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sábado, 31 de dezembro de 2011

Bem-vindo 2012!


Fogos em Copacabana Foto: Gabriel Paiva / O Globo

Espetáculo de luz nos céus do Rio

Veja a tradicional queima de fogos que marcou a chegada de 2012

VídeoVeja as imagens da festa em Copacabana

A virada do ano pelo mundo

Confira as imagens das comemorações de ano novo na Inglaterra e em outros países da Europa, da
Ásia e da Oceania

Fogos iluminam Big Ben Foto: AP / AP

http://oglobo.globo.com/

ATÉ JÁ...

AMIGOS, que conheço ou não, que me visitam, lêem, escutam, espiam, comentam (não deixem de comentar, venha falar comigo!), sejam minha companhia no próximo ano e assim estaremos juntos...
BEIJOS!!!!
SEE YOU!!!!!
regina

Tim! Tim! 2012 de alegrias!

Sem Você - Joyce e Toninho Horta

Sem Você - Joyce e Toninho Horta

Sorriu para mim - Luciana Souza

Xô, ano velho! - CACÁ DIEGUES


Cacá Diegues, O Globo

Deu outro dia no Ancelmo: "O brasileiro pobre acha que a vida melhorou nos últimos anos. Pesquisa do Ipespe, de Antonio Lavareda, mostrou que, para 85% dos brasileiros da classe C, a vida deles está melhor, comparada à de seus pais. E, para 87%, a vida de seus filhos ainda será melhor. Para os próximos meses, 81% planejam comprar casa própria; 61%, uma TV de plasma; 60%, um carro; e 56%, um computador."
E isso deve ser mesmo verdade. Os ingleses acabam de anunciar que já somos a sexta economia do mundo, tendo ultrapassado o próprio Reino Unido. E a presidente Dilma diz que, no ano que vem, o crescimento do PIB será de 5%, e a inflação não passará da meta.
Aliás, o Ibope apurou que, em seu primeiro ano de mandato, a presidente tem uma aprovação popular superior às de Fernando Henrique e Lula no mesmo período. Bem que o comercial da Caixa Econômica Federal vem nos garantindo que a vida do brasileiro continua melhorando e que 2011 "foi um ano inesquecível para o Brasil e para milhões de brasileiros".
Mas para tudo há sempre controvérsias. Somos a sexta economia do mundo, mas nosso ministro da Fazenda avisa que ainda estamos muito aquém dos europeus em matéria de renda per capita. Ou seja, o Brasil vai muito bem; o brasileiro, nem tanto.
A controvérsia não acaba nunca; cada vez que damos um passo à frente, um novo obstáculo surge diante de nós. Talvez seja esse o modo mais simples de explicar o que é a vida.
A nova classe média brasileira cresce; mas ainda temos uns 20 milhões de cidadãos (todos o são) abaixo da linha de pobreza. João Gilberto ganhou ação contra a EMI, recuperando o direito de proteger suas obras-primas; mas teve que cancelar os shows em que celebraria seus 80 anos de idade. A chamada partícula de Deus, o bóson de Higgs que decifra todos os mistérios da matéria, parece que foi enfim encontrada; mas cientistas europeus e americanos criaram em laboratório uma linhagem mortal de vírus da gripe aviária. Antonio Pimenta Neves e Nem foram finalmente presos; mas tantos corruptos e corruptores (esses também existem) andam à solta por aí. Kim Jong-il morreu; mas Vaclav Havel também. E assim por diante.
Não sou do contra, reconheço que 2011, de um modo geral, foi mesmo um ano muito bom para todo mundo. Mas peço licença para dizer que, para mim, foi uma boa porcaria.
Sobretudo porque nele perdi dois irmãos que me fazem muita falta. Um, Raphael de Almeida Magalhães, bem mais velho que eu, me ensinou muita coisa, além de me dar o exemplo permanente de generosidade e solidariedade, de obsessão pelo Brasil. Sendo essa última uma virtude igualmente presente no caráter do outro que se foi, Gustavo Dahl, meu querido companheiro de geração, o mais elegante e culto militante do Cinema Novo.
Menos graves foram os desentendimentos com pessoas de quem gosto (o amor pode ser unilateral, de mão única), como o jornalista e escritor Arnaldo Bloch. Ele andou escrevendo umas coisas que provocaram minha justa ira, não deixei a cabeça esfriar, respondi com o coração ainda em chamas, fui excessivo. Mas como o mundo é redondo e nós estamos aí, um dia a gente se esbarra. Feliz ano novo, Arnaldo.
Gosto do afeto solidário da festa de réveillon; mas gosto mesmo é de Natal, de todos os natais. Tudo que começa com alegria e esperança merece nossa adesão, mesmo que depois nos decepcione. O poeta, romancista e pintor Jorge de Lima, no ensaio "Todos cantam sua terra", compara as culturas portuguesa e espanhola, a partir de suas tradições cristãs. Enquanto para os espanhóis a representação máxima do cristianismo está na Paixão, a crucificação e morte de Cristo, para os portugueses o centro da religião está em seu nascimento, na candura do presépio de Natal.
Em "Andrei Roublev", de Andrei Tarkovski, invasores asiáticos massacram um vilarejo de camponeses russos, na Idade Média. Ao entrar na igreja local, um invasor curioso pergunta ao pároco quem é o homem a sangrar numa cruz. O padre responde que é o Cristo, o Deus de sua religião. O mongol reage com ira, se julga ludibriado, imagine se um deus vai se deixar sofrer daquele jeito. E corta a cabeça do pároco.
A grande virtude do cristianismo dos evangelhos e das primeiras pregações sempre foi a sua humanidade.
Qualquer um podia se identificar com um Deus que se torna homem, ao contrário da tradição politeísta em que homens se transformam em deuses violentos e cruéis. O cristiniamo começou a perdê-la com a ordenação disciplinar das epístolas paulinas, os penduricalhos rituais criados na Idade Média, a cruel cegueira da Inquisição, o aparato milionário que resiste ao tempo. O Deus que se tornou homem e se deixou flagelar foi sendo, aos poucos, sufocado por homens que se julgaram deuses.
O ano já ia acabar quando me deparei, na primeira página dos jornais, com aquela fotografia do menino sardônico ao lado do pai todo satisfeito. Olhos bem abertos, o filho de Jader Barbalho nos mostrava a língua e abanava as orelhas com a mão, a nos dizer claramente: "Vocês são uns otários, seus burros! Papai é que é fogo!"
Que 2012 não nos leve mais ninguém querido e nos devolva a candura do Cristo na lapinha. E que nos poupe dos meninos espertos e de seus pais vitoriosos.

Cacá Diegues é cineasta

Revendo o ano velho...

Image Detail

 

VERISSIMO - Retrô 2011



Foi o ano das quedas e das substituições

Começando com a de Lula por Dilma, foi um ano de substituições. A do Palocci pela Gleisi Hoffman. A do Mubarak por uma junta militar. A da Fátima Bernardes pela Patrícia Poeta.

Também foi um ano de quedas: a do Kadaffi, a do Berlusconi, a do programa espacial da NASA, a do Paul McCartney.

Foi o ano em que um casal atraiu a atenção do mundo inteiro, que quis saber tudo sobre sua união, nos menores detalhes. Strauss-Kahn e a camareira do hotel ocuparam a imaginação de todos durante semanas. A união do príncipe William com a plebeia Kate Middleton também foi bastante comentada.

O maior desastre do ano foi o tsunami que arrasou a cidade de Fukushima, no norte do Japão, e atingiu sua usina nuclear. Coisa parecida aconteceu no centro do Japão, em Yokohama, com o time do Santos, felizmente sem vítimas fatais.

O primeiro ministro grego inventou de anunciar um plebiscito para saber se o povo grego apoiava as medidas de austeridade pedidas pela comunidade europeia para resolver sua crise. A comunidade europeia reagiu com horror: “Democracia numa horas destas?!”. O primeiro ministro grego não só teve que desistir do plebiscito como perdeu o cargo, para aprender.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama mudou seu slogan de “Sim, nós podemos” para “Sim, me ferraram” referindo-se à maioria republicana no Congresso que não o deixa governar como queria. No Brasil, o Fernando Henrique bolou uma versão tucana do “Yes, we can”, “Yes, we care”, sim, nos importamos, para dizer que o PSDB também pensa no “social” e não é apenas o Serra e o Aécio se chutando por baixo da mesa. O PT logo adotou sua versão, “Sim, nós pensávamos que podíamos”, o PMDB a sua, “Sim... ou não, depende” e o DEM a sua “Yes, we ...quem?”.

Supondo-se que exista uma espécie de entreposto no Além, onde se faz a triagem das almas, pode-se também imaginar que esteja havendo um atraso na identificação dos mortos do ano, para saber quem sobe e quem desce. A chamada pelas senhas estaria demorada e já estariam havendo reclamações, lideradas pela Amy Winehouse, que ameaça quebrar tudo se o processo não for apressado.

– Pô! Não dá pra pra ver pela cara quem vai pra cima e quem vai pra baixo? – grita Amy.

Só na ala de mortos VIPs lá estão Steve Jobs, Osama Bin Laden, Itamar Franco, José Alencar, Lucien Freud, Ernesto Sabato, John Herbert, Sócrates...

Cristopher Hitchens, um dos últimos a chegar, também protesta. Está ansioso para se encontrar com Deus e convencê-lo de que Ele não existe.

Finalmente, alguém vem explicar a demora nas entrevistas. É que a chegada da Elizabeth Taylor alvoroçou todo o mundo. Os entrevistadores abandonaram seus guichês. Estão todos cercando a Elizabeth, pedindo seu autógrafo...

– Hiiiiiii – diz Amy. – Já vi que vamos ficar aqui até o ano que vem.
 
http://sergyovitro.blogspot.com/2011/12/verissimo-retro-2011.html?spref=tw
 
 
 

Canto de Xangô - Os Afro Sambas / Vinicius de Moraes & Baden Powell

Aforismos sem juízo



Eis dez exemplos:

“O ser humano mendiga esperança e sonega franqueza.”

“Sem calma não se pensa. Sem pressa não se capta.”

“Quem não tem opinião, a opinião o tem.”

“O otimismo dá uma reserva de energia; o pessimismo, um método para usá-la.”

“O inimigo mais perigoso do caráter não é a tentação. É a credulidade.”

“O ser humano se acostuma com tudo. Esse é seu drama e sua chance.”

“Política é averbar verbas.”

“Não há preço a pagar como o dízimo da utopia.”

“Primeiro, a paixão melhora as pessoas. Depois, as pessoas pioram a paixão.”

“Estilo é aquilo que você construiu e que já era seu.”


(Aqui, uma entrevista ao poeta Fabrício Carpinejar sobre o livro.)

Terça-feira, 04 de novembro de 2008


ATÉ A BATERIA ACABAR (conversa viajada com Piza)


Daniel Piza reúne suas máximas na coletânea AFORISMOS SEM JUÍZOFoto: Fabrício Carpinejar
Fabrício Carpinejar

Na estrada de São Paulo a Sorocaba, rumando para palestras na Expoliterária, o crítico e escritor Daniel Piza aceitou o desafio: responder perguntas abruptas até a bateria de meu computador acabar.
Ele no banco da frente, eu lá atrás, tentando ser o mais rápido possível para capturar sua lacônica espontaneidade.
Aos 38 anos e 15 livros publicados, entre eles a biografia sobre Machado de Assis (Prêmio Jabuti 2007), Piza está recuperando a importância do aforismo, uma forma literária cortante, de frases incisivas, mais filosóficas do que poéticas, que contrariam o senso dominante. Sentenças explosivas, irônicas, de poucos amigos, destinado a quem realmente é virtuose da palavra.
O tcheco Karl Kraus (1874-1936) é um dos mais conhecidos mestres dessa arte, espécie de haicai do pensamento. Promoveu guerras de argumentos na Viena no início do século passado, criou discípulos como o Nobel Elias Canetti e incendiou platéias com torpedos tal "O que não fere, confere". O francês Chamfort (1740-1794) também demonstrou o quanto tamanho não é documento: "O divórcio é tão natural que, em muitos lares, ele se deita todas as noites entre um marido e sua esposa".
Ainda La Rochefoucauld, Bernard Shaw, Nietzsche, Goethe, Oscar Wilde, Kafka e Bertold Brecht fabricaram suas cartelas de contracepção de lugares-comuns e se dispuseram a agitar a opinião pública com seus concentrados paradoxos.
Na literatura brasileira, os aforistas estão infiltrados nas crônicas, nos romances e no humor. Como Nelson Rodrigues ("Só conhece o amor quem possui a cunhada impossível"), Millôr ("No início, era a verba"), Ponte Preta ("Mulheres são fiéis sem amar"), Otto Lara Resende ("O mineiro só é solidário no câncer"), Luis Fernando Verissimo ("A gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda") e frases antológicas que já se incorporaram ao imaginário popular.
Metódico, Daniel Piza decidiu levantar um livro somente do gênero. Com mais de 400 achados. Acaba de sair pela Bertrand Brasil "Aforismos sem juízo" (109 páginas, R$ 19), coletânea de suas máximas que apareceram no rodapé de sua coluna Sinopse no jornal O Estado de S. Paulo.
Se avião tivesse frase de pára-choque, algumas de suas peças estariam sobrevoando nossas cabeças:
"Primeiro, a paixão melhora as pessoas. Depois, as pessoas pioram a paixão."
"Nada mais crédulo do que não acreditar em nada."
"Em terra de cego quem tem um olho é rei e quem tem dois é réu."
Após dois pedágios e 107 quilômetros, entende-se por que Piza costuma receber o mesmo elogio dado a centroavante quando faz gol: é bem objetivo. Tem o otimismo como preparador físico e o pessimismo de técnico. Confira se não tenho razão.

Você se julga ranzinza?
(risos) Sério de dia e descontraído à noite.

Costuma escrever de dia?
Tarde. No lusco-fusco.

Ainda toma Yakult e come Polenguinho (ele entrou num café e pediu os dois). São manias da infância?
Prazeres profundamente apurados.

Nostalgia de um tempo feliz?
Não, decididamente não sou nostálgico.

Sua infância melhora com o tempo?
Sim. Ela vem melhorando no decorrer dos anos. Na minha memória, o convívio com meus avós torna-se cada vez mais importante. Adorava viver com eles, mas não sabia que seria um contraponto de ternura em relação à própria casa. Minha mãe era durona e meu pai trabalhava muito como médico. Sou caçula de três irmãos homens. Aprendi cedo a ser competitivo.

Isso explica o fato de ser um pai coruja do Bernardo, Letícia e Maria Clara?
Provavelmente. Sou mais mole.

Qual a imagem que gostaria que teus filhos guardassem de você?
De um cara que vivia basicamente movido pela curiosidade incessante.

A curiosidade incessante já o envolveu em enrascada?
Sempre: falo na lata, bato de frente.

Gosta de brigar?
Altercar. Brigar não é comigo.

Brigar não é altercar? Mudar as palavras alivia o significado?
Não penso em aliviar nada. Tento achar o diapasão certo.

Já pediu desculpa?
Para ex-namoradas. Falo para elas: foi mal. Pedi também para leitores.

Escritores não merecem desculpa?
Merecem, mas nunca encontrei um que merecesse.

(Bateria fraca)
Os aforismos são seu recreio nas colunas?
Eu me divirto. É meu recreio e minha palmatória, me dá mais trabalho, onde mais me cobro. Influenciado por Karl Kraus e Oscar Wilde, comecei a guardar os aforismos numa pastinha em 1993.

Faltam aforistas no país? Lembro de Millôr e Verissimo, mas sempre dentro do humor.
Antonio Candido dizia que não pensamos com a língua portuguesa, pensamos na língua portuguesa. Falta esforço de sintaxe, e o poder de pensamento da língua. Essa lacuna de aforismo em nossa literatura reforça sua análise.

Qual a diferença entre o frasista e o aforista?
Frasista é o sujeito que faz ditos memoráveis. Aforista é o que abre outras perspectivas - é a ponta do iceberg de pensamento, de inquietação filosófica. Aforista sofre o que o frasista deixou de sofrer. Paulo Francis, por exemplo, era um bom frasista. Pensador na juventude, depois foi se tornando uma máquina de produzir, fugindo dos grandes debates conceituais.

Qual seu aforismo predileto?
Estilo é aquele que você construiu e já era seu.

Demorou a construir seu estilo?
Entrei no jornalismo aos 21 anos. Tinha um estilo semidescoberto. Procurei o jornalismo para exercer a literatura. Escreveria do mesmo jeito, com a mesma intensidade da juventude. Com 13 anos, enchia cadernos com pensamentos, poemas, contos. Sou um arranjador de palavras. Jornalismo é parte disso.

Qual é seu ponto forte?
Apaixonado distanciamento.

Qual é seu calcanhar-de-aquiles?
Talvez seja a autocrítica violenta, preciso me soltar mais, em especial na ficção.

Quando um crítico conhecido e polemista como você passa a publicar ficção é mal recebido? Há uma predisposição da crítica em não gostar?
Em boa parte dos casos, sim. Mas, em índice de rejeição, Marta e Garotinho estão piores do que eu. O que me cobram, na maioria das vezes, não bate com o que cobro de mim. Minha mulher me acha indiferente demais, que não me deixo abalar por nada.

Gosta de discutir o relacionamento?
Não. Já tive minha carga de relações neuróticas antes da maioridade.

O que mais o encanta numa mulher?
Não faço parte desses hipócritas que dizem que não se importam com a beleza da mulher. Minha máxima: "Ela é bacana e atraente, a inteligência a faria linda".

Se fosse Machado de Assis, o que teria feito que ele não fez com sua obra?
Queria que tivesse elogiado menos Dom Pedro II.

Como Lula vem atuando como seu Dom Pedro II?
Os dois são muito parecidos. Viajam muito, administram pouco, mas certamente não aceitaria uma ordem do cavaleiro da rosa. Ele não me dará.

Seus vícios do lazer?
Vinhos, mulheres e canções. Tenho uma estranha necessidade de viajar em tempos e tempos. Quando era moleque, adorava ler viagens de naturalistas. Um lado meio Joseph Conrad, de navegar no Índico, Pacifico Sul. Talvez seja o meu maior conflito interno.


Lágrimas por Daniel Piza


Daniel Piza

28.dezembro.2011 07:57:05

Inté

Parada de fim de ano. Volto no dia 11. Feliz 2012 para todos nós.


26.dezembro.2011 16:37:10

Lágrimas


O final de ano veio marcado por mortes de pessoas marcantes. O ator Sérgio Britto, remanescente dos tempos em que o teatro brasileiro ditava rumos culturais como jamais depois; o carnavalesco Joãosinho Trinta, de uma ousadia que deveria ser o padrão da festa, mas quase sempre foi a exceção; a cantora cabo-verdiana Cesaria Évora, inesquecível com sua voz docemente triste e seus dançantes pés descalços. E o polemista inglês Christopher Hitchens, infelizmente lembrado mais por sua confusa adesão ao neoconservadorismo de Bush II do que por sua corajosa crítica cultural na velha e boa linhagem libertária, ou dissidente, dos britânicos; como já notei, ele caiu em óbvia contradição com seu ataque às religiões, se bem que nestes também foi confuso, como ao desprezar a cultura visual do cristianismo (que legou, entre outras conquistas, o Renascimento).


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Aforismos sem juízo
"Na corrida contra o tempo somos todos retardatários."


Melhores do ano (1)

fonte: O Estado de São Paulo 11 de dezembro de 2011

Todo ano repasso os comentários que fiz sobre livros lançados no Brasil e volto a ver a força dos títulos de não ficção (ensaio, biografia, história, etc) e a saudável onda de reedições de clássicos (sobretudo de ficção e poesia), mas insisto em defender o argumento de que isso não significa que vivemos tempos tão pouco criativos e tão parasitários do passado quanto se pode pensar. É claro que eu queria ler mais e melhores romances atuais e, como volta e meia me queixo aqui, uma cultura menos limitada à reciclagem, porque não raro ela apenas se apropria do nome consagrado em vez de buscar caminhos próprios para dizer o que haveria a dizer. Mas o leitor interessado em livros que relatam grandes experiências e provocam pensamentos ricos – e querem dar bons presentes de Natal, bem mais baratos do que brinquedos, cosméticos ou roupas – tem muitas opções. Eu mesmo, relendo o que escrevi sobre literatura em 2011, parei e pensei em como tive o alento de ler muitas páginas de alto nível.

Os livros de ensaio a meio caminho entre o cultural e o pessoal se destacaram. Não consigo esquecer o prazer que A Lebre com Olhos de Âmbar, de Edmund de Waal, me causou desde as primeiras linhas. Eu diria que é o livro do ano, uma mistura de narrativa e reflexão feita com uma sensibilidade digna de grandes ficcionistas, ainda que não tenha um único fato inventado. De Waal encontrou o que é mais difícil, uma voz autoral, e a acompanhamos em sua peregrinação europeia atrás dos netsuquês de sua família como se ouvíssemos uma sonata de piano. Também viajei no relato de Ronald Watkins sobre a façanha de Vasco da Gama, Por Mares Nunca Dantes Navegados, que fez par com o mais iconoclasta Américo, em que Felipe Fernández-Armesto mostra um Vespuccio ardiloso.

E o que dizer de um ensaio como O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner, que lê os desencantos narcisistas contemporâneos com o olhar de um belo contista? Ou de A Beleza Salvará o Mundo, de Tzvetan Todorov, que passeia por Rilke, Tsvetaeva e Wilde para defender o gosto pelas coisas simples? Livros como A História da (in)Felicidade, de Richard Schoch, e mesmo Religião para Ateus, do bom-mocista Alain de Botton, também mostraram que não é exclusividade dos romancistas o acesso a questões do comportamento e da intimidade. Ensaios mais próximos da crítica literária também não foram poucos, e incluíram autores do presente como Coetzee (Mecanismos Internos), James Wood (Como Funciona a Ficção) e outros que sabem que a melhor crítica é uma forma de filosofia. Foi muito bom ver também ensaios de mestres como Thomas Mann (O Escritor e sua Missão), George Orwell (Como Morrem os Pobres) e, agora, esse extraordinário empreendimento da História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux (Leya e Livraria Cultura).

Por falar em filosofia, igualmente lembrada em novas traduções das cartas de Voltaire e dos ensaios de Hume, a biografia de Schopenhauer por Rüdiger Safranski conseguiu o que poucas conseguem: falar da vida para poder falar melhor da obra. O Dante de Barbara Reynolds não ficou atrás, assim como o Borges de Edwin Williamson; também gostei do Salinger de Kenneth Slawenski. Shakespeare como personagem histórico foi assunto de James Shapiro e, uma vez mais, de Stephen Greenblatt. No Brasil, o que chegou mais perto foi o Vieira de Ronaldo Vainfas. Quanto aos clássicos em si, tivemos novas e ótimas edições do próprio Vieira, de Homero, Galileu, Dickinson, Tolstoi, Machado, Proust, Bernanos. Nada mal.

Os ensaios científicos, que deveriam interessar a qualquer pessoa que preza a filosofia (a amizade à sabedoria), também continuaram em alta, com destaque para o polêmico Miguel Nicolelis, Muito Além do Nosso Eu, e o fundamental Antonio Damásio, E o Cérebro Criou o Homem, em que revê suas idéias sobre a primazia das emoções e analisa as descobertas sobre a participação da edição consciente no fluxo de nossos impulsos e reações. Romances? Claro que curti os novos de Philip Roth, Nêmesis, e DeLillo, Ponto Ômega, o excessivamente bajulado Jonathan Franzen, Liberdade, e também o lírico Um Dia, de David Nicholls, agora em filme. Mas os livros de Damásio, de Waal, Todorov e Bruckner me deram mais satisfação intelectual do que qualquer um de nós espera ter.

Por que não me ufano

O crescimento do terceiro trimestre veio nulo, com alguns sinais especialmente alarmantes na queda do consumo e dos serviços, antes os esteios da economia brasileira. A indústria recuou muito e o índice só não foi negativo por causa das exportações de commodities, algo que também já começa a perder fôlego. E de nada adianta botar a culpa na conjuntura internacional, porque os outros emergentes cresceram muito mais; o Brasil ficou em trigésimo lugar no período, atrás até mesmo da letárgica Europa. Para piorar, a inflação teve repique em novembro, o que significa que as expectativas oficiais para ela e para o PIB no ano que vem são conversa fiada. Enquanto isso, o PAC mal avança, como este jornal mostrou no caso da transposição do rio São Francisco.

Queda de juros e estímulos ao crédito podem atenuar a paralisia, mas está cada vez mais claro que um ciclo relativamente positivo da economia brasileira – motivado por uma série de medidas desde o Plano Real até o crédito consignado, digamos – está chegando ao final. Se não se combater o declínio da indústria, o aumento dos tributos, a carência de tecnologia e o déficit de educação e infraestrutura, em pouco tempo se verão efeitos sobre o emprego e a renda. Ou Dilma Rousseff para de acreditar nos elogios à sua capacidade gerencial (como já escrevi, trocar uma sujeira por outra não é faxina) e começa a agir (mesmo que caiam todos os ministros, pois já existem outros dois na berlinda, Pimentel e Negromonte), ou terá muito mais obstáculos políticos e econômicos adiante.

MAMÃE IEMANJÁ - OBRIGADO POR TUDO! (FELIZ 2012)

Jogar Flores no Mar


É tempo de ofertar flores a Iemanjá. Entenda a simbologia desse ritual
Elas exalam aromas, representam um ciclo vital e, por isso, são símbolo de transformação. Em momentos de recomeço e balanço pessoal, como agora, as flores também ganham outros espaços, expandem seus significados. O sincretismo religioso se fortalece em dezembro e as pessoas lançam mão de um gesto que ganha cada vez mais adeptos com o passar dos anos no país. Entregar flores às águas do mar e, ao mesmo tempo, alimentar-se de pensamentos positivos para o ano que se aproxima é um ato que vai além dos rituais das religiões afro-brasileiras, que cultuam a divindade Iemanjá, considerada a rainha do mar. Agnósticos e mesmo seguidores de outras crenças também usam o simbolismo das flores e do mar como inspiração para alimentar os desejos de colher bons frutos ao longo dos próximos 12 meses.

Ninguém duvida que as flores têm o poder de transformar um dia comum em uma data especial; um ambiente simples em um local aconchegante. No candomblé e na jurema, elas são muito mais. “As flores têm importância para nós porque representam a conclusão de um ciclo vital da planta, pois são elas que dão início aos frutos. Ela transborda energia de transformação”, comenta Alexandre L’Omi L’Odò, juremeiro. A simbologia é tamanha na religião que seus seguidores costumam usar banho de flores como forma de recarregar as energias. “As divindades também apreciam as flores como presentes, principalmente Iemanjá e Oxum, que reina sobre as águas doces”, completa L’Omi L’Odò.

Rosas ou cravos brancos são usadas para agradecer a Iemanjá o ano que passou, tenha sido ele positivo ou não, e com isso descarregar as energias negativas, abastecer-se de desejos de paz, amor, prosperidade. Não importa o dia, mas se for nos horários onde o sol está menos presente e no momento de romper o ano, melhor. “Há quem leve perfumes para o mar para presentear Iemanjá. Também é importante pular sete ondas”, ensina a yalorixá Valda de Sango Ayra.

Sagrado - Para quem tem fé, dezembro é o mês de agradecer, seja a quem for, seja a o que for, buscando o mar como inspiração e as flores como instrumento para se chegar ao sagrado. “Nessa época do ano, é como se todo mundo virasse adepto do candomblé. Prova disso é que as pessoas usam roupas brancas e ninguém tem vergonha de jogar flores ao mar, por exemplo”, observa a yalorixá Valda.

O que vale é a intenção que contagia cada um. “O mar representa o infinito. Todos gostam de reverenciá-lo, seja porque veem Jesus nesse ambiente ou qualquer outra divindade. Isso é o que importa”, destaca L’Omi L’Odó.


Cravos e rosas brancas podem ser presenteados a Iemanjá, a “rainha do mar”. Mas é importante que a pessoa entregue as flores nas ondas, como um agrado, e não as jogue

No momento da entrega, a pessoa deve se esvaziar dos pensamentos cotidianos e chamar vibrações positivas, como desejo de saúde e amor

A entrega das flores pode ser feita em horário de sol ameno, como 6h ou 17h. Fazer o
ritual no momento de romper o ano também é muito representativo, segundo os seguidores de religiões afro, já que a homenagem também vai para a divindade que regerá o ano que acaba de chegar

Derramar perfume - como Seiva de Alfazema - nas águas do mar também agrada Iemanjá. Para completar, pode-se saltar sete ondas

Outra dica é usar roupa branca ou azul clara. No caso das mulheres, saia; no caso dos homens, calça

Olokun é outra divindade do candomblé agraciada pelas flores jogadas ao mar

Para os que preferem presentear Oxum, basta jogar flores e rosas amarelas nas águas do rio e seguir o mesmo ritual dedicado a Iemanjá

Fonte: Alexandre L’Omi L’Odò (juremeiro) e yalorixá Valda de Sango Ayra
Do Diario de Pernambuco


 

IEMANJÁ E O ANO NOVO

 


Texto publicado originalmente no jornal O Globo, no dia 21 de dezembro de 2010.

A comemoração do Ano Novo no primeiro dia de janeiro é mais recente do que, provavelmente, o leitor imagina. Ao longo dos tempos e das diversas civilizações, a data de celebração de um novo ciclo mudou inúmeras vezes. Os babilônicos costumavam comemorar o novo ano no equinócio da primavera; os assírios e egípcios realizavam os festejos em setembro; os gregos celebravam o furdunço em finais de dezembro. Chineses, japoneses, judeus e muçulmanos ainda têm datas próprias e motivos diferentes para comemorar o ano bom. Entre os povos ocidentais, a data de primeiro de janeiro tem origem entre os romanos (Júlio César a estabeleceu em 46 A.C.). Só em 1582, com a adoção do calendário gregoriano, a igreja católica oficializou o primeiro dia de janeiro como o início do novo ano no calendário ocidental. Muito tempo depois do Papa Gregório VIII, mais precisamente em 1951, Chico Alves e David Nasser fizeram Adeus, Ano Velho, a mais popular canção brasileira sobre a tradição das festas de fim de ano.

Em várias civilizações o início de um novo ciclo é comemorado com muito barulho, gritaria, bater de bumbos, tambores, fogos, fogueiras, fanfarras, cambalhotas e outros salamaleques. Os antigos diziam que fazer a barulheira era fundamental para despachar os maus espíritos para os cafundós mais distantes e garantir a boa colheita, a saúde e a prosperidade. O negócio, portanto, é mandar ver no furdunço para garantir a boa ventura contra todo tipo de urucubaca.

Entre o povo da cidade do Rio de Janeiro, naturalmente festeiro, o hábito de se comemorar o réveillon na praia virou uma tradição mundialmente conhecida, que influenciou várias cidades litorâneas a fazer a mesma coisa. Há que se reconhecer, porém, que os cariocas devem grande parcela do costume da festa na praia aos umbandistas, que durante muitos anos ocupavam as areias praticamente sozinhos para louvar Iemanjá – a orixá africana que se transformou na mais brasileira das deusas, miscigenada com a Nossa Senhora católica e a Uiara dos indígenas.

Era bonito ver a orla ocupada pelos terreiros e a noite iluminada pelas velas em louvor a Iemanjá, tudo isso ao som de atabaques e cânticos misteriosos - verdadeiros presságios brasileiros de boa sorte. Quem chegasse perto, fosse umbandista, católico, espírita, evangélico, hindu, muçulmano, judeu, flamenguista, vascaíno, tricolor ou botafoguense, era muito bem recebido e ainda começava o ano novo devidamente garantido contra o infortúnio. Conheço muitos ateus que, por via das dúvidas, abriam uma exceção ao misticismo e garantiam o ano bom recebendo passes de caboclos e pretos velhos nas areias, com direito a cocares, charutos e quejandos.

A confraternização que todo ano ocorre em Copacabana é bacana pacas, tem seus méritos, virou atração turística da cidade, atraí gente de tudo quanto é canto, gera divisas e garante a ocupação da rede hoteleira. É necessário, porém, colocar um pouco de água nesse chope dos entusiastas da festa atual e lembrar que o Rio de Janeiro tem uma dívida enorme com o povo da umbanda, que hoje se encontra praticamente excluído do fuzuê. Os shows de roqueiros, sambistas, astros pop, sertanejos, rappers, DJs de música eletrônica, revelações adolescentes, cantoras baianas, blocos carnavalescos e o escambau, além de transformar a festa em um verdadeiro sarapatel sonoro, calaram os tambores rituais. A elitização da festa, que já se manifesta em espaços reservados nas areias, controlados por grupos privados, hotéis, quiosques e que tais, lembra muito o processo de mercantilização que atingiu as escolas de samba. De entidades culturais representativas da cultura carioca, as agremiações se transformaram em alguma coisa próxima do que o Império Serrano, em um samba premonitório, chamou de super-escolas de samba S.A.

Que a tradição do fim de ano, portanto, não encontre no poder público um agente legitimador de interesses privados, sob o falso argumento de uma festa para todos que, cada vez mais, perde a espontaneidade e a vitalidade que sempre a caracterizaram. Em nome de gestões modernosas e engenharias financeiras, corre-se o risco de se transformar o adorável e popular furdunço em algo mais parecido com um bloco carnavalesco com abadás e cordas, para gringo ver e o Comitê Olímpico Internacional aplaudir.

Odoyá!!
 
 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Santo de casa faz milagre - Mariene de Castro



Queridos amigos, 2012 à altura de vocês, bjs
Agradecimento especial para Maria Olivia Soares, irmã atenta e generosa, razão da minha alegria em repartir com vocês o canto da Bahia e muitos outros em CDs enviados com amor.
Muita luz pra iluminar nossos caminhos!!!!

Abraço arrochado...

regina


desejo inalcançado

Um só pedido no ano que se finda

Um único desejo e meta

não alcançado, pelo visto,

irreconciliável distância...

RS 12/30/11




bitter-sweet alienation



Não há ilusões, acha. Assiste, desdenhoso, a outro episódio da vida alheia e fuma o centésimo cigarro. Ri, aplaude, anui. Não há ilusões, confirma. E por isso, continua a mesma lenga-lenga, semana após semana, pretendendo seduzir a plateia e enganar-se a si mesmo. E consegue.

«So, so you think you can tell heaven from hell,
blue skies from pain
Can you tell a green field from a cold steel rail?
A smile from a veil
Do you think you can tell?

And did they get you to trade your heroes for ghosts? Hot ashes for trees
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange a walk on part in the war for a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here
We're just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here»

Roger Waters
 
 

Todos nus

Naked Crisis


He can see through clothing!
Nus somos todos mais pare­ci­dos uns com os outros. Nua, a nossa empro­ada e anti­pá­tica vizi­nha de casa pas­sa­ria a ter um ar bas­tante mais abor­dá­vel. Nu, o nosso ges­tor de conta até pare­ce­ria um ser humano. Creio que nus, os nos­sos polí­ti­cos, per­de­riam a capa­ci­dade de men­tir. Todos nus e tal­vez esta crise eco­nó­mica fosse mais fácil de suportar.
From “Naked People”
Clothing is our second skin. It dis­gui­ses, reve­als– it can reflect our inner­most being or con­ceal it. Through one’s clothing, he or she is able to exhi­bit his or her pro­fes­sion, social sta­tus, or mood. A suit lets us assume the bea­rer is a ban­ker, office wor­ker, insu­rance agent… In our soci­ety this is a dis­tin­guishing cha­rac­te­ris­tic of res­pec­ta­bi­lity. But, how often is such an assump­tion true? Can we abso­lu­tely trust this cove­ring? What really is under­ne­ath? Could the illu­sion be des­troyed at the dis­co­very of a tat­too, or leave the per­son as ins­cru­ta­ble as before?
Go see.

http://www.escreveretriste.com/

Tu e eu


Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobo
eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.

Luis Fernando Verissimo

sonho desfeito






No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares de edifícios; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho?

Entretanto a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim três, quatro vezes sucessivas.

Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante.

Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez, que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: "Meu Deus, seus olhos estão esverdeando":

Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro: inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento bailado.spacca_braga2.jpg (17305 bytes)

Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam?

Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.

Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos. O homem fez um grande embrulho de jornal; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.

E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara; alguém viera e batera à porta, e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo o recibo de uma carta registrada, e quando o telefone bateu foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre — senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza onde entretanto ainda havia uma inútil, resignada esperança.


Texto extraído do livro "Figuras do Brasil – 80 autores em 80 anos de Folha", Publifolha – SP, 2001, pág. 132.

Ilustração: Spacca

João Spacca de Oliveira (1964), nasceu em 1964, em São Paulo (SP), é cartunista e ilustrador. Fez "storyboards" para filmes publicitários no começo da carreira, depois, entre 1985 e 1995, criou charges políticas para o jornal "Folha de São Paulo" e ilustrou o suplemento infantil "Folhinha" por dois anos. Escreveu histórias em quadrinhos para as revistas "Níquel Náusea" e "Front", e também trabalhou com animação. Atualmente faz charges para a versão on-line do "Observatório da Imprensa" e para publicações empresariais. Ilustrou , para a "Companhia das Letrinhas", "O Mário que não era de Andrade", de Luciana Sandroni; "O jogo da parlenda", de Heloísa Prieto; "A reunião dos planetas", de Marcelo Oliveira; e "Vice-versa ao contrário", de vários autores. Escreveu e ilustrou "Santô e os pais da aviação — A jornada de Santos-Dumont e de outros homens que queriam voar" (vencedor do prêmio HQMIX 2006 nas categorias Desenhista Nacional, Edição Especial Nacional e Roteirista Nacional); "Debret em viagem histórica e quadrinhesca ao Brasil", e "D. João Carioca — A corte portuguesa chega ao Brasil (1808 - 1821)", publicados pela Cia. das Letras. Em 2005, Spacca recebeu o primeiro prêmio de charge no Salão Internacional de Humor de Piracicaba.


Um belo texto

O Desaparecido

Rubem Braga




Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.

Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.

Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.


Do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 112, extraímos o texto acima.



O mundo é grande


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


(Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ando meio desligado (Bossa and roll) - Rita Lee

Calmaria

"Já tem algum tempo... ando fechando os olhos e imaginando uma cena tipicamente tropical: uma rede balançando, uma brisa suave e, só pra completar, aquele cheirinho de chuva de verão no fim da tarde que tanto acalmava quando criança... Ando precisando de uma certa paz, tranqüilidade, calma. Férias mentais? É, talvez. Ando meio avoada, meio nada, meio tudo, ando do jeito que detesto: no meio-termo, nem lá nem cá. Tentando separar o bom do ruim, o amor do ódio, a confiança da falsidade. Já fui ovo, larva, hoje ando meio borboleta: leve, livre e inconstante."


A Voz e o Tempo






Em novo disco, Gal Costa interpreta apenas composições inéditas de Caetano Veloso e trava um inesperado diálogo com softwares que alteram o som. Enquanto tenta se modernizar, também expõe as dores do envelhecimento
por Pedro Alexandre Sanches

Até 2011, o mais célebre duelo com a tecnologia protagonizado por Gal Costa se chamava Meu Nome É Gal. A canção, de Roberto e Erasmo Carlos, está gravada na última faixa de seu disco de 1979, Gal Tropical. Então com 34 anos, ela usava a composição para esgrimir a própria voz com os acordes da guitarra de Robertinho de Recife, a garganta humana desafiando e superando os sons agudos produzidos pelo instrumento. Hoje com 66 anos, a cantora baiana atualiza a batalha de Meu Nome É Gal em seu novo trabalho, Recanto, um álbum todo tomado pelo confronto entre mulher e computador. Onde a guitarra elétrica esteve um dia, agora se encontram softwares como o Auto-Tune (um programa afinador de vozes e instrumentos), sintetizadores e baterias eletrônicas. Das 11 faixas que integram o CD, apenas uma não se utiliza desses recursos.
Mas a mais poderosa das máquinas com que Gal digladia é um homem: Caetano Veloso. Principal porta-voz do compositor conterrâneo desde as primeiras gravações, em 1965, ela havia registrado até aqui mais de oito dezenas de canções do amigo. Recanto expande a parceria: é o primeiro álbum de Gal formado exclusivamente por criações inéditas de Caetano. Aos 69 anos, o músico também atua como diretor artístico e produtor do projeto, dividindo a segunda função com seu filho mais velho, Moreno Veloso. Só havia ocupado tais posições num disco anterior de Gal, em 1974, o hippie e idílico Cantar.
De sonoridade bastante contemporânea, Recanto conduz a intérprete a um ambiente parecido com o que Caetano construiu em seus dois discos solo de estúdio mais recentes, (2006) e Zii e Zie – Transambas (2009), invadidos por músicos da geração de seus filhos. Entre os jovens alquimistas que acompanham e modernizam a voz da “Vaca Profana” (como Caetano a nomeou em 1984), estão Moreno e Zeca Veloso (outro filho do baiano), Kassin, Pedro Sá, Davi Moraes (filho do cantor Moraes Moreira) e Donatinho (filho do pianista João Donato). Na seção “velha guarda”, bem mais discreta do que a outra, figuram instrumentistas de gerações anteriores, como Jaques Morelenbaum, ao violoncelo.
Quatro décadas e meia atrás, a guerra entre as violas enluaradas e as guitarras envenenadas marcou a geração heroica da MPB universitária. Ao se centrar no embate voz-computador, Recanto alude àquele período. Mas os tempos de 1967 estão mortos, e o novo confronto evoca mais uma proposta de pacto do que uma declaração de guerra. Por isso, talvez seja mais preciso falarmos em diálogo, e não em duelo, batalha, embate ou confronto.
A faixa Autotune Autoerótico é a que melhor traduz o espírito do disco. Gal a inicia forçando a voz, de modo a lembrar uma matrona do Recôncavo Baiano. A garganta experimenta andar na corda bamba entre a afinação e a desafinação e termina reprocessada pelo Auto-Tune, num efeito robótico que a veterana cantora norte-americana Cher inaugurou em 1998, no álbum bem mais deslavadamente pop Believe. “Não, o Autotune não basta pra fazer o canto andar/ pelos caminhos que levam à grande beleza”, avisa Gal, de maneira espertamente contraditória. Por um lado, desanca o afinador de voz. Por outro, faz uso dele para obter efeitos que não alcançaria naturalmente.
Há, no entanto, muitos outros núcleos de tensão criativa em Recanto, e dois dos maiores são Miami Maculelê e Neguinho. O primeiro obriga Gal a brincar com os sons eletrônicos e extremamente pop do funk carioca e dos fliperamas, enquanto a voz faz malabarismos com as sílabas de “são Dimas, Robin Hood e o anjo 45/ todos dançando comigo”. As citações conectam o Jorge Ben de 1969 (“Charles, anjo 45/ protetor dos fracos e dos oprimidos/ Robin Hood dos morros, rei da malandragem”) com os Racionais MC’s de 2002 (“aos 45 do segundo, arrependido/ é Dimas, o bandido/ primeiro vida loka da história”). O compositor baiano segue Mano Brown e equipara são Dimas, “o bom ladrão” do imaginário cristão, aos meninos das favelas brasileiras, enquanto prega a reconciliação entre o hip-hop paulistano e o funk carioca.
Neguinho é provavelmente o maior pulo do gato de Caetano no novo disco. A princípio, os versos parecem se referir a alguém que não é nem o compositor, nem a cantora, nem o público supostamente refinado que costuma acompanhá-los – uma referência muitas vezes crítica: “Neguinho compra três TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz/ (...) neguinho vai pra Europa, States, Disney e volta cheio de si/ neguinho cata lixo no Jardim Gramacho”. Ao final, esclarece-se o enigma (“neguinho que eu falo é nós”) e a crítica vira autocrítica.
Outro ponto que aguça a reflexão em Recanto diz respeito tanto ao autor quanto a Gal (ou a qualquer um que os ouve). No disco , Caetano despistava as dores de envelhecer com afirmações de potência sexual. Desta vez, porém, tais dores aparecem explícitas. “Tudo dói”, frase repetida inúmeras vezes pela cantora na faixa de mesmo nome, é exemplo que soaria quase engraçado, não fosse o tom soturno da gravação e os versos amaros: “Viver é um desastre que sucede a alguns”.
Tristeza Profunda
Se em 2005 a intérprete gravara uma composição de Caetano denominada Luto, hoje a canção Madre Deus vai mais longe. Mira a morte de frente, sem meios-tons, sob melodia monótona revestida de ruídos ríspidos, desagradáveis: “Meu corpo todo desmede-se/ despede-se de si”, “frente ao infindo/ costas contra o planeta/ já sou a seta sem direção/ instintos e sentidos extintos/ mas sei-me indo”.
Os temas de morte e envelhecimento são os mais nítidos, mas não os únicos a afirmar que a tristeza é um dos (muitos) legados tropicalistas – não estamos mais nos anos 1990, quando músicas como A Luz de Tieta (1996) diluíam a melancolia em profissão de fé na alegria feroz da axé music. Nessa linha, Recanto Escuro constitui outro dos núcleos nervosos do CD. A voz potente de Gal e a linda e grave melodia são perturbadas o tempo todo por interferências de rádio, ou agulhas raspando no vinil, ou coisa que o valha. “Eu venho de um recanto escuro”, “o álcool me faz chorar”, “só Deus sabe o duro que eu dei”, assume a voz sofrida da cantora.
“Tristeza profunda” é um termo que surge explícito em Segunda, a faixa de encerramento. É o único recanto totalmente orgânico, analógico de Recanto, com Moreno Veloso solando no violão, no violoncelo, no prato e na faca, num arranjo sertanejo-urbano, profundamente nordestino. A letra adota perspectiva proletária, de um(a) protagonista egresso(a) do processo de ascensão das classes C e D no Brasil. “Não vejo o nascer do dia/ mas pela Virgem Maria/ tenho dinheiro e patrão”, “eu mesmo sou mei galego/ o meu chefe no emprego/ é que é mulato pra negro:/ só ecos da escravidão”, “mas agora a minha sala/ tem geladeira de gala/ à dele quase se iguala/ muda o mundo em barafunda”.
Neguinho pode padecer de tristeza profunda, mas também luta bravamente para compreender a sociedade em que vive e para se transformar, como já fazia antes mesmo de se inventar tropicalista. Neguinho é Gal, é Caetano, é nós.

Pedro Alexandre Sanches é jornalista, autor do livro Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba (Boitempo).
O DISCO
Recanto (Universal), de Gal Costa. Produção: ­Caetano e Moreno Veloso.

Maria Bethânia - "A Voz Não é Minha. É das Sereias"

Maria Bethânia canta o amor e o misticismo em dois novos álbuns. Em entrevista a BRAVO!, critica os que a atacam por usar a Lei Rouanet e elogia a senadora Marina Silva, possível candidata à Presidência da República
por Armando Antenore



Gabriel Rinaldi

Nesta e nas páginas seguintes, a cantora durante ensaio fotográfico na Villa Riso, a parte remanescente de uma fazenda carioca do século 18. “Nasci para o que faço”

Passa um pouco do meio-dia e, sob orientação do fotógrafo de BRAVO!, Maria Bethânia caminha pelos jardins da Villa Riso, a parte remanescente de uma fazenda do século 18 que se transformou em espaço para festas. É lá, na estrada da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, que a cantora costuma receber jornalistas. O lugar fica próximo à casa onde mora desde 1972. "Por favor", pede-lhe o fotógrafo, "sente-se debaixo daquele pinheiro." Bethânia abana a cabeça negativamente: "Ali não". Com gentileza, mas irredutível, esclarece que pinheiros a incomodam. "Em minha terra, são árvores de cemitério."
Oriunda de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, a irmã de Caetano Veloso - adepto de "uma irreligiosidade feroz", como já se definiu - nunca separou rigidamente o místico daquilo que os cartesianos chamam de real. Para a intérprete, o sagrado e o corriqueiro se entrelaçam. Um explica e alicerça o outro. Tal convicção, que a artista manifesta com uma naturalidade às vezes desconcertante, estimula um divertido folclore em torno dela, uma profusão de lendas que a tomam por feiticeira ou algo assim. "Quando Bethânia inicia uma turnê, chove. Evite usar negro ao lado de Bethânia. Sempre que Bethânia entra no estúdio, os monitores de ouvido acusam interferências." Das inúmeras histórias, a cantora - famosa por resguardar avidamente a própria intimidade - só confirma que não veste roupas pretas. Dispensa a cor em respeito às recomendações do candomblé, crença que abraçou junto com a devoção pelo catolicismo. "Mas podem usar negro perto de mim", avisa, às gargalhadas.
A faceta mística de Bethânia desponta claramente no CD Encanteria, um dos dois que acaba de lançar. O álbum do selo Quitanda agrega 11 composições inéditas - sambas e toadas sobre orixás, santos e as celebrações que os homenageiam. Caetano e Gilberto Gil cantam na faixa Saudade Dela. O outro disco, Tua, sai pela Biscoito Fino. Também reúne 11 músicas inéditas e conta com a participação do pernambucano Lenine. De sonoridade mais urbana, tem como mote o amor.
Em conjunto, os delicados trabalhos reafirmam que Bethânia já não cabe apenas nos rótulos de "romântica", "brejeira" ou "artista de massa". Ela é hoje, aos 63 anos e 46 de carreira, um clássico à altura de Edith Piaf, Nina Simone ou Ella Fitzgerald, ainda que de abrangência menor.
Durante a entrevista de quase duas horas, a cantora trajava uma pantalona azul e uma pashmina cor-de-rosa, espécie de xale que lhe recobria os ombros. Pelas mãos, braços e pescoço, espalhava algumas joias, a maioria dourada. Um dos anéis e o relógio de pulso despertavam especialmente a atenção.
BRAVO!: Que anel curioso…
Maria Bethânia: Você gostou? Traz a imagem do meu caboclo.
Um índio?
Exato, o caboclo que me protege, graças a Deus. Veja só que história inusitada: uma vez, desembarcando em Miami, topei na imigração com um policial branco, alto e muito forte. "Virgem Santíssima!", pensei. "Olhe o tamanho do sujeito!" No entanto, para minha surpresa, o homem sorriu. Quando pegou meu passaporte, notei que ostentava um anel de prata enorme. Uma peça luminosa, com o rosto de um índio. "Que anel incrível!", comentei em português. O homem continuou rindo como se me compreendesse. De repente, tirou o anel e me deu. Um gesto absolutamente improvável: a polícia dos Estados Unidos distribuindo presentes no aeroporto?! Tão logo retornei para casa, providenciei uma cópia do anel, menorzinha, em ouro. É a que estou usando.
Qual o nome do caboclo? Pode revelar?
Quer saber demais sobre o meu caboclo! (risos) Há décadas, pertenço à Nação Ketu do candomblé. Mas, ainda garota, em Santo Amaro, costumava visitar um terreiro de outra nação, a Angola. Ali os fiéis não cultuavam somente os orixás. Também recebiam o espírito dos índios que habitaram o Brasil, os caboclos. É uma tradição maravilhosa, que me comove. Por isso, conservo o anel. Sem contar que tenho uma bisavó indígena, da etnia pataxó.
E o relógio?
Comprei para marcar um acontecimento...
Que acontecimento?
Não vou entrar em detalhes. Foi algo bonito que me ocorreu e que se relacionava com o tempo. Precisava de uma coisa que simbolizasse aquilo.
Como uma tatuagem?
Tatuagem, não — o candomblé proíbe. Engraçado que, bem jovenzinha, sonhava em fazer uma. Cresci num lugarejo repleto de rios, mas passava as férias na praia. Sempre amei perdidamente o mar. Meu pai dizia que a terra e o oceano se espelham. "Tudo o que existe aqui em cima existe no fundo do mar." Eu o escutava, e minha imaginação corria solta: "Tudo, pai? Coqueiro, abelhas, montanha?". Ele jurava que sim. Não à toa, os marinheiros me encantavam. Admirava as tatuagens que carregavam nos braços. "Quando mandar em mim, arranjarei uma igual", planejava. Àquela época, poucas mulheres ousavam exibir tatuagem. Eu, atrevida, desejava uma nas costas, do lado direito, perto da bunda. Cogitei, primeiro, desenhar uma sereia. Sou fascinada por sereias. Depois mudei de opinião: "Vou botar uma estrela, ou um sol, ou uma lua". Acabei não desenhando nada.
Sereias a fascinam?
Imensamente. Criança, ganhava umas de minha mãe, pequeninas, de barro. Agora ganho dos amigos e dos fãs. Em casa, há um punhado: de metal, gesso, madeira. Sereias são as donas da voz... Senhoras da emissão, que cantam por minha boca. Só sei cantar graças às sereias. Elas me ensinaram. Minha voz apenas mora em mim. Não é minha. É das sereias. É de Deus.
Uma metáfora, não? Ou você realmente acredita que sereias existam?
Acredito. Certas pessoas conseguem ouvi-las, enxergá-las. Eu nunca as enxerguei. Mas as sinto, talvez porque queira senti-las. Creio que hoje esteja no mesmo lugar em que as sereias se encontram. Uma bênção!
Julga-se predestinada?
Sem dúvida. Nasci para o que faço. Já na infância, me comportava de maneira incomum. Andava maquiada por Santo Amaro como uma vedete, confeccionava minhas próprias roupas e imitava os personagens das peças que o grupo local de teatro montava. O povo da cidade morria de vergonha. Evitavam a minha companhia. Somente o Caetano me apoiava. Eu avisava: "Não adianta reclamar, pessoal! Sou do palco, vou viver do palco". Não suspeitava ainda que iria cantar. Pretendia virar trapezista. Circo me atraía muitíssimo. Uma ocasião, caí de amores por um palhaço, o Poli, mal o avistei no picadeiro. Paixão doida, de cinema! Fiquei tão envolvida que arrumei um jeito de conhecê-lo sem máscara. Era um homenzinho calvo, quase sexagenário. "Vou fugir com o senhor!", repetia. O coitado, lógico, apenas gargalhava. Quando o circo partiu de Santo Amaro, me desmanchei de tanto chorar.
Em que momento você resolveu se tornar cantora?
Com uns 15 anos. Ou melhor: Caetano resolveu por mim! (risos) Ele compunha a trilha de um curta [Moleques de Rua, do diretor Álvaro Guimarães, o Alvinho] e me pediu para gravá-la. Topei na hora. Quatro anos mais velho, Caetano me influenciava bastante. Nós o considerávamos o gênio da família. Desde cedo, o danado pintava como ninguém, tocava, escrevia canções. Lembro-me de vê-lo redigir uma peça inteira com 8 ou 9 anos. "Você vai fazer o papel da estrela", me prometia. Eu, um toquinho de gente, concordava. (risos) O negócio é que acabei gravando a trilha em Salvador, no ateliê de Mário Cravo Jr. [escultor]. Que período bom, rapaz! Pouco depois, em 1963, Alvinho encenou Boca de Ouro, a tragédia do Nelson Rodrigues, e me chamou para cantar um samba de Ataulfo Alves no prólogo. Iria interpretá-lo da coxia, sem aparecer. Mesmo assim, não deixei de caprichar nos trajes. Pus luvas, brincos, colar...
Foi em Salvador, na década de 1960, que você se aproximou de Gal Costa. Continuam amigas?
Continuamos, só que não como antigamente. Perdemos o convívio. Éramos grudadas, irmãs. Agora... Gal se distanciou muito de mim e de Caetano. Não brigamos nem nada. Ela apenas se isolou. Diminuiu o ritmo, se afastou da música, adotou um filho [Gabriel, em 2007]. Mora lá na Bahia e cuida do menino, linda. Um dia lhe perguntei: "Do que você mais gosta hoje, do canto ou da maternidade? Me responda, mulher!". Não respondeu. (risos) Tenho a impressão de que Gal, uma cantora inigualável, não se entusiasma tanto pelos novos autores. Deve avaliar que suas composições não estão à altura da voz dela, daquele cristal perfeito. É compreensível. A emissão de Gal exige de fato canções tão sofisticadas quanto as de Caetano, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Ary Barroso. Eu, em contrapartida, não enfrento o mesmo problema. Sou uma intérprete antes de tudo. Uma intérprete de textos, de ideias, que também pode cantar. Não sou uma purista.
Você nunca pensou em gerar ou adotar um filho?
Pensei em dar à luz com meus 18, 19 anos. Desisti mais tarde e não me arrependo. Filho são meus discos, é minha carreira. Não disponho da sabedoria de meus pais para educar uma criança. E o mundo em que vivemos... A correria, a violência, a competição, o ar irrespirável... Colocar um bebê nesse inferno? Em um planeta sufocado? Fico apavorada quando constato algumas inversões de valores. O dinheiro, por exemplo. Virou o centro do universo. Uma loucura! Às vezes, acho que a atual crise financeira é um alerta do próprio dinheiro: "Prestem atenção! Entendam a minha natureza. Posso dormir um hoje e acordar outro amanhã". Enfim... Sou cruel com os amigos e sobrinhos que têm filhos. Cobro que zelem pelas crias e não admito que se queixem. Decidiram ter? Então se redobrem para ampará-los.
Os dilemas ecológicos parecem preocupá-la. Você apoiará a possível candidatura à presidência da senadora Marina Silva, que acabou de ingressar no Partido Verde?
Marina me arrebata. É nobre, firme, sóbria. E domina a área dela, a do meio ambiente. Como Gilberto Gil [ex-ministro da Cultura], passou pelo governo federal sem se manchar, sem cometer erros crassos. Jurei que não votaria mais em candidato nenhum, nem do Executivo nem do Legislativo. Mas a Marina talvez me anime a voltar atrás. Fechei com Lula nas eleições de 2002 e, depois, parei de votar. Os políticos me irritam. Imaginam que somos idiotas.
Recentemente, você sofreu críticas da imprensa por recorrer à Lei Rouanet para bancar alguns de seus espetáculos...
(Interrompendo) Sofri... Uma palhaçada! Uma tristeza! "Governo de esquerda só pode ajudar quem não faz sucesso." Que raciocínio torto! A lei deve acolher gregos e troianos: o ministério avaliza os projetos e cada artista sai à caça de patrocinador, como manda o figurino. Qual o drama? Por que tanta chateação?
Porque se trata de verba pública.
Verba pública? Nunca trabalhei com verba pública!
A lei prevê que os patrocinadores descontem os gastos do Imposto de Renda - um dinheiro que, em tese, iria para o setor público.
Renúncia fiscal, menino! É um mecanismo ótimo! O mínimo que a cultura merece.
E quanto à alegação de que shows como os seus ou os de Caetano, Ivete Sangalo e outros cantores famosos se pagariam apenas com a bilheteria, sem a necessidade de patrocínio?
O quê? Apenas com a bilheteria? Qualquer espetáculo de certo porte no Brasil consome uma fortuna. Nossos custos são de ópera! A plateia pede um cenário elegante, uma iluminação de primeira, um som magnífico. Não condeno, não. Estão corretíssimos! Mas qualidade tem preço. Para subir num palco, preciso ensaiar 40 dias ou mais. Você sabe o que significa arcar com 40 dias de estúdio, técnicos, equipamento, músicos? Um absurdo! "Ah, a cantora também leva uma bolada." Leva? Quem menos ganha é a cantora. Com despesas tão elevadas, você julga
viável depender só da bilheteria? Não há Canecão lotado que cubra um espetáculo. Não há teatro
no país que cubra - e olhe que os ingressos não são baratos, infelizmente. Sem patrocínio, amargaríamos prejuízo caso quiséssemos manter o alto nível dos shows. E, sem a lei, não conseguiríamos patrocínio nenhum. Zero! Portanto...

http://bravonline.abril.com.br/materia/maria-bethania-voz-nao-minha-sereias