cronista que aparece com ciúmes até da própria sombra na vida e no livro da Danuza , um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.
Experimente você também, sensíiiiiiiivel leitora, vê o seu homem quando dorme. Há uma beleza nessa vigília que os tempos corridos de hoje não percebem.
Amar é… vê-lo dormindo como um Garfield lesado e alasanhado.
Cada mexidinha, cada gesto. O que sonha nesse exato momento? Tomara que seja comigo, você pensa, pois o amor também é egoísmo.
Gaste pelo menos meia hora por semana nesse privilegiado observatório.
Psiuuuuu!
Ela dorme.
Mãozinha no ar, como se apanhasse pássaros, que coisa mais linda. Uns 23 minutos assim, mirei no rádio-relógio. A mão desce ao colchão, quase dormente, formigamentos. Coça o nariz. Põe a mãozinha direita entre as coxas.
Agora vira de lado, como os antigos LPs quando gastavam as seis músicas do lado A. E me abraça como nunca fosse partir, corpos viciados, almas em busca de um acerto.
Dorme, meu anjo.
Ela obedece.
Vigio o sono dela como um soldado zapatista na selva escura.
Como um cão zela o sangue do dono.
Como se fosse um homem-exército e pronto.
Amar, no início era o verbo intransitivo da alemã professora de amor de Mario de Andrade. O idílio tem sobrevida, não como gênero, mas como vício, vício de amar. Amar de muito.
A mão desce agora sobre o meu peito, como se medisse meus batimentos.
A mão direita volta para a arte de apanhar pássaros, que beleza, que diabos!
O ideal é que você, amiga leitora e sensivi, durma do lado esquerdo da cama, o do coração, sempre.
Mãozinha no ar catando pássaros. Até se acalmar de vez.
Calmaria danada de horas, sem coreografias ou narrativas. Sonha, sonha, sonha, minha menina.
Como é lindo a vigília ao sono dela.
Coça o nariz. Sussurra umas onomatopeiazinhas lindas de sonhos de besouros.
Ela arruma os cabelos como algas, entorpeço num mergulho.
Observar o sono do(a) amado(a) é a melhor maneira de mapear a sua beleza.
É a melhor maneira de conhecer o homem ou a mulher com quem dormimos.
E como são lindas aquelas marquinhas deixadas pelos lençóis no corpo dela. Um mapa de delírios! Melhor é lê-las como quem adivinha os sonhos e o futuro no fundo da xícara árabe ou nas cartas.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Um Poema de Soares Feitosa


William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive
À vista de ti
William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive
 
Nunca te vi, melhor que seja assim.
 
Teus cabelos seriam trinados ao vento?
 
Poderia eu dizer “treinados”, eles seriam —  porque aí corre
o vento da tardinha — sempre me dizes
do vento.

Guardo teus papéis eu guardo.
Perco-os, justo que me percam.
 
Um cartãozinho..., teu, a te encontrar, azul...,
azul seria a saia de sair?
 
Ou, haverias de preferir uma roupinha amarela
e os olhos vagos de nenhuma palavra?
 
O que poderei dizer quando te encontrar?..., se.
 
Nestes tempos modernos, teria lugar para um silêncio?
 
Falarias? 
De que nos diríamos?
Melhor que teus cabelos fiquem ao vento.
 
Ah, vento doce, da noite,
como me perfumas o hálito desta noite cedo. 
 William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

   

sábado, 15 de junho de 2013

Save the name: GARY CLARK JR


http://www.garyclarkjr.com/

Gary Clark Jr. (born February 15, 1984) is an American guitarist and actor based in Austin, Texas.[1][2][3][4] Described as being the future of Texas blues,[5] Clark's resume has included sharing the stage with various legends of rock and roll.[6] He has stated that he is "influenced by blues, jazz, soul [and] country, as well as hip  hop".[7] Clark's musical trademarks are his extremely fuzzy guitar sound and smooth vocal style. http://en.wikipedia.org/wiki/Gary_Clark,_Jr.

"This singer-guitarist may be the next Hendrix... churning his distorted strings into a euphoric moment of psychedelia" - 
New York Times




sexta-feira, 14 de junho de 2013

Susana Baca - la voz afroperuana


Susana Baca: La diva se celebra

Lima 15 JUN 2013

“El canto es una liberación”, afirma Susana Baca, reina indiscutible de la música afroperuana



"Una mujer negra cantando poemas no venderá", dijeron las discográficas. / Giancarlo Aponte

De la misma manera en que Chabuca Granda le dijo a ella que presenciara sus ensayos —sin abrir la boca y sin moverse—, he permanecido inmóvil durante varios minutos sobre un cómodo sofá de la sala de ensayo de Susana Baca, la diva negra de la música peruana que ensaya junto a sus tres músicos de base —Hugo Bravo en el cajón, Ernesto Hermoza en la guitarra y Óscar Huaranga en el contrabajo— algunos de los temas que piensa incluir en la gira que la llevará a Estados Unidos y a Europa durante los meses de junio y julio. Tocará en Cartagena el 22 de julio y recibirá el II Premio La Mar de Músicas en el marco del festival. Es una mañana de sol y de un aire levemente frío que golpea la casona de amplios vitrales y techos altos al lado de un puente y al borde de una quebrada que conduce a la playa de Agua Dulce, en Chorrillos, un balneario de Lima en el que Baca (Lima, 1944) transcurrió su infancia y adolescencia bajo enormes estrecheces económicas. Estamos en la parte baja de la casa, una especie de búnker que es su sala de ensayo y la guarida en la que se han grabado muchos de sus álbumes más conocidos a nivel mundial. Los músicos han terminado de interpretar una zamacueca y Baca —pelo corto, traje oscuro, orejas desnudas— aprovecha la pausa para tomar té y hablar con ellos antes de una nueva pasada. “No lo sueltes todo”, le dice a Hugo Bravo, su percusionista de hace más de dos décadas, que acaba de tocar con demasiada energía y que le metió demasiada mano al cajón. “Quédate con algo”, le dice.
 —Claro que sí, Susanita —le responden. Todo el mundo la llama así: “Susanita” o simplemente “Susana”.
La indicación evidencia lo que, en términos musicales, es el sello distintivo de la música de Baca. Si algo ha caracterizado su trabajo es la sutileza con la que interpreta siempre una tradición específica —la música negra del Perú— asociada más bien a una ejecución externa, violenta y torrencial. Esta mañana Susana Baca ensaya un tema que exige mucha delicadeza y por eso les dice a sus músicos que en la última pasada la han estado llevando a cantar “hacia delante” cuando ella usualmente lo hace “hacia atrás”. Cuando los músicos vuelvan a encarar la zamacueca lo harán con más suavidad que la vez anterior y Susana se sentirá más a gusto al lado de ellos, cerrará los ojos y se recogerá sobre sí.
—Siempre has cantado así, ¿verdad? —le pregunté yo la noche anterior, durante una conversación que se extendió durante horas en una salita de su casa bajo la atenta mirada de Bubulina, una perra gigante que permaneció sentada en el sofá contiguo a la diva en la posición de una persona.

Eres negra, eres pobre: tienes que estudiar”, le dijo su madre para convencerla de que
fuera a la universidad
—Desde que era niña he cantado así. No he cambiado nadita.
Susana Baca habla y se comporta de la misma manera en que canta: como si todo se tratara siempre de susurrar. Me había recibido en la tarde en su casa y lo primero que hizo al verme fue comentar lo linda que era mi chompa celeste. “Ay, qué boniiiita”, dijo casi cantando, como suele reaccionar a todo lo que le gusta, sea un sabor en la comida, una idea durante la entrevista, un tema bien interpretado durante el ensayo. Cuando era niña, en este mismo barrio, solo que en una casa precaria en la que vivía con dos hermanos mayores y una madre que se dedicaba a lavar ropa y a cocinar —el padre era chofer y en cierto momento abandonó el hogar—, Susana Baca amamantó la cultura negra y también la criolla: el padre era guitarrista y la mamá era bailarina y amiga del famoso compositor Felipe Pinglo Alva; sus primos fueron los fundadores de la mítica agrupación Perú Negro. Ya era una pequeña a la que le encantaba andar descalza todo el día, a la que su mamá llevaba a las fiestas para hacerla dormir en un sofá mientras los grandes bailaban y cantaban, y que quedó impresionada al escuchar la voz de una tía suya que la tenía a lo Aretha Franklin, potente y retumbante. Desde sus primeros años, sin embargo, ella descubrió que no cantaba así. Frente a sus tías y a través de un micrófono, que era un palo de escoba y una lata, se dio cuenta de que lo suyo era tan sutil como suspirar.
—Yo era la artista del colegio, ¿sabes? Yo cantaba, bailaba, me disfrazaba… Todo lo aprendía rapidísimo. Era mi gusto; mi felicidad.
Al lado de Susana Baca había un gramófono antiguo sobre el piso. Le pregunté por él y me dijo que lo compró su marido, Ricardo Pereira, en uno de sus viajes. En un aparato similar, que su madre ganó cocinando comida negra, es en el que escuchó las primeras canciones que adoró. Y los primeros músicos. El mundo aún no le mostraba sus diferencias.
—La primera vez que yo sentí la brecha fue cuando llegó una profesora de baile al colegio fiscal en que estudiaba. “Pórtense bien porque va a venir una profesora a seleccionar algunas niñas para enseñarles ballet”, nos dijeron. Recuerdo que me dije a mí misma que me iban a elegir porque yo era la artista del colegio; sin embargo, escogieron a las alumnas de un color un poquito claro. Ni a las niñas indias ni a las negras. Ese fue el primer golpe que sentí. No creo haber sentido rabia o rencor o nada; solo que me puse muy triste. Supongo que allí influyó mi madre. Recuerdo que ella me decía: “No sabe, Susana; esa señorita no sabe. Tú bailas bonito y eres la mejor de todas”.
Después de ser nombrada ministra de Cultura en el Perú de 2011 por el Gobierno de Ollanta Humala —dimitió a los pocos meses—, Susana Baca declaró a The New York Times que una de las primeras cosas en las que pensó cuando escuchó el anuncio fue en su madre. Era la primera vez que una mujer negra, y además músico, formaba parte de un gabinete ministerial en su país. Esa noche hablamos bastante de ella, Carmen de La Colina, y Susana soltó un “y qué lindo” cuando le hice recordar que su mamá le lustraba los zapatos con girasoles que robaba de los campos de Chorrillos. (“Y yo vivía enamorada de los girasoles, ¿sabes? No se cortan las flores por gusto, me decía ella. ¿Y tú por qué cortas?, le decía yo. Ah no, porque yo las necesito”). De los recuerdos de esos primeros años, llenos de angustia y carencias materiales, también surge un sentido muy intenso de la dignidad gracias a la presencia de la figura materna. Su madre llegó a verla cantar María Landó —ese tema insignia sobre las desventuras de una mujer trabajadora— ante un nutrido auditorio de empleadas por el Día de la Mujer. No pudo presenciar su consagración.

La música afro es siempre para atrás.
No es como un grupo
de caballos desbocados Para mí es sofisticada
María Landó era ella —me dijo Baca.
Fue ella la que la conminó a seguir estudios superiores apenas terminó la escuela. “Eres negra”, le dijo, “eres pobre: tienes que estudiar”. Cuando Baca llegó a la Universidad Enrique Guzmán y Valle, La Cantuta, a estudiar Educación, el ambiente altamente politizado del campus le abrió los ojos. Conoció a poetas e intelectuales importantes, pero sobre todo el poder inmenso de los libros cuando están organizados dentro de una biblioteca. La primera que conoció, recuerda, fue la del historiador Juan José Vega, profesor suyo; el acceso a la segunda se lo ganó cantando a capela Rosas y azahar de Chabuca Granda ante la misma Chabuca Granda en su casa de la avenida 28 de Julio, en Miraflores, un barrio exclusivo de Lima. “Para una muchacha como yo, de una casa donde apenas había un radio y ni un solo libro, fue como si me abrieran la vida”, declaró hace poco a la revista colombiana El Malpensante. “La gente que siempre ha tenido biblioteca no puede imaginarse esa carencia. Chabuca se dio cuenta de dónde venía yo, quién era, y decidió apoyarme. Y llamó a la empleada y le dijo: ‘Cuando venga esta señorita, usted le abre la puerta. Va a leer y a escuchar música’. Para mí eso fue como una beca”.
Presenciando los ensayos de la reina de la canción criolla tan quieta como pretendo yo esta mañana en su estudio, Susana Baca completó la lección que su madre había iniciado a través de su trabajo manual. “Ver a Chabuca hacer sus ensayos y observar cómo vigilaba cada detalle… Recuerdo que iba al piano y decía: ‘Esto está desafinado’. ¡Era de una minuciosidad…!”. Susana estaba sentada frente a una taza de café instantáneo y casi sumida en la oscuridad cuando recordó que ambas se conocieron una vez que ella quedó varada en Europa y sin dinero para regresar a Lima. Su madre fue a buscar a Granda y le pidió ayuda. “Yo lo único que le pude dar fue la universidad y no he podido ayudarla más”, le dijo, según le contó luego a la propia Baca. “De repente usted la puede ayudar”.
Es muy probable que por esos años, a través de los libros de sus protectores, Susana llegara a la poesía, pero también es cierto que conoció personalmente a varios de los mejores poetas vivos del Perú. “Alejandro Romualdo, que fue mi maestro. Juan Gonzalo Rose, con esa ironía que tenía… Después Antonio Cisneros… ¡Y César Calvo! ¡Qué increíble!”. Fue precisamente Calvo quien, tras la muerte de Granda, le mostró un poema que él había escrito y ella musicalizado, un poema que marcaría el origen de María Landó. Baca registró al propio Calvo cantando el tema y luego trabajó y lo grabó en 1984 mientras todas las disqueras comerciales del Perú la rechazaban bajo el argumento de que una mujer negra cantando poemas no vendería de ninguna forma. Fue precisamente esa canción la que David Byrne escuchó en sus clases de español en Estados Unidos y la que lo llevó a invitar a Baca a participar en el disco compilatorio The Soul of Black Peru, el punto de inicio de la carrera mundial de la cantante. Después de aquello vendría su primer álbum solista, Susana Baca, bajo el sello Luaka Bop. En él incluyó Poema, de Carlos Oquendo y Amat, y Heces, de César Vallejo. A partir de entonces se inició su camino irrefrenable al estrellato.
—Se podría decir que más que nunca se trató de justicia poética, ¿verdad? —se rió Baca esa noche con un gesto travieso, recordando los años en que se costeaba los discos vendiendo mermeladas y tamales. En un momento me dijo que me mostraría el cucharón que guardaba como recuerdo de esos tiempos.
Hace un rato ya que el músico peruano Manongo Mujica se ha sentado en otro lugar de la sala de ensayo y mueve las manos ligeramente sobre sus piernas siguiendo la música. Mujica será invitado a tocar en el show que Baca ofrecerá en Cartagena como parte del festival La Mar de Músicas junto a figuras como Andrea Echeverri, de Los Aterciopelados, el bailador Juan de Juan y la intérprete Martirio. Baca ensaya una zamacueca candenciosa titulada Fuego y agua, que escribió Francisco Basili y que musicalizaron Félix Casaverde y otros músicos, entre quienes se incluye a la propia Baca. Este tema es absolutamente contemporáneo. Baca siempre intenta ejecutar algunos así entre aquellos que más bien han provenido de aquella minuciosa labor de rescate que ella y un grupo de estudiosos realizó durante muchos años, sobre todo en 1990 y 1991, por los pueblos de la costa peruana y cuyo resultado fue el libro Del fuego y del agua. La música negra, de la misma manera que la cocina afroperuana, fue hecha de residuos o de materiales que los blancos desecharon de sus casas como fuentes de sonido. Los esclavos tocaron cajitas, quijadas de burro, cajones y calabazas. Muchas de sus melodías —en algunos casos tan solo retazos de melodías— son las que Baca rescató del olvido para proyectarlas a escala mundial desde que entendió que bases rítmicas tradicionales como el landó podrían ser tratadas como el jazz y bajo una interpretación no reñida con la introspección. “La música afro es siempre para atrás”, me dijo la noche en que hablamos. “No es como un grupo de caballos desbocados por delante. Para mí es sofisticada”.
Es difícil poner en palabras lo que se siente al escuchar a Susana Baca a solo tres o cuatro metros de distancia, de pie al lado de una taza de té caliente que toma de vez en cuando mientras consulta la letra del tema que interpreta. Es como si algo delicado y liviano condujera a todos los seres vivos de este recinto en una sola dirección. En cierto momento del ensayo, Hugo Bravo le recordará a Manongo Mujica que una vez, en Chicago, le vio el aura a su cantante; era un resplandor azul que la envolvía mientras ella evolucionaba sobre el escenario. Mujica estará de acuerdo. Como todos esta mañana, cree que Baca canta en comunión con algo que solo puede llamarse espiritual.
—Cantar música negra es algo mágico. No sé cómo explicarlo. Es como si estuvieras fuera de ti, pero estás en el centro mismo de ti a la vez. De pronto tu cuerpo recuerda… Tu cuerpo recuerda y tú no le puedes discutir.
—¿Recuerda qué?
—Tiene una memoria de lo que fue la música. Es sanguíneo, creo; es memoria. Yo me he puesto a pensar varias veces cuando he terminado de cantar y he sentido siempre como que he regresado. Es un viaje.
—¿Por eso cantas descalza en los conciertos?
—Tiene que ver con una sensación de estar volando, de volar. No se puede volar con zapatos, ¿no?
Baca canta con zapatos cerrados esta mañana en Lima y sin embargo por momentos pareciera que se eleva unos milímetros del suelo. El tema que interpreta es sobrecogedor. Trata de una mujer negra que ha sido traída al Perú contra su voluntad en tiempos de la colonia. “Me trajeron como esclava / Trabajaba / Di de comer a sus hijos / los cuidaba”. Las manos de Susana Baca, que las cámaras siempre buscan para los close ups, se agitan levemente como si se tratara de las alas delicadas de un ave a punto de emprender vuelo. “Quien quiso tomar mi cuerpo, quedó preso / parí, y fui tiñendo al pueblo, color negro…”. La mujer que canta esto es la misma que el día anterior me confesó, sobre el final de nuestra larga conversación, que en un momento renegó de ser negra. Miraba su cuerpo, me contó, y se preguntaba por qué sería así, por qué había salido de color oscuro. “Quería asimilarme. No quería ser negra”, me confesó en un momento. En otro me dijo: “Hay un momento en que yo he sentido odio, pero el odio más infinito que te puedas imaginar. Leyendo libros sobre la esclavitud y la trata de personas he sentido rabia, y he buscado nombres y he querido venganza”. Su forma de pensar cambió gracias a la lucha de los afroamericanos en Estados Unidos. Negro is beautiful. Lo leyó y se transformó. Un día se dijo que ya había sido suficiente, y entonces se dejó de lacear el pelo y también abandonó la peluca. “Desde entonces me limpié de ese odio y opté por mí. El canto y la música son ahora una liberación. Siento que el odio se transforma ahora en un arte con compasión; un arte de comprensión y afirmación”.
Susana Baca sonríe mientras canta, sonríe como solo se ve en contados músicos, quizás Caetano Veloso o Gilberto Gil. De pronto ha cerrado los ojos y eleva los brazos. Te presto mi risa / Te presto mi fuego / Te presto mi ritmo. Me celebro. Todo fluye. Esta mañana en Lima la reina de la música afroperuana se celebra y se canta a sí misma, y parece que por unos momentos ya no estuviera con nosotros. Se ha equivocado, me digo entonces. Con zapatos también se puede.

http://cultura.elpais.com/cultura/2013/06/12/actualidad/1371038625_065077.html
 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

AMOR ESTRANHO


NEI DUCLÓS


Eu sou um poeta estranho
Não fumo, não jogo
não tomo banho

A não ser que seja água
que você apanhe
A não ser que seja fumo
que você prepare
A não ser que seja carta
e você ganhe

Você é um amor estranho
Não come, não passeia
não reclama

A não ser que seja eu
quem compre a carne
A não ser que seja praia
e eu te ame
A não ser que seja dor
e eu me cale

Publicado no livro No Mar Veremos, 2001 Ed. Globo

quarta-feira, 12 de junho de 2013

THE PSYCHOLOGY OF LOVE


4) THE PSYCHOLOGY OF LOVE – Assinado por 16 craques acadêmicos, tenta responder a pergunta que não quer calar: para muita gente, o amor é a coisa mais importante de suas vidas – sem ele, sentem-se incompletos, mutilados. Por quê? Tchan, tchan, tchan!

5) FALLING IN LOVE – A psicóloga Ayala Malach Pines esmiúça a seguinte questão: quando encontramos um casal com um grau de atração desproporcional, tendemos a pensar que o polo mais mixuruco da dupla deve “ter algo extraordinário, como um senso de humor prodigioso ou um intelecto portentoso”. Qual o sentido dessa racionalização tão comum? Será que o amor é mesmo cego? A resposta da autora é um peremptório e convincente “não!”. Ler para crer.

6) A GENERAL THEORY OF LOVE – Desde a aurora da humanidade, o pessoal se debate com tumultos emocionais que suscitam perplexidade e confusão. O primeiro médico, Hipócrates, chutou em 450 AC que as emoções emanam do cérebro. Bingo! Porém, 25 séculos depois, o treco continua perturbador, volátil e desconcertante – material para a literatura, a música, a pintura, a poesia. Não para a ciência. Mas o advento da neurociência está mudando o panorama e dissipando a névoa conceitual. Aqui, os psicólogos Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon fazem das tripas, coração. Literalmente.

7) FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO – Roland Barthes formatou este livro como um dicionário, vendendo seu peixe em verbetes sobre o universo dos apaixonados, em ordem alfabética. No prefácio ele entrega o ouro: “Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece a diferença ente a transferência analítica e a transferência amorosa – uma é universal, a outra específica. Foram precisos muitos casos, muitas coincidências surpreendentes para que eu encontre a imagem que, entre mil, convém ao meu desejo.
Muito bacana (mas, confidencialmente, Barthes estava apaixonado apenas pela sua mãe).


8)ENAMORAMENTO E AMOR – Ousado e magistralmente escrito, neste livro o sociólogo italiano Francesco Alberoni sedimenta uma desconfiança clássica: a dicotomia entre paixão e amor. A primeira é revolução, o segundo é instituição (sem conotações pejorativas). A sacada ficou famosa: “O enamoramento é um movimento coletivo a dois.” Explicando melhor: “Nasce apenas entre duas pessoas, e o seu horizonte de dependência, qualquer que seja o valor universal que possa desencadear, está vinculado ao fato de ser completo com dois únicos seres.” Talvez seja aquilo que rosnou um certo implicante: “O amor é o que acontece entre um homem e uma mulher que não se conhecem muito bem.

http://bravonline.abril.com.br/blogs/transatlantico/2013/06/12/estupido-cupido/

ESTÚPIDO CUPIDO!




O amor – assim como a morte, a vingança, a existência ou não de Deus, o São Paulo Futebol Clube – é um dos temas ubíquos da literatura (tá, eu retiro o SPFC). Já foi dito que toda canção, poema, romance são, de algum modo, “sobre o amor”. Kurt Vonnegut achava que só podemos nos apaixonar 3 vezes na vida (eu, volúvel que só, já me apaixonei 3 milhões de vezes). O amor já foi descrito como uma questão de coragem, ou uma reciclagem límbica, ou o triunfo da esperança sobre a experiência. Para Charles Schulz, o criador do “Peanuts”, que entendia do riscado, não há na vida doçura maior que vaguear de mão dada com quem amamos.

Como hoje é Dia dos Namorados (não no Hemisfério Norte, que prefere o dia de São Valentim à véspera de Santo Antônio), vou xeretar os mecanismos amorosos que espicaçam o lirismo, e como o amor se engasta nas nossas cabeças, corações e almas. Só não vou cacarejar o título daquele livro de Raymond Carter, “De que Falamos Quando Falamos de Amor”, que, de tão parafraseado, ficou mais viscoso do que “Ai Se Eu Te Pego”. Prefiro sugerir umas obrinhas (não abobrinhas) bacanas sobre o tema. Deixo de fora os troços mais manjados, como O Banquete, de Platão. Sirvam-se.

1)DE L’AMOUR – Em 1822, um sujeito barrigudinho (nome de guerra: Stendhal) escreveu este tratado indelével para racionalizar a mais feérica das emoções humanas. Desafio homérico (ou quixotesco). Como alertava Susan Sontag: “Não há nada de misterioso nas relações humanas. Exceto o amor.”
Stendhal estabeleceu uma espécie de taxonomia de quatro modalidades de amor. 1) O amor-paixão. Como o da freira portuguesa Mariana Alcoforado pelo seu garboso oficial francês (“Cartas Portuguesas”), e o de Heloísa por Abelardo. Culto ao sofrimento. 2) O amor galante, que floresceu em Paris cerca de 1760, e pode ser encontrado nas memórias e romances do período, como os de Chamford e Mme d’ Epinay (compincha de Diderot e Rousseau). Etiqueta, bom gosto, delicadeza e mundanismo. Nada de dilaceramentos. Sensibilidade e bom senso. 3) O amor físico. Testosteronas fervilhantes. Chamamento da natureza. Quem nunca? 4) O amor vaidoso. Sentimento inspirado mais pelo status do outro, do que pela emoção em si.

No capítulo “Sobre o Nascimento do Amor”, Stendhal introduz o conceito de “cristalização”, uma espécie de desvario que uma Sylvia Plath, por exemplo, capturou esplendidamente. Ou seja, uma projeção idealizada através da qual avaliamos o nosso objeto amoroso, submergindo completamente a humanidade dele na nossa versão da realidade seletiva e romântica. Como disse o outro: “Amar é admirar com o coração. Admirar é amar com o cérebro.

2) O AMOR E O OCIDENTE – Denis de Rougemont revolucionou o estudo do amor com este livro de 1938. Esgrimiu uma série de itens que se tornaram incontornáveis: o amor cortês (do cavaleiro pela sua dama inacessível), a heresia cátara (o mundo é perverso, pois não foi criado por Deus), a influência da poesia árabe no pathos amoroso ocidental, a tensão entre paixão e casamento, Eros (pagão) e Ágape (cristão). Uma obra fascinante, mudando paradigmas, mesmo derrapando aqui e ali.


3) WHY WE LOVE – A antropóloga Helen Fisher já tinha pintado e bordado com sua obra sobre o impacto dos antidepressivos na experiência romântica. Aqui, apresenta um espetacular samba do crioulo doido com neuroquímica e fabulação. Neurotransmissores nos fazem sentir determinadas emoções, e depois escolhemos ficções para descrever a nós próprios essas emoções. Fisher enuncia as 3 chaves do amor, cada uma envolvendo diferentes (mas conectados) sistemas cerebrais – o desejo (induzido por androgênios e estrogênios, com a ânsia por gratificação sexual); atração (induzida pela dopamina e norepinefrina), com o foco obsessivo e a compulsão por um indivíduo; ligação (attachment), comandada pelos hormônios oxitocina e vasopressina, e associada ao senso de serenidade, paz e estabilidade proporcionado por uma relação duradoura. Sei, não soa muito romântico, mas fazer o quê? O amor não é o gemido plangente de um violino distante, mas o triunfante zunido das molas de um colchão.

 http://bravonline.abril.com.br/blogs/transatlantico/2013/06/12/estupido-cupido/