Pesquisar este blog

quarta-feira, 12 de junho de 2013

ESTÚPIDO CUPIDO!




O amor – assim como a morte, a vingança, a existência ou não de Deus, o São Paulo Futebol Clube – é um dos temas ubíquos da literatura (tá, eu retiro o SPFC). Já foi dito que toda canção, poema, romance são, de algum modo, “sobre o amor”. Kurt Vonnegut achava que só podemos nos apaixonar 3 vezes na vida (eu, volúvel que só, já me apaixonei 3 milhões de vezes). O amor já foi descrito como uma questão de coragem, ou uma reciclagem límbica, ou o triunfo da esperança sobre a experiência. Para Charles Schulz, o criador do “Peanuts”, que entendia do riscado, não há na vida doçura maior que vaguear de mão dada com quem amamos.

Como hoje é Dia dos Namorados (não no Hemisfério Norte, que prefere o dia de São Valentim à véspera de Santo Antônio), vou xeretar os mecanismos amorosos que espicaçam o lirismo, e como o amor se engasta nas nossas cabeças, corações e almas. Só não vou cacarejar o título daquele livro de Raymond Carter, “De que Falamos Quando Falamos de Amor”, que, de tão parafraseado, ficou mais viscoso do que “Ai Se Eu Te Pego”. Prefiro sugerir umas obrinhas (não abobrinhas) bacanas sobre o tema. Deixo de fora os troços mais manjados, como O Banquete, de Platão. Sirvam-se.

1)DE L’AMOUR – Em 1822, um sujeito barrigudinho (nome de guerra: Stendhal) escreveu este tratado indelével para racionalizar a mais feérica das emoções humanas. Desafio homérico (ou quixotesco). Como alertava Susan Sontag: “Não há nada de misterioso nas relações humanas. Exceto o amor.”
Stendhal estabeleceu uma espécie de taxonomia de quatro modalidades de amor. 1) O amor-paixão. Como o da freira portuguesa Mariana Alcoforado pelo seu garboso oficial francês (“Cartas Portuguesas”), e o de Heloísa por Abelardo. Culto ao sofrimento. 2) O amor galante, que floresceu em Paris cerca de 1760, e pode ser encontrado nas memórias e romances do período, como os de Chamford e Mme d’ Epinay (compincha de Diderot e Rousseau). Etiqueta, bom gosto, delicadeza e mundanismo. Nada de dilaceramentos. Sensibilidade e bom senso. 3) O amor físico. Testosteronas fervilhantes. Chamamento da natureza. Quem nunca? 4) O amor vaidoso. Sentimento inspirado mais pelo status do outro, do que pela emoção em si.

No capítulo “Sobre o Nascimento do Amor”, Stendhal introduz o conceito de “cristalização”, uma espécie de desvario que uma Sylvia Plath, por exemplo, capturou esplendidamente. Ou seja, uma projeção idealizada através da qual avaliamos o nosso objeto amoroso, submergindo completamente a humanidade dele na nossa versão da realidade seletiva e romântica. Como disse o outro: “Amar é admirar com o coração. Admirar é amar com o cérebro.

2) O AMOR E O OCIDENTE – Denis de Rougemont revolucionou o estudo do amor com este livro de 1938. Esgrimiu uma série de itens que se tornaram incontornáveis: o amor cortês (do cavaleiro pela sua dama inacessível), a heresia cátara (o mundo é perverso, pois não foi criado por Deus), a influência da poesia árabe no pathos amoroso ocidental, a tensão entre paixão e casamento, Eros (pagão) e Ágape (cristão). Uma obra fascinante, mudando paradigmas, mesmo derrapando aqui e ali.


3) WHY WE LOVE – A antropóloga Helen Fisher já tinha pintado e bordado com sua obra sobre o impacto dos antidepressivos na experiência romântica. Aqui, apresenta um espetacular samba do crioulo doido com neuroquímica e fabulação. Neurotransmissores nos fazem sentir determinadas emoções, e depois escolhemos ficções para descrever a nós próprios essas emoções. Fisher enuncia as 3 chaves do amor, cada uma envolvendo diferentes (mas conectados) sistemas cerebrais – o desejo (induzido por androgênios e estrogênios, com a ânsia por gratificação sexual); atração (induzida pela dopamina e norepinefrina), com o foco obsessivo e a compulsão por um indivíduo; ligação (attachment), comandada pelos hormônios oxitocina e vasopressina, e associada ao senso de serenidade, paz e estabilidade proporcionado por uma relação duradoura. Sei, não soa muito romântico, mas fazer o quê? O amor não é o gemido plangente de um violino distante, mas o triunfante zunido das molas de um colchão.

 http://bravonline.abril.com.br/blogs/transatlantico/2013/06/12/estupido-cupido/

Nenhum comentário:

Postar um comentário