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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Filmes - sugestões do André Setaro

 

Na foto acima, Marlon Brando e Elizabeth Taylor (a última estrela da constelação de Hollywood) em Os pecados de todos nós (Reflection in a golden eye, 1967), de John Huston, que se baseou em livro de Carlson MacCullers. E uma obra de grande densidade psicológica e dotada de uma mise-en-scène irrepreensível, além de contar com um dos melhores desempenhos de Brando no cinema, que é acompanhado por um cast de primeira ordem: Elizabeth Taylor, carnal, possessa, mulher de têmpera, Brian Keith, Julie Harris (a namorada de James Dean em Vidas amargas, de Elia Kazan), Zorro David etc. Weldon Penderton (Marlon Brando) é um major em decadência. Seus problemas no trabalho influenciam sua vida matrimonial, encontrando-se em crise de identidade. Para piorar sua situação, um recruta está apaixonado por sua esposa Leonora (Elizabeth Taylor) e Brando, por sua vez, está apaixonado por ele. Homossexualismo platônico e tensão bem próxima das torrentes verbais de Tennessee Wiliams, Huston queria que uma matriz dourada tomasse conta de toda a imagem, mas os produtores recusaram e o filme acabou por tomar um banho de technicolor.
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"Estranho acidente" ("Accident"), de Joseph Losey


Um dos melhores filmes (se não o melhor) de Joseph Losey, o fleumático diretor de tantas obras importantes (O criado, Eva, O mensageiro...), Estranho acidente (Accident, 1967) é um filme admiravelmente construído sobre um argumento que, reduzido às suas significações mais simples, pretende contar a fantasia sexual vivida por dois professores balzaqueanos de Oxford. Sérgio Augusto, quando era um dos melhores críticos de cinema do país, e escrevia no Jornal do Brasil (o melhor jornal de sua época) disse numa exegese que saiu em 20 de junho de 1969: "Tendo como catalizador da fantasia uma jovem austríaca (Jacqueline Sassard), princesa, aluna e fille fatale, Losey, em Accident, procura exibir o vácuo existencial da aristocracia ou até mesmo fazer uma crítica de costumes com uma ligeira impostação de thriller psicológico. Para se gostar de Accident é preciso responder emocionalmente a toda essa pluralidade de intenção, ao enigmatismo (telúrico) de Rosanlind/Vivien Merchant, (abstrato de Francesca/Delphine Seyrig, (medíocre) de Anna/Jacqueline Sassard, , e desvendar nos seus intermitentes pontos de referência (o jardim e a escada do cottage de Stephen/Dirk Bogard, os carrilhões de Oxford, o sapato de Anna pisando o rosto de William/Michael York, uma das vias de acesso à compreensão de uma obra elaborada como um círculo, que se abre e fecha com um acidente invisível, começo e fim de uma nova experiência (ou pesadelo?) na vida do professor Stephen."

A fotografia é de um artista: Gerry Fischer.

 

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Filme-síntese de Alfred Hitchcock, obra-prima (se é possível que um autor tenha mais de uma), Intriga internacional (North by Northwest), lançado nos Estados Unidos em 17 de julho de 1959, acaba de completar 52 anos de existência.
Realizado entre Um corpo que cai (Vertigo, 1958) e Psicose (Psycho, 1960), North by Northwest é, a rigor, a narrativa de uma iniciação onde o herói é uma criatura de ficção - Roger Thornhill/Cary Grant - que se revolta contra um destino imposto pelas circunstâncias e luta contra uma encenação que lhe é determinada e da qual procura escapar.
Desde a abertura dos créditos, com as linhas que se cruzam, para a emergência de edifícios, um magnífico e inovador projeto de Saul Bass, com a partitura dissonante de Bernard Herrmann, a mise-en-scène se insinua, a abastecer o espectador com um trato raro das possibilidades expressivas da arte do filme.
Fonte de inspiração para a maioria dos thrillers dos anos 60 (inclusive os primeiros filmes de James Bond, o agente secreto 007, que, segundo François Truffaut, não existiriam sem o advento de North by Northwest), Intriga internacional é uma obra de gênio e sintetiza toda a primeira fase americana de Hitchcock, assim como Os 39 degraus (The thirty-nine steps,1935) pode ser visto como uma súmula de seus primeiros filmes ingleses.
Roger Thornhil é um americano típico de meia-idade que faz parte da maioria que caracteriza a sociedade de consumo estadunidense. Na opinião de Noel Simsolo, exegeta da obra hitchcockiana com tese de doutorado na Sorbonne sobre o autor, Roger não é totalmente adulto, desenvolveu-se por preguiça, não tem uma personalidade marcante, não tem alma. As forças dos espiões e, indiretamente, da polícia, fazem com que se transforme em um outro: Kaplan, bode expiatório, criação fictícia das forças do serviço secreto. Por causa dessa identificação, como observa Simsolo, Thornhill terá o seu calvário, o que o levará à união com Eve - a possibilidade de uma vida real para ele.
Na primeira parte do filme, Thornill é vítima dos outros e encontra Eve/Eva Marie Saint, agente duplo, mas não consegue perceber a realidade na qual se encontra envolvido. Intriga internacional é brilhante como idéia e como execução, porque puro cinema, pura "mise-en-scène" e, como narrativa de um itinerário, de um percurso, é, também, uma luta contra a encenação à qual o personagem é forçado a combatê-la. Hitchcock, com seu gênio, com a sua astúcia, com a sua inteligência, não estaria a fazer, neste filme admirável, uma reflexão sobre o próprio espetáculo cinematográfico?
A partir do meio, Roger abandona o combate impossível contra a representação (caça e a morte em questão) para se refugiar junto à polícia e aceita uma encenação tendente a salvá-lo e a fazer com que mereça Eve. No último terço do filme, Roger, ainda segundo Simsolo, recusa as consequências da representação que aceitou, e segue seu impulso, age sozinho e merece não apenas viver como ganhar Eve.
(A minha admiração por Intriga Internacional é enorme. O impacto inicial se deu quando o vi pela primeira vez nos anos 60, algum tempo depois de seu lançamento. A partir daí, anos sem o ver, com o filme apenas na memória, quando, em 1977, houve o seu relançamento em cópia nova. A constatação de sua grandeza não apenas se ratificou como aumentou muito, porque já um pouco mais afinado com a expressão cinematográfica. O tempo passou. Nos anos 80, North by Northwest é lançado em VHS, mas antes o tinha revisto em cópia espúria dublada na televisão. O seu lançamento em DVD restituiu a sua majestade. Comprei-o imediatamente e sempre o revejo. Pelo menos três vezes por ano. É quase uma terapia.)
Intriga internacional assombra o cinéfilo, e é uma lição fecunda de cinema, de mise-en-scène. Atestado do que disseram Claude Chabrol e Erich Rohmer no livro que escreveram sobre o mestre, Le cinema selon Hitchcock (que nunca saiu em tradução no Brasil): "Em Hitchcock, o conteúdo é a forma". Hitchcock, porém, se, atualmente, pode ser considerado uma unanimidade da crítica especializada, nas décadas de 40 e 50, no entanto, não era visto como um autor, mas como um habilidoso mestre do suspense. Foi preciso esperar a sua consagração pela revista francesa Cahiers du Cinema, que lhe descobriu as potencialidades expressivas como um dos maiores autores do cinema de todos os tempos. Por todo o respeito que tenho, por exemplo, em relação ao ensaísta baiano Walter da Silveira, em seu livro - uma belíssima reflexão sobre a arte cinematográfica, Fronteiras do cinema, não soube, porém, no ensaio As vertigens de Alfred Hitchcock, compreender a sua importância e a sua essência.
Mas como escreveu Truufaut: "Porque domina os elementos de um filme e impõe idéias pessoais em todas as etapas da direção, Alfred Hitchcock possui de fato um estilo, e todos reconhecerão que é um dos três ou quatro diretores em atividade que conseguimos identificar só de assistir a poucos minutos de qualquer filme seu".
O mestre, ao perceber que o vilão não poderia estar concentrado somente na figura de James Mason, um ator de finesse insuperável, decidiu reparti-lo em três. Assim, há uma trindade na personificação da vilania: o próprio Mason (Vandamme), Martin Landau (Leonard) e um outro com cara sempre zangada e com um físico de origem germânica. No DVD que se encontra disponível, o roteirista genial Ernest Lehman comenta o filme cena por cena.
Mas, e a pedir a ajuda da exegese de Noel Simsolo (que está no livro Alfred Hitchcock, de Noel Simsolo, editado da Distribuidora Record na coleção Grandes Cineastas, tradução de Wilson Cunha do original publicado em Paris, 1969, pela Seghers), que se veja aqui a beleza dos significados que podem ser extraídos desta obra-prima: "O tema do filme, meditação sobre a vertigem de criar e amar uma obra de arte, explode no início da segunda parte, quando Thornill dialoga com o chefe dos espiões (James Mason). Conversa sobre o papel do objeto de arte ou sobre as possibilidades da alma. Diálogo em que aceitamos Eve como uma obra de arte, meio de transição entre o sonho e a realidade, entre o corpo e o espírito, entre a passividade e o movimento, entre as trevas e a luz, a ignorância e o conhecimento. No fim do filme, o plano de um trem entrando em um túnel marca a posse sexual de Eve por Thornill e a posse da vida e do filme por esta personagem de ficção. North by Northwest, portanto, é o negativo de Vertigo.
Duas seqüências, pelo menos, são antológicas: a do teco-teco que persegue, em amplo espaço aberto, num campo de trigo, Roger Thornill, e a da fuga do casal pelos Montes Rushmore. Nesta última, há notória influência de Eisenstein, principalmente no que se refere à disposição, dentro do plano, dos volumes e da arte de significar pelo espaço cinematográfico. Hitchcock disse certa vez em uma entrevista a Le Monde logo após o lançamento de North by Nortwest em Paris: "Faço o máximo para ligar o 'décor' à ação. Em North by Nortwest, situei a perseguição nos Montes Rushmore onde estão esculpidos os rostos dos presidentes dos Estados Unidos. Parece-me interessante mostrar a silhueta e a figura dos atores tão pequenos contra os grandes narizes e orelhas dos presidentes. Eu gostaria de ter filmado todas as cenas lá, mas não me permitiram. Pensei mesmo em fazer com que Cary Grant entrasse pelas narinas de Abraham Lincoln, mas é claro que isto era impossível".
E mais: "Minha lógica é uma lógica de mórmon. Vocês conhecem os mórmons? Quando as crianças fazem uma pergunta difícil, eles respondem: 'Vá brincar, menino'. Existe algo de mais importante do que a lógica, é a imaginação. Se pensamos primeiramente na lógica, não podemos imaginar mais nada. Frequentemente, trabalhando com meu roteirista, eu lhe dou uma idéia: 'Mas isto é possível!'. A idéia é boa, apesar de ela ir contra a lógica. A lógica deve ser jogada pela janela".

 

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