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Daniel Aratangy
Até os 26 anos, ela não queria ser vista nem ouvida. Demorou para sair do casulo. Hoje, aos 33 e três discos de sucesso depois, Maria Rita passou de desconhecida a celebridade nacional. Para a filha de Elis foi necessário entender que o olho do furacão é, sobretudo, um lugar tranquilo
Arquivo pessoal
Família reunida: João ao fundo, a caçula no colo da mãe, e Pedro, no início de 1979
Sua rotina, no entanto, não muda muito quando a voz encolhe. Tem que chegar cedo ao teatro, como sempre. Trancar-se no camarim, vestir o roupão acetinado, calçar os chinelos de dedo e começar o desenho no rosto e nos cabelos. Durante as turnês, não leva camareiro. Precisa, então, botar em prática tudo o que aprendeu nas tardes solitárias da adolescência, quando recortava a revista Capricho, colava as páginas com durex na penteadeira do quarto e replicava em si mesma os efeitos de luz, sombra e cores que as modelos expunham nas fotos.
Maria Rita, 33, passa a maior parte do tempo olhando espelhos. Não é vaidade simples, é bem mais longe do que isso. Parece mais com ansiedade, com procura. Uma sede de entender onde começa e onde termina seu espaço, que diabos tem para oferecer às pessoas que compram seus discos e os ingressos dos shows, quais os limites de alcance da sua voz. Busca essas respostas vendo a própria imagem refletida: quando se penteia, quando lança recados aos quase 200 mil desconhecidos que a seguem no Twitter, quando observa as reações que eles causam, quando responde as mensagens de texto dos mais chegados no teclado do celular, quando refaz o set list do show de logo mais na tela do computador, quando olha um retrato do único filho. Tudo isso também é espelho, ela sabe.
Faz sete anos que viveu a reviravolta. De completa desconhecida a celebridade nacional, uma das maiores vendedoras de discos da geração. Lançado em setembro de 2003, Maria Rita, seu álbum de estreia, bateu a casa do milhão de cópias vendidas. Do anonimato ao olho do furacão.
“Naquele começo [de carreira] o turbilhão se armou ao redor. Nego começou a pirar em meu nome. O sucesso subiu à cabeça alheia, não à minha”
De olhos bem fechados
Tinha completado 26 anos. E, até ali, por quase todos os dias de sua vida, fez a mesmíssima coisa: negar o próprio destino.
Uma história simboliza bem o período anterior à virada. Estava em Miami, na casa de amigos da família. César Camargo Mariano, seu pai, pegou o violão e pediu: “Canta isso aqui, seu tom é o mesmo da sua mãe, vai dar certinho”. A timidez era tanta que causava dores no corpo. Ela pensou em fugir, mas acabou ficando. Fechou os olhos, como faz até hoje quando se mostra, e soltou a voz. Quando abriu de volta, viu uma sala inteira aos prantos. Amigos e desconhecidos. Reagiu com um grito: “Ela morreu! Ela não volta mais!”. Entendeu como um insulto todas aquelas lágrimas. Não era com ela que as pessoas estavam se emocionando – era com a lembrança de sua mãe. Correu para o quarto e trancou a porta atrás de si. Por longos anos.
Arquivo pessoal
Em show do terceiro álbum, Samba Meu, em 2008
Começou a fazer terapia há seis anos, logo depois que o filho, Antonio, nasceu. Tinha algumas coisas que ela precisava entender. “Ser mãe sem ter tido mãe é bem complicado. E, naquele momento da carreira, eu tinha que lidar com questões de filha pra mãe que eu nunca tinha resolvido, nunca tinha olhado. Senti que era uma hora bem fundamental. Logo depois do nascimento do Antonio, o pai dele saiu de casa. Também tive isso pra tratar. Porque tem o arquétipo do pai, o arquétipo da mãe, o arquétipo da família. Como boa virginiana, sempre me analisei demais. E chega uma hora que isso começa a virar uma piração. É bom ter alguém do lado de fora pra ajudar a dar o devido tamanho às situações, às dificuldades.”
Barriga de fora
Em dias como hoje, em que a voz pode não responder completamente aos seus comandos, ela recorta o repertório do show de acordo com o esforço físico que cada canção exige. As mais dramáticas devem ser evitadas. Mas a loucura desse ofício é que, mesmo em dias assim, a adrenalina que o palco despeja no corpo do artista não vai embora depois que o espetáculo termina. Fica ali por horas, estimulando. Tira o sono. Difícil é acordar no outro dia às seis e 15 da manhã, como de costume, a tempo de levar o menino à escola.
Os dois moram no Rio desde 2007, ano em que ela lançou o terceiro álbum, Samba Meu. Aconteceu ali uma metamorfose. A menina ensimesmada dos dois primeiros trabalhos explodiu. Pela via da música, explorou o canal da sexualidade. Emagreceu, diminuiu significativamente o comprimento do vestido, botou a barriga de fora. No início desse processo, tinha aulas regulares com um personal trainer dentro de casa, já que “em academia a pessoa acaba virando um hamster enjaulado”. Caneleira de 12 quilos, esteira. Depois, dispensou tudo isso em nome de uma nova ordem: fechar a janela, ligar o som e sair dançando pela casa. Além disso, recorre à drenagem linfática, para desintoxicar. “Depois de velha comecei a inchar muito com avião, a drenagem ajuda com isso. Faço limpeza de pele, hidrato o cabelo. É tudo meu isso aqui. Não tem nada de mentira aqui não.” E controla a alimentação, sobretudo antes das apresentações. Hoje, no camarim, comeu apenas uma pera – que já chegou a suas mãos descascada e cortada em cubinhos – e uma salada árabe.“Como boa virginiana, sempre me analisei demais. Chega uma hora que começa a virar uma piração. É bom ter alguém do lado de fora pra ajudar”
Arquivo pessoal
Em coletiva de lançamento do primeiro CD, em 2003
É isso e pronto. Não vai dar? Então tchau, meu filho. Não venha atrasar minha vida.”
Está solteira e, sempre que necessário, repete o clássico mantra do “antes só do que mal acompanhada”. Quer ter outros filhos, mais quatro. Se não for possível fazê-los da maneira tradicional, pensa em recorrer a outros métodos disponíveis no mercado – da adoção ao banco de esperma. Bom é ter uma família grande.
Espelho meu
O show vai começar em 20 minutos. É hora de entrar no vestido, calçar o salto. A voz já não parece cansada depois dos exercícios de aquecimento. Está bonita e elástica como sempre foi. Tudo certo com a maquiagem?
O tempo passou depressa e já é o produtor batendo na porta. Maria Rita está à beira de se encontrar de novo com seu espelho predileto: retinas vidradas de centenas de desconhecidos que a esperam crispados, ansiosos pelo momento em que ela vai entrar em cena, abrir a boca e deixar a voz fazer o resto. A saudade que sentem agora pertence, enfim, exclusivamente a ela. Ou pertencerá, muito em breve.
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