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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Partituras


Eu ainda não conheci uma mulher que não fosse como uma música, como uma boa música. Porque elas há, como tantas as combinações de notas se podem fazer som.
Algumas músicas – ou mulheres? – são misteriosas, insinuantes, obscuras. Incessíveis, é o que parece antes do momento mágico em que se pode solfeja-las. São aquelas mulheres – ou canções – que arrebatam os órgãos do sentir. Como olhar o olhar de Liz Taylor e não se deixar afundar? Mas não é só naquele escuro cinema que elas ecoam, as obscuras. Estão em esquinas sombrias, estão em bares esfumaçados. Estão nestes lugares que as guardam em véus. Estão.
Há as discretas – canções e mulheres. Elas não costumam despertar, logo nas primeiras aproximações, onde mais básico se sente. São necessárias várias voltas na vitrola para que se dêem a conhecer em esplendor e alcance. São mulheres – ou músicas – que depois de desvendadas são sempre murmuradas. Alguns não as apreciam, queixam-se da simplicidade. Mas, se se tem a sorte ou a persistência de voltar a ela, é como avistar uma miragem – é a mesma? ou já é outra? Ou, ainda, nunca foi isso? E todas as respostas parecem corretas enquanto a melodia se faz carne em quem a aprecia.
Umas mulheres – ou músicas? – são, ainda, em crescente complexidade. Entregam-se. Esquivam-se. Quase se é capaz de cantarolá-las mas, em algum momento, ritmo ou letra se perdem. São reflexos - invertidos e vacilantes – de ilusões vívidas que ecoam no que ouve. São, sempre, sensação mais viva que carne. A elas se volta, sempre, muitas vezes mais, com uma fome encantada de luz e sombra: a completa nitidez é mágica. E, ainda assim, nunca se chega. Não há encontro possível.
Há, mulheres e canções, que ganham sentido apenas quando tocadas, aquelas que se estabelecem na ação, que se espalham tão dentro, cravam raízes de companheira tão alegre, bonita e sólida. Canções e mulheres de verdades simples, vivas como uma frutífera mangueira, generosa em sabor e sombra.
Amar uma canção é como tocar uma mulher. De início, o encantamento. Nunca lhe basta. Tão arrebatador quanto efêmero, os nervos à flor da pele e a vontade de sabê-la toda, intervalos inclusos. Em um depois, depois que vem após várias audições, mas que parece tão agora, imediato, é pele perdendo a cor, a flor sem viço, casca dos dias e das noites iguais. Um esgotamento de ouvir. Já não se consegue sentir de tanto que já esteve. Teme-se que a canção – ou a mulher? – já nada signifique. O antes equilibrado arranjo já soa monótono. Previsível é quem a escuta, porque a quis tanto, mas parece sempre que é a mulher – ou a canção. Retorna-se a ela, ainda e sempre e muitas vezes mais. Mas não é possível trazer o ingênuo deslumbre da primeira audição de volta e ela mulher/som parece cada vez mais tristemente nítida, como se a beleza estivesse no que se esconde. E está. Já não há enlevo, divorciado o ouvido está de quem o chama. Aquelas tais, mulher e canção, acabam por desaparecerem em outra sequência de notas que chegarão, surpreendentes, inéditas, tocantes.
Isso se sucede com todas. Mesmo com as que guardamos em cassestes à caneta indicados. Com nostalgia escuta-se, mas não com amor. Tocam, não o corpo, mas a idéia do corpo. Foram-se. Vão-se todas: mulhermilonga, mulhersinfonia, mulher-quarteto-de-cordas, mulher-concerto, mulher-suíte, mulher-cantata. Vão-se as cançõesloiras, as cançõesmorenas e, mesmo as ruivascanções, intensas, também se vão ao fim de outono.
Mas. E isso é o que há de tão lindo. Mas. Todo dia essa fome de sereias, mítico anseio. Mas. Repito e é aqui que já sei os futuros. Mas. Mas e mais. A canção. Só uma. Ela. E aí o rapaz, menino, homem, esquece-se de ser semideus e já não escuta sereias. Porque, enfim, a canção. Ele tem seu samba. Sua mulher. E, ora vejam, é de uma nota só. E basta.


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