“O amor romântico é o maior sistema energético dentro da psique ocidental”. Com esta frase impactante Robert Johnson começa seu livro WE, onde discute o relacionamento amoroso a partir do mito de Tristão e Isolda. O autor aponta o amor romântico como um fenômeno de massa peculiar ao Ocidente. Até aí tudo bem, o problema é que acostumados a conviver com as crenças e suposições do amor romântico, acabamos por considerá-lo como a única forma possível de amor.
Para Jung quando um fenômeno psicológico marcante acontece na vida de uma pessoa, traz junto um tremendo potencial energético que amplia a consciência. Assim também ocorre coletivamente quando uma nova possibilidade, idéia, crença surge trazendo uma nova maneira de encarar o universo. O amor romântico está em crise e sendo colocado em cheque dia a dia, o que abre brechas históricas pra algo novo, ou talvez extremamente antigo e orgânico e do qual nos perdemos.
Concordo com o autor ao afirmar que se homens e mulheres compreenderem os mecanismos psicológicos que atuam por traz do amor romântico, poderá emergir uma nova consciência e relacionamentos muito mais saudáveis. Mas pra saltar pro futuro é preciso escarafunchar bem o presente. Afinal, quais são os mecanismos ocultos do amor romântico? Regina Navarro, psicóloga aponta especialmente 6 máximas que povoam esse universo:
• Só é possível amar uma pessoa de cada vez;
• Quem ama não sente tesão por mais ninguém;
• O amado é a única fonte de interesse do outro;
• Quem ama sente desejo sexual pela mesma pessoa a vida inteira;
• Qualquer atividade só tem graça se a pessoa amada estiver presente;
• Todos devem encontrar um dia a pessoa certa.
Para a autora, o amor romântico faz parte do pacote do patriarcado, pressupõe a projeção de nossas fraquezas no outro, além de simbiose e dependência. Inicialmente lemos a lista acima e achamos que não temos nada a ver com isso. E ainda, claro, lembramos imediatamente de vários casais tipicamente românticos e de suas neuroses e feridas expostas. Mas ao investigar mais profundamente vai dando um mal estar... Por mais modernos que sejamos, por mais sinceros e liberais, em maior ou menor grau, ainda agimos em consonância ou em rebeldia ao amor romântico.
Vivemos um momento de desintegração das estruturas rígidas do relacionamento tradicional, embora, saibamos, há pessoas ainda pautadas em relações machistas, onde cabe à mulher submeter-se às vontades masculinas, anulando sua existência como sujeitos autônomos, independentes e com desejos próprios. A grande maioria das mulheres que atendemos no Programa Roda de Mulheres vive sob esses preceitos. Mesmo quando a mulher é a provedora, ainda assim a estrutura permanece intacta, já que a mulher, sem autonomia psíquica, segue projetando no homem seu poder. Urge ajudá-las a ampliarem suas visões e especialmente, suas afetividades (incluindo outras gentes) e sexualidades (incluindo outras fontes de prazer).
Mas quero falar de uma parcela da sociedade que realmente está vivenciando e questionando conscientemente a mudança, grupo no qual me incluo. Vivemos um momento de extrema fragilidade. A quebra do padrão clássico e tudo que vinha no kit abriu novos caminhos de liberdade, o que é maravilhoso mas causa ansiedade já que não há mais certezas nem amarras. Em verdade, tínhamos uma ilusão de segurança. Hoje estamos todos tendo que aprender a lidar com nossos amores de forma mais leve e livre...
Ao mesmo tempo, em contraponto à rigidez anterior, hoje os relacionamentos são como comida instantânea, fast food, muita variedade, não gostou trocou. Tudo muito rápido e pautado na busca pelo prazer imediato. Nesses tempos de fast love vejo uma rebeldia ao estado anterior, compulsiva mas necessária. Para alcançar o caminho do meio, mais saudável e maduro, talvez tenhamos que sentir na pele os dois lados da moeda, pra adquirir distanciamento crítico e um maior discernimento.
Nesse percurso será impossível não rever nosso conceito de liberdade. O que é ser livre pra mim? Como exerço minha liberdade? E ainda encarar a freqüente confusão entre liberdade e libertinagem. Libertinagem como o uso da liberdade sem bom senso, acabando por transformá-la em um veículo nocivo a si próprio ou aos outros. A dificuldade aí está no fato de que ambos os conceitos são construções pessoais. Para alguns, decidir passar cada noite com uma pessoa diferente é uma característica da liberdade, para outras é libertinagem. Neste sentido, diferente do modelo anterior onde esse e tantos outros assuntos vitais numa relação eram tabus, necessitamos tratar disso com os(as) parceiros(as) deixando claros os nossos limites e conhecendo os limites do outro.
Outro conceito em cheque é o da fidelidade. Fidelidade a quem? Se é impossível ser fiel ao outro sendo infiel a si mesmo, devemos fidelidade aos nossos sentimentos, basicamente. Em seu livro “A Alma Imoral”, o pastor Nilton Bonder trata desse tema com maestria, recomendo.
Enfim, historicamente, nunca fomos tão livres para escolher. Mas sempre vale pesquisar o grau de liberdade dessa escolha já que, muitas vezes, estamos cega, inconsciente e compulsivamente repetindo padrões familiares que conscientemente abominamos.
Como geração da transição, sobrou pra nós e pros nossos filhos a oportunidade de reelaborar uma forma particular de relacionamento, uma nova ética do amor. Venho construindo a minha sobre a qual tenho uma única certeza: sua base é o slow love no agora. Tudo bem devagarinho, vivido no aqui e agora e sem expectativas. Bom, criar a cartilha é fácil, difícil é pôr em prática. Sigo tentando.
“Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho,
mais preparado estará para uma boa relação afetiva”.
Flávio Gikovate
Nenhum comentário:
Postar um comentário