Os mais velhos dizem que as coisas eram melhores antes, mesmo que não fossem assim tão boas...
No interior do Brasil nasciam os quatro rios do Jardim do Éden de Adão e Eva e, como cantou o filho Chico com as lições que aprendeu do pai, Sérgio, não havia pecado do lado de baixo do Equador. O mundo repressor e reprimido cristão só lambia, então, a beira da praia. Não entrava terra adentro. Lá bem longe, embrenhando-se mata adentro, corria a história, havia uma terra generosa em riquezas, prazeres e eterna juventude. Nem um nem dois, foram muitos os europeus que, fugindo da repressão, sumiram no sertão, morrendo ou virando “índios”. A ilusão, porém, não haveria de durar. A cultura da cana, a descoberta do ouro e a consequente extensão dos braços do Estado escravista e da Igreja para os interiores da terra carregou junto os olhos punitivos dos padres e dos soldados. O Brasil que era o Éden, o paraíso na Terra, ficou cada vez mais distante, restrito ao folclore, ao Carnaval, aos anúncios do Ministério do Turismo. O prazer ficou lá longe, ora longe no espaço, ora longe no tempo.
Num mundo que foi ficando cada vez mais repressor e reprimido, nos acostumamos a ver o prazer real com desconfiança e a cultivar uma ideia abstrata de prazer inalcançável, porque distante e irreal. O melhor lugar do mundo, você já ouviu muitas vezes, nunca é o aqui e agora. É aquela nostalgia típica dos mais velhos, que não se cansam de repetir como eram melhores as coisas no tempo deles, mesmo que no tempo deles não achassem as coisas tão boas assim. Uma nostalgia, de qualquer forma, com um razoável poder de contaminação, e acabamos acreditando, muitas vezes, que o amor antes era mais verdadeiro, os relacionamentos mais duradouros, o sexo mais intenso, que o LP era melhor que o MP3. Será que as coisas “antes”, “lá longe”, eram mesmo melhores? Será que um tempo em que as mulheres eram obrigadas a casar virgens era melhor que hoje? É curioso como convivem, lado a lado, como as duas faces da mesma moeda fatalista, as ideias de que as coisas sempre melhoram e a ideia de que elas sempre pioram. Nem uma coisa nem outra, a verdade é que as coisas mudam.
Rios de prazer
A sexualidade e os prazeres a ela ligados, por exemplo, foram muito mais livres até o século 18 do que no século 19 e primeira metade do 20 quando, como escreveu Michel Foucault, foram aprisionados no cárcere privado do matrimônio burguês. A partir daí, especialmente após os anos 60, voltaram a ser gradativamente liberados. Ou seja, é difícil negar que a nossa vida sexual é melhor que a dos nossos avós. O que também não quer dizer grande coisa, pois a vida sexual de nossos avós foi das piores de todos os tempos. E não há garantias de que daqui para a frente as coisas irão automaticamente evoluir; a história não acabou, nunca andou em linha reta e não vai fazer isso agora.
Como hoje, em todas as épocas conviveram as forças da repressão e da liberação. Os olhares severos e vigilantes dos padres e dos soldados do rei podem ter sido trocados pela visão científica e politicamente correta dos médicos e dos policiais do colesterol, do cigarro e do bafômetro, mas o fato é que hoje, como antes, há sempre alguém dizendo a você o que pode e o que não pode, o que é prazer lícito e saudável e o que não é. E também, como sempre, tem gente que não se conforma e continua a procurar os quatro rios do Éden do prazer sem pecados, só que agora não se entra mais sertão adentro para isso (até porque hoje no sertão só há soja, gado, cana e Brasília). E como agora pelo menos a diversidade é respeitada, os quatro rios do Éden podem estar, para alguns, no Nepal, na ioga e no sexo tântrico. Para outros, numa conexão de internet rápida levando a um intenso, real e verdadeiro sexo virtual. Para outros, ainda... bem, você pegou a ideia.
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