[Miguel Yoshida] Com nova série de livros, Expressão Popular busca a compreensão de que a literatura é uma forma de se conhecer melhor a humanidade e o ser humano.
De acordo com a linha da Expressão Popular, editora que completa 12 anos de existência e que tem como principal objetivo facilitar o acesso à produção do conhecimento acumulado ao longo da história da sociedade pela e para a classe trabalhadora, abriu-se uma nova série de publicações dentro de sua coleção de literatura, a série "Literatura e trabalho".
Compreendendo que entre os diversos elementos que compõem a realidade, as produções artísticas ocupam um importante papel nas diferentes formações histórico-sociais, e que a literatura é uma forma privilegiada de conhecimento dessa realidade (até mesmo quando a nega), em julho deste ano foi inaugurada a referida série – coordenada pelos professores Claudia de Arruda Campos, Enid Yatsuda Frederico, Zenir Campos Reis e Walnice Nogueira Galvão – com dois livros: o já conhecido romance de Aluísio Azevedo, O cortiço, e a antologia de textos Vozes da ficção: narrativas do mundo do trabalho.
O cortiço, publicado em 1890, é um clássico dos romances naturalistas do Brasil, situado entre as melhores obras em prosa da literatura nacional. O eixo narrativo da obra gira em torno da vida dos trabalhadores no espaço de um cortiço em Botafogo, de propriedade de um imigrante português, cujo objetivo final é ascender socialmente.
Para isso, ele engana e explora de maneira brutal Bertoleza, escrava supostamente alforriada; cobra o aluguel das casinhas do cortiço e das tinas para as lavadeiras; lucra com a venda de alimentos e outros gêneros em sua venda à entrada da estalagem; e surrupia na calada da noite materiais de construção para empregá-las na edificação do seu cortiço: "Era João Romão quem lhes fornecia tudo, tudo, até dinheiro adiantado, quando algum precisava. Por ali não se encontrava jornaleiro, cujo ordenado não fosse inteirinho parar às mãos do velhaco".
O romance vem precedido do brilhante ensaio de Antonio Candido, De cortiço a cortiço (cedido para a edição pelo autor e pela editora Ouro sobre Azul), onde encontramos um resumo da sua importância: "Aluísio foi, salvo erro meu, o primeiro dos nossos romancistas a descrever minuciosamente o mecanismo de formação da riqueza individual. Basta comparar seu livro com as indicações sumárias de Macedo, Alencar ou Machado de Assis, nos quais o dinheiro aparece com frequência, mas adquirido por herança, dote ou outra causa fortuita".
As características próprias da estética dominante naquele fim de século encontram-se de modo marcante nessa obra de Aluísio Azevedo – por exemplo, a determinação do sujeito pelo meio, raça e época, além de uma descrição carregada dos elementos instintivos dos personagens –, erigindo-a em expoente máximo do naturalismo brasileiro.
Condição do trabalho
Vozes da ficção: narrativas do mundo do trabalho reúne 16 textos (contos, na sua maioria) que tratam, sob diferentes aspectos, da condição do trabalho e do trabalhador, sobretudo em finais do século 19 e início do 20. Essa antologia tem como principal objetivo apresentar ao público escritores importantes da literatura brasileira, mas pouco divulgados, esquecidos, e, em boa medida, conhecidos apenas por especialistas da área, como é o caso de Valdomiro Silveira, Simões Lopes Neto, Coelho Neto, Manuel de Oliveira Paiva, Inglês de Sousa, Alberto Rangel, Afonso Arinos e Hugo de Carvalho Ramos.
Além desses autores, a antologia traz também contos de Machado de Assis, Euclides da Cunha, João do Rio e Lima Barreto. O fio condutor de Vozes da ficção é o da condição do trabalhador de diferentes ofícios, retratado por diferentes olhares, tendo como pano de fundo um largo período em que ocorreram diversas transformações na formação social brasileira.
Em ambas as publicações, seja pelo distanciamento temporal, seja pelo léxico regional, a dificuldade de compreensão é parcialmente superada pelo cuidadoso trabalho editorial dos organizadores da coleção, que construíram um glossário esclarecedor, buscando com isso tornar a leitura mais acessível sem alterar o texto.
Relevante também é a inclusão nas duas publicações de um pequeno, mas significativo texto, Ler – compartilhar, que trata do processo de leitura. Para reflexão.
Dessa forma, a publicação desses dois volumes inaugurando a série "Literatura e trabalho" atinge os objetivos da Editora Expressão Popular, que é propiciar ao conjunto de seus leitores – militantes de movimentos sociais, sindicatos e partidos, estudantes e professores universitários e todos aqueles comprometidos com a construção de uma nova sociedade – o conhecimento de obras importantes da literatura e, com elas, a compreensão de que a literatura é uma forma de conhecimento que traz a possibilidade de não apenas se compreender melhor a realidade de que trata, mas também de se conhecer melhor a humanidade e o ser humano.
*Miguel Yoshida é mestrando em Letras na Universidade de São Paulo (USP)
Compreendendo que entre os diversos elementos que compõem a realidade, as produções artísticas ocupam um importante papel nas diferentes formações histórico-sociais, e que a literatura é uma forma privilegiada de conhecimento dessa realidade (até mesmo quando a nega), em julho deste ano foi inaugurada a referida série – coordenada pelos professores Claudia de Arruda Campos, Enid Yatsuda Frederico, Zenir Campos Reis e Walnice Nogueira Galvão – com dois livros: o já conhecido romance de Aluísio Azevedo, O cortiço, e a antologia de textos Vozes da ficção: narrativas do mundo do trabalho.
O cortiço, publicado em 1890, é um clássico dos romances naturalistas do Brasil, situado entre as melhores obras em prosa da literatura nacional. O eixo narrativo da obra gira em torno da vida dos trabalhadores no espaço de um cortiço em Botafogo, de propriedade de um imigrante português, cujo objetivo final é ascender socialmente.
Para isso, ele engana e explora de maneira brutal Bertoleza, escrava supostamente alforriada; cobra o aluguel das casinhas do cortiço e das tinas para as lavadeiras; lucra com a venda de alimentos e outros gêneros em sua venda à entrada da estalagem; e surrupia na calada da noite materiais de construção para empregá-las na edificação do seu cortiço: "Era João Romão quem lhes fornecia tudo, tudo, até dinheiro adiantado, quando algum precisava. Por ali não se encontrava jornaleiro, cujo ordenado não fosse inteirinho parar às mãos do velhaco".
O romance vem precedido do brilhante ensaio de Antonio Candido, De cortiço a cortiço (cedido para a edição pelo autor e pela editora Ouro sobre Azul), onde encontramos um resumo da sua importância: "Aluísio foi, salvo erro meu, o primeiro dos nossos romancistas a descrever minuciosamente o mecanismo de formação da riqueza individual. Basta comparar seu livro com as indicações sumárias de Macedo, Alencar ou Machado de Assis, nos quais o dinheiro aparece com frequência, mas adquirido por herança, dote ou outra causa fortuita".
As características próprias da estética dominante naquele fim de século encontram-se de modo marcante nessa obra de Aluísio Azevedo – por exemplo, a determinação do sujeito pelo meio, raça e época, além de uma descrição carregada dos elementos instintivos dos personagens –, erigindo-a em expoente máximo do naturalismo brasileiro.
Condição do trabalho
Vozes da ficção: narrativas do mundo do trabalho reúne 16 textos (contos, na sua maioria) que tratam, sob diferentes aspectos, da condição do trabalho e do trabalhador, sobretudo em finais do século 19 e início do 20. Essa antologia tem como principal objetivo apresentar ao público escritores importantes da literatura brasileira, mas pouco divulgados, esquecidos, e, em boa medida, conhecidos apenas por especialistas da área, como é o caso de Valdomiro Silveira, Simões Lopes Neto, Coelho Neto, Manuel de Oliveira Paiva, Inglês de Sousa, Alberto Rangel, Afonso Arinos e Hugo de Carvalho Ramos.
Além desses autores, a antologia traz também contos de Machado de Assis, Euclides da Cunha, João do Rio e Lima Barreto. O fio condutor de Vozes da ficção é o da condição do trabalhador de diferentes ofícios, retratado por diferentes olhares, tendo como pano de fundo um largo período em que ocorreram diversas transformações na formação social brasileira.
Em ambas as publicações, seja pelo distanciamento temporal, seja pelo léxico regional, a dificuldade de compreensão é parcialmente superada pelo cuidadoso trabalho editorial dos organizadores da coleção, que construíram um glossário esclarecedor, buscando com isso tornar a leitura mais acessível sem alterar o texto.
Relevante também é a inclusão nas duas publicações de um pequeno, mas significativo texto, Ler – compartilhar, que trata do processo de leitura. Para reflexão.
Dessa forma, a publicação desses dois volumes inaugurando a série "Literatura e trabalho" atinge os objetivos da Editora Expressão Popular, que é propiciar ao conjunto de seus leitores – militantes de movimentos sociais, sindicatos e partidos, estudantes e professores universitários e todos aqueles comprometidos com a construção de uma nova sociedade – o conhecimento de obras importantes da literatura e, com elas, a compreensão de que a literatura é uma forma de conhecimento que traz a possibilidade de não apenas se compreender melhor a realidade de que trata, mas também de se conhecer melhor a humanidade e o ser humano.
*Miguel Yoshida é mestrando em Letras na Universidade de São Paulo (USP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário