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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Pecados

Publicado no guia Divirta-se, em O Estado de S. Paulo em outubro de 2011
Foi com certo alívio que eu li, há muito tempo, uma declaração de Carlos Heitor Cony. Dizia ele que nada melhor para curar uma dor de corno do que uma boa música brega.

Meu alívio não se deu por conta de estar na fossa, mas (dos males, o menor) por atenuar meu pecado de ser grosseiramente sentimental. Cony é escritor sério, de alta reputação e graves temas. Inteligência refinada, dada aos sutis meandros do pensamento. De certo saberá versos camonianos de cor e salteado, terá preferências na música erudita, conhecerá vinhos e já entrevistou o Papa. Ainda assim, tem sua quedinha pelo brega — mesmo que em restrita circunstância. Se ele, que é Cony, é assim, que dirá eu.

Muito já me censurei ao notar um gostinho para lá de duvidoso ombreando espaço com minhas predileções mais sofisticadas. Uns pensamentinhos vagabundos que me ocorrem em momentos de saudade, embrulhados no açúcar rude do mau gosto. Eles me assaltam quando passo por uma rua triste, ou vejo a sala vazia onde até ontem dormiram meus pais em visita às netas. Ou quando escrevo cartas melosas às minhas filhas, para que leiam no futuro. Ou quando lembro da canção Pai Herói, de Fábio Júnior.

Pai Herói não é grave como alguns versos que já cantei na juventude: “Vieram me contar e até jurar / que é de outro que tu gostas / Confesso, meu amor, não acreditei / mas quase caí de costas”. O atenuante é que eu cantava esses por gozação, nos preparos para uma festa brega com amigos da faculdade. Mas para minhas veleidades literárias, para meus versos de João Cabral e ensaios do Davi Arigucci, Fábio Júnior é falta gravíssima.

Gostar de Caetano Veloso (que eu venero) ou de Chico Buarque (que eu cobiço) dá raiva e inveja. Eles despertam a ambição lunática de ser gênio. E achatam a parte sã da mente, que passa a só respirar o ar contrabandeado pela fronteira descabida dos sonhos de fama e talento. Depois, cansado da minha própria pequenez, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Mas isso é ousado, e inatingível. Então desisto e chamo o garçom: para matar a tristeza só mesa de bar. Quero tomar todas, e me embriagar. Se eu pegar no sono, me deitem no chão.
 
 
 

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