Eu ainda não conheci uma mulher que não fosse como uma música, como uma boa música. Porque elas há, como tantas as combinações de notas se podem fazer som.
Algumas músicas – ou mulheres? – são misteriosas, insinuantes, obscuras. Incessíveis, é o que parece antes do momento mágico em que se pode solfeja-las. São aquelas mulheres – ou canções – que arrebatam os órgãos do sentir. Como olhar o olhar de Liz Taylor e não se deixar afundar? Mas não é só naquele escuro cinema que elas ecoam, as obscuras. Estão em esquinas sombrias, estão em bares esfumaçados. Estão nestes lugares que as guardam em véus. Estão.
Há as discretas – canções e mulheres. Elas não costumam despertar, logo nas primeiras aproximações, onde mais básico se sente. São necessárias várias voltas na vitrola para que se dêem a conhecer em esplendor e alcance. São mulheres – ou músicas – que depois de desvendadas são sempre murmuradas. Alguns não as apreciam, queixam-se da simplicidade. Mas, se se tem a sorte ou a persistência de voltar a ela, é como avistar uma miragem – é a mesma? ou já é outra? Ou, ainda, nunca foi isso? E todas as respostas parecem corretas enquanto a melodia se faz carne em quem a aprecia.
Umas mulheres – ou músicas? – são, ainda, em crescente complexidade. Entregam-se. Esquivam-se. Quase se é capaz de cantarolá-las mas, em algum momento, ritmo ou letra se perdem. São reflexos - invertidos e vacilantes – de ilusões vívidas que ecoam no que ouve. São, sempre, sensação mais viva que carne. A elas se volta, sempre, muitas vezes mais, com uma fome encantada de luz e sombra: a completa nitidez é mágica. E, ainda assim, nunca se chega. Não há encontro possível.
Há, mulheres e canções, que ganham sentido apenas quando tocadas, aquelas que se estabelecem na ação, que se espalham tão dentro, cravam raízes de companheira tão alegre, bonita e sólida. Canções e mulheres de verdades simples, vivas como uma frutífera mangueira, generosa em sabor e sombra.
Amar uma canção é como tocar uma mulher. De início, o encantamento. Nunca lhe basta. Tão arrebatador quanto efêmero, os nervos à flor da pele e a vontade de sabê-la toda, intervalos inclusos. Em um depois, depois que vem após várias audições, mas que parece tão agora, imediato, é pele perdendo a cor, a flor sem viço, casca dos dias e das noites iguais. Um esgotamento de ouvir. Já não se consegue sentir de tanto que já esteve. Teme-se que a canção – ou a mulher? – já nada signifique. O antes equilibrado arranjo já soa monótono. Previsível é quem a escuta, porque a quis tanto, mas parece sempre que é a mulher – ou a canção. Retorna-se a ela, ainda e sempre e muitas vezes mais. Mas não é possível trazer o ingênuo deslumbre da primeira audição de volta e ela mulher/som parece cada vez mais tristemente nítida, como se a beleza estivesse no que se esconde. E está. Já não há enlevo, divorciado o ouvido está de quem o chama. Aquelas tais, mulher e canção, acabam por desaparecerem em outra sequência de notas que chegarão, surpreendentes, inéditas, tocantes.
Isso se sucede com todas. Mesmo com as que guardamos em cassestes à caneta indicados. Com nostalgia escuta-se, mas não com amor. Tocam, não o corpo, mas a idéia do corpo. Foram-se. Vão-se todas: mulhermilonga, mulhersinfonia, mulher-quarteto-de-cordas, mulher-concerto, mulher-suíte, mulher-cantata. Vão-se as cançõesloiras, as cançõesmorenas e, mesmo as ruivascanções, intensas, também se vão ao fim de outono.
Mas. E isso é o que há de tão lindo. Mas. Todo dia essa fome de sereias, mítico anseio. Mas. Repito e é aqui que já sei os futuros. Mas. Mas e mais. A canção. Só uma. Ela. E aí o rapaz, menino, homem, esquece-se de ser semideus e já não escuta sereias. Porque, enfim, a canção. Ele tem seu samba. Sua mulher. E, ora vejam, é de uma nota só. E basta.
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