Nada impediu que o show "Opinião" se tornasse sucesso de público, a ponto de lotar com antecedência
Thereza Aragão e eu, com nossos três filhos, morávamos num apartamento da rua Visconde de Pirajá, 630, no trecho de Ipanema chamado Bar Vinte.
Nesse apartamento fui preso pela primeira vez, no dia em que os militares impuseram ao país o famigerado AI-5, mas, quatro anos antes, em meados de 1964, pouco depois do golpe, houve uma reunião, convocada por Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho), que daria origem ao Grupo Opinião.
Ninguém naquela noite falou nisso, porém. O objetivo do encontro não era fundar um novo grupo teatral, mas, antes de mais nada, voltar à ativa após a liquidação do CPC da UNE pela repressão militar.
Além dos donos da casa e de Vianninha, participaram da reunião Armando Costa, João das Neves, Pichín Plá e Paulo Pontes, todos ex-integrantes da CPC, e mais Nelson Xavier, ligado ao Teatro de Arena de São Paulo.
O propósito do encontro era montar um show inspirado num disco que Nara Leão acabara de lançar (com capa de Jânio de Freitas) intitulado "Opinião".
Vianninha propôs fazermos um espetáculo musical que reunisse Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale -uma moça de classe média, um malandro do morro e um sertanejo nordestino. Até aí, tudo bem.
O problema é que, como tínhamos integrado o CPC, contra o qual os militares moviam um processo por subversão, não podíamos aparecer como produtores do espetáculo. A polícia o proibiria de imediato. Que fazer então?
Foi aí que alguém sugeriu pormos, como produtor do espetáculo, o Teatro de Arena. A sugestão foi aprovada, mas teria de ser aceita pelos companheiros do Arena. Feito o contato no dia seguinte, a proposta foi acolhida e, então, Vianninha, Paulo Pontes e Armando Costa começaram a inventar o show, que se tornaria a primeira manifestação pública contra o regime de 1964.
Certamente, isso não estava explícito no espetáculo, mas, entre canções e tiradas engraçadas, defendia-se a democracia e condenavam-se o latifúndio e a desigualdade social.
Tomada a decisão de escrevê-lo, surgiu a questão de onde montá-lo. Prevaleceu a sugestão de Vianninha: montá-lo no mesmo local onde o Teatro de Arena se apresentara no Rio em 1959, isto é, numa arena improvisada no shopping center da rua Siqueira Campos.
Fez-se contato com seu proprietário, o senador Arnon de Mello, e acertamos montar ali um pequeno teatro de arena na área originalmente destinada à instalação de uma boate.
Com uma grana que sobrara do CPC, mandamos fazer um estrado de madeira que serviria de palco. A plateia foi constituída pelas cadeiras do cinema de um tio de Vianninha que falira e nos chegaram cobertas de lama seca, pois haviam ficado meses ao ar livre, acumulando poeira, debaixo de sol e chuva.
Nós mesmos as lavamos e, com a ajuda de dois operários, as parafusamos e montamos. Por isso é que, durante os espetáculos, se alguém se mexia na cadeira, ela rangia, mas isso não impediu que o show "Opinião" se tornasse sucesso de público, a ponto de ter casas lotadas com um mês de antecedência.
Àquela altura, os milicos já se haviam dado conta de que aquilo era coisa de comunista, mas não se atreveram a tirar de cartaz um espetáculo com tal aprovação do público.
Em compensação, passaram a cortar e proibir quase tudo o que a classe teatral tentava montar. Depois de "Liberdade Liberdade", chegou a vez de montarmos outra peça nossa, que foi "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", escrita com o propósito deliberado de criar uma obra que, por sua qualidade estética, ganhasse os censores.
E os ganhamos: a peça foi montada sem cortes e mereceu todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Lembro-me de tudo isso com saudade, não daquela época de repressão e medo, saudade dos amigos, dos companheiros e companheiras, do nosso e dos outros grupos teatrais.
Lembro-me também de um fato engraçado. Ambrósio Fregolente, que fazia o papel de um coronel em "Se Correr o Bicho Pega", passou a trocar a fala "Comi a mulher de Brás das Flores" por "Comi o Brás das Flores", o que comprometia o herói da peça. Fui encarregado de falar com ele sobre isso, mas sua reação foi inusitada. Começou a gritar: "Kremlin, Kremlin, os comunistas estão querendo me censurar!". É que dera para tomar umas e outras antes de entrar em cena.
Thereza Aragão e eu, com nossos três filhos, morávamos num apartamento da rua Visconde de Pirajá, 630, no trecho de Ipanema chamado Bar Vinte.
Nesse apartamento fui preso pela primeira vez, no dia em que os militares impuseram ao país o famigerado AI-5, mas, quatro anos antes, em meados de 1964, pouco depois do golpe, houve uma reunião, convocada por Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho), que daria origem ao Grupo Opinião.
Ninguém naquela noite falou nisso, porém. O objetivo do encontro não era fundar um novo grupo teatral, mas, antes de mais nada, voltar à ativa após a liquidação do CPC da UNE pela repressão militar.
Além dos donos da casa e de Vianninha, participaram da reunião Armando Costa, João das Neves, Pichín Plá e Paulo Pontes, todos ex-integrantes da CPC, e mais Nelson Xavier, ligado ao Teatro de Arena de São Paulo.
O propósito do encontro era montar um show inspirado num disco que Nara Leão acabara de lançar (com capa de Jânio de Freitas) intitulado "Opinião".
Vianninha propôs fazermos um espetáculo musical que reunisse Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale -uma moça de classe média, um malandro do morro e um sertanejo nordestino. Até aí, tudo bem.
O problema é que, como tínhamos integrado o CPC, contra o qual os militares moviam um processo por subversão, não podíamos aparecer como produtores do espetáculo. A polícia o proibiria de imediato. Que fazer então?
Foi aí que alguém sugeriu pormos, como produtor do espetáculo, o Teatro de Arena. A sugestão foi aprovada, mas teria de ser aceita pelos companheiros do Arena. Feito o contato no dia seguinte, a proposta foi acolhida e, então, Vianninha, Paulo Pontes e Armando Costa começaram a inventar o show, que se tornaria a primeira manifestação pública contra o regime de 1964.
Certamente, isso não estava explícito no espetáculo, mas, entre canções e tiradas engraçadas, defendia-se a democracia e condenavam-se o latifúndio e a desigualdade social.
Tomada a decisão de escrevê-lo, surgiu a questão de onde montá-lo. Prevaleceu a sugestão de Vianninha: montá-lo no mesmo local onde o Teatro de Arena se apresentara no Rio em 1959, isto é, numa arena improvisada no shopping center da rua Siqueira Campos.
Fez-se contato com seu proprietário, o senador Arnon de Mello, e acertamos montar ali um pequeno teatro de arena na área originalmente destinada à instalação de uma boate.
Com uma grana que sobrara do CPC, mandamos fazer um estrado de madeira que serviria de palco. A plateia foi constituída pelas cadeiras do cinema de um tio de Vianninha que falira e nos chegaram cobertas de lama seca, pois haviam ficado meses ao ar livre, acumulando poeira, debaixo de sol e chuva.
Nós mesmos as lavamos e, com a ajuda de dois operários, as parafusamos e montamos. Por isso é que, durante os espetáculos, se alguém se mexia na cadeira, ela rangia, mas isso não impediu que o show "Opinião" se tornasse sucesso de público, a ponto de ter casas lotadas com um mês de antecedência.
Àquela altura, os milicos já se haviam dado conta de que aquilo era coisa de comunista, mas não se atreveram a tirar de cartaz um espetáculo com tal aprovação do público.
Em compensação, passaram a cortar e proibir quase tudo o que a classe teatral tentava montar. Depois de "Liberdade Liberdade", chegou a vez de montarmos outra peça nossa, que foi "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", escrita com o propósito deliberado de criar uma obra que, por sua qualidade estética, ganhasse os censores.
E os ganhamos: a peça foi montada sem cortes e mereceu todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Lembro-me de tudo isso com saudade, não daquela época de repressão e medo, saudade dos amigos, dos companheiros e companheiras, do nosso e dos outros grupos teatrais.
Lembro-me também de um fato engraçado. Ambrósio Fregolente, que fazia o papel de um coronel em "Se Correr o Bicho Pega", passou a trocar a fala "Comi a mulher de Brás das Flores" por "Comi o Brás das Flores", o que comprometia o herói da peça. Fui encarregado de falar com ele sobre isso, mas sua reação foi inusitada. Começou a gritar: "Kremlin, Kremlin, os comunistas estão querendo me censurar!". É que dera para tomar umas e outras antes de entrar em cena.
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